Aras provoca novo conflito com membros do MPF

Criticado no Ministério Público Federal –e publicamente– por omissão diante de temeridades do presidente Jair Bolsonaro no combate à pandemia, o procurador-geral da República, Augusto Aras, decidiu investir contra a independência funcional dos membros do órgão que dirige.

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) divulgou nota pública em que condena a iniciativa de Aras de expedir ofícios pedindo o recolhimento de recomendações de membros do MPF ao gabinete de acompanhamento da Covid-19, “sob o genérico fundamento de descumprimento da prerrogativa do procurador-geral da República de encaminhá-los às referidas autoridades”.

“O princípio institucional da unidade do MP não pode inviabilizar e tornar nulo o princípio constitucional da independência funcional, sob pena de cercear e inviabilizar a livre atuação dos membros do MPF”, afirma a manifestação da ANPR.

Em editorial sob o título “Braços cruzados”, a Folha afirma nesta quarta-feira (15) que o procurador-geral “falha em sua tarefa ao se omitir diante de temeridades de Bolsonaro”.

“Aras diz que está interessado em promover a cooperação entre os Poderes, em vez de acirrar conflitos políticos. Talvez, mas cabe ao Ministério Público defender os interesses mais amplos da coletividade, e o procurador cumpre mal essa tarefa sempre que se omite diante das arbitrariedades do presidente”, opina o jornal.

Em reportagem sobre a reação dos membros do MPF, o jornal informa que “a providência de enviar os ofícios a 20 ministérios, segundo o órgão, foi adotada após informações de que as pastas receberam “centenas de recomendações endereçadas aos respectivos secretários, mas que, na verdade, exigiam atuação dos ministros”.

Tal situação, segue o comunicado, “fere a lei e embaraça a atividade-fim dos órgãos que estão empenhados no combate à Covid-19”.​

Eis a íntegra da manifestação da ANPR:

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Nota pública sobre ato da PGR contra a independência funcional dos membros do MPF

Brasília, 14/04/2020 – A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) vem a público manifestar profunda discordância de ato do procurador-geral da República e defender a independência funcional de todos os membros do Ministério Público Federal nos termos a seguir.

Esta Associação teve conhecimento da expedição, em 08/04/2020, de 20 ofícios, assinados pelo PGR e encaminhados a todos os ministros do governo federal, contendo solicitação específica de encaminhamento de recomendações expedidas por membros do MPF espalhados pelo Brasil ao Gabinete Integrado de Acompanhamento à Epidemia do Coronavírus (Giac-Covid-19), sob o genérico fundamento de descumprimento da prerrogativa do PGR de encaminhá-los às referidas autoridades.

Nos ofícios subscritos pelo PGR, não há a indicação concreta de qualquer recomendação que tenha descumprido a prerrogativa prevista no art. 8º, §4º, da Lei Complementar nº 75/1993, qual seja, a necessidade de que “as correspondências, notificações, requisições e intimações do Ministério Público quando tiverem como destinatário o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, membro do Congresso Nacional, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado, Ministro de Tribunal Superior, Ministro do Tribunal de Contas da União ou chefe de missão diplomática de caráter permanente sejam encaminhadas e levadas a efeito pelo Procurador-Geral da República ou outro órgão do Ministério Público a quem essa atribuição seja delegada”.

Pior. Nas duas dezenas de ofícios encaminhados, o PGR indica que poderá haver o reexame do conteúdo das recomendações, sob o pretexto de preservar a atribuição dos órgãos superiores do MPF, em flagrante violação à garantia constitucional da independência funcional, garantida aos membros do MPF no art. 127, §1º, da Constituição da República de 1988.

Para o bom desempenho das atribuições constitucionais de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, a independência funcional é a pedra de toque e o pilar dentre os princípios institucionais do Ministério Público brasileiro.

De acordo com o referido princípio, os membros da instituição, na sua atuação finalística, devem obediência à Constituição, à lei e à própria consciência. Esse princípio é tão caro e tão essencial que o Conselho Nacional do Ministério Público, órgão de Controle Externo da instituição, possui entendimento consolidado no sentido da impossibilidade de se rever ou desconstituir atos relativos à atividade finalística de membros do Ministério Público, inclusive aqueles praticados em procedimentos extrajudiciais, como requisições e recomendações.

A prerrogativa de encaminhamento por meio do PGR de ofícios, requisições e/ou recomendações cujos destinatários sejam altas autoridades da República, prevista no Estatuto do MP, não abrange, por óbvio, a avaliação de sua conveniência e oportunidade e, muito menos, do mérito da medida solicitada, requisitada ou recomendada. Trata-se, em verdade, de mera formalidade o encaminhamento do ato ministerial por meio de autoridade de estatura institucional similar à do destinatário, em respeito ao relevante cargo por esse ocupado.

Ainda, ao informar a existência de suposta irregularidade, não individualizada, e consistente apenas na inobservância de prerrogativa formal, o PGR executa uma análise que competiria exclusivamente ao agente público destinatário que, inclusive, no caso dos ofícios acima referidos, poderia eventualmente se valer de consulta à assessoria jurídica dos respectivos ministros de Estado.

Para tanto, houve a reserva constitucional dessa atribuição à Advocacia-Geral da União que, inclusive, possui advogados públicos atuando nas consultorias jurídicas de todos os ministérios.

A ciência de eventual irregularidade praticada por membro do Ministério Público ensejaria o encaminhamento da notícia, com todos os dados possíveis, à Corregedoria e não legitima a solicitação genérica de devolução de recomendações expedidas por membros do MPF para reanálise de seu teor, ainda mais por um gabinete integrado que nem sequer se constitui em órgão do Ministério Público Federal, nos termos do artigo 43 da Lei Complementar nº 75/1993.

O princípio institucional da unidade do MP não pode inviabilizar e tornar nulo o princípio constitucional da independência funcional, sob pena de cercear e inviabilizar a livre atuação dos membros do MPF. Pelo contrário, tais princípios devem conviver de maneira harmoniosa com intuito de possibilitar a livre atuação do MPF, balizada pelo ordenamento jurídico, na defesa da sociedade perante os diversos níveis de governo, papel atribuído pela Carta de 1988 e que não pode ser diminuído nem flexibilizado, ainda mais em momento de pandemia e calamidade pública.

Diretoria da Associação Nacional dos Procuradores da República