Uma radiografia semanal do Judiciário

Os textos a seguir foram publicados na FolhaJus, newsletter semanal criada em março tendo como público-alvo profissionais do direito, estudantes da área e leitores em geral interessados em temas jurídicos.

São microanálises exclusivas, do editor deste Blog, com um olhar independente sobre bastidores, decisões e atos envolvendo a Justiça.

A newsletter é organizada pelos jornalistas Flávio Ferreira e Renata Galf. Traz todas as terças-feiras uma seleção das principais reportagens ligadas a temas jurídicos, além de colunas e blogs.

A circulação é semanal e exclusiva aos assinantes do jornal. (*)

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Quando lavar as mãos é um procedimento incorreto

14.abr.2020

Durante inspeção no Tribunal de Justiça de São Paulo, em novembro, o CNJ encontrou no gabinete da presidência representações criminais, contra desembargadores, não concluídas. O corregedor nacional disse que os processos foram “selecionados aleatoriamente”. O TJ-SP informou que aguardava respostas do Ministério Público Estadual, do STJ e do próprio CNJ.

Em 2016, o tribunal aposentou compulsoriamente um desembargador acusado de liberar o maior traficante do estado, preso com 1,5 tonelada de cocaína. Ele não era o juiz natural da causa e teria repetido a prática em plantões. No ano passado, o MPE informou nada haver na esfera criminal: investigava eventual improbidade, aguardando informações do CNJ —que ainda não julgou revisão disciplinar de 2017.

O desembargador obteve registro de advogado na OAB-SP em 2019. O fiscal da lei aparentemente sentou em cima do assunto. Espera-se que o MPE, nesta próxima  gestão, não lave as mãos em casos suspeitos.

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Quando a justiça tarda, falha e silencia

7.abr.2020

Nelson Tetsuo Sakagushi, ex-diretor do Banco Noroeste, desviou para cinco países US$ 242 milhões, metade do patrimônio do banco. Parte do dinheiro foi entregue a golpistas nigerianos. Em março, o TRF-3 manteve a pena de seis anos de reclusão. Sakagushi não teve seu nome citado no noticiário do tribunal.

No final dos anos 90, os órgãos de fiscalização eram lenientes. O Banco Nacional contratou ex-auditores externos para distribuir lucros fictícios aos controladores. A auditoria do Banco Econômico negociava com o BC formas de salvar o banco.

Bernard Madoff, arquiteto de uma pirâmide financeira em Wall Street, foi preso pelo FBI em dezembro de 2008. Em junho de  2009, foi condenado a 150 anos de prisão. Ao contrário de Madoff, Sakagushi poderá aguardar em liberdade a decisão final de uma justiça tardia.

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O mito da farda e o mito da toga

31.mar.2020

Um site de advogados pergunta: “Que fim levou nosso polivalente Sergio Moro? Está só assistindo de camarote às confusões do chefe?” O ministro silencia sobre atos de Bolsonaro,  diz respeitar uma “cadeia de comando”. Em novembro, o presidente pode indicar Moro para o STF, tirando-o da disputa eleitoral de 2022, ou nomear alguém “terrivelmente evangélico”. 

Os operadores do direito não dispõem de um “Posto Ipiranga” para explicar as sandices de Bolsonaro. Falta um jurista de renome que avalize as aventuras do presidente e de seus filhos. Parece não afetar o ex-juiz o fato de que onze ex-ministros da Justiça condenaram a flexibilização das armas de fogo, medida que recebeu aplausos de Moro.  Ele é ministro de Estado da Justiça, e não o ministro da justiça de Bolsonaro.

Colegas de toga foram os primeiros a identificar as ambições políticas de Moro. Advogados  criminalistas levantaram —muito antes do site The Intercept Brasil— as suspeitas de práticas indevidas nos subterrâneos da Lava Jato. Em geral, a imprensa é a penúltima a saber —o leitor, o último. Na guerra, a verdade é “A Primeira Vítima”, revelou Phillip Knightley em seu livro.

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O deslumbramento com o poder

24.mar.2020

O coronavírus ameaça o pão nosso de cada dia, mas Toffoli terá medalhão de filé e salmão nas viagens em avião da FAB para promover a paz social, segundo o CNJ. A crise pede bons exemplos, o que tem sido raro. Nomeado por Lula, o ministro foi advogado do PT, atividade privada simultânea à assessoria a José Dirceu na Casa Civil.

Toffoli foi à ilha de Fernando de Noronha em avião oficial num final de semana, evento fora da agenda e sem divulgação dos convidados. Eliminou a trava que inibia o uso político do CNJ e revogou a quarentena de juízes auxiliares. No TSE, engordou holerites com viagens internacionais. Fez seminário em hotel flutuante, no rio Negro. Gastou R$ 240 mil com uma medalha que criou no final da gestão.

Devemos a Toffoli a presença de generais no Supremo. Ele negou o golpe militar de 1964 e pavimentou o terreno para a eleição do capitão que desgoverna o país. A pedido de Flávio Bolsonaro, suspendeu centenas de investigações criminais, o que paralisou apuração sobre o filho do presidente. Toffoli chamou para si, indevidamente, a missão de conciliador dos Três Poderes. Tomara que ainda obtenha êxito com os aloprados.​

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O procurador-geral da república dos Bolsonaros

17.mar.2020

Jair Bolsonaro e Augusto Aras não enganaram ninguém. Sabia-se do que o primeiro era capaz. Aras combinou previamente o discurso com o presidente e ganhou a cadeira de Raquel Dodge. Ambos desmontaram equipes no mesmo estilo: “eu mando, eu nomeio, eu tiro”. Nos EUA, Bolsonaro disse ter provas de fraude com as urnas eletrônicas na eleição de 2018. Aras não mandou investigar essa denúncia.

Às vésperas do pleito, Eduardo Bolsonaro e o juiz federal Eduardo Cubas questionaram em vídeo a segurança das urnas eletrônicas. Cubas determinou que o Exército recolhesse urnas. Algo como um cabo e um soldado desafiando o Tribunal Superior Eleitoral. O juiz foi provisoriamente afastado do cargo, sob acusação de atividade partidária e tentativa de tumultuar as eleições.

Curiosamente, foi Cubas quem revelou ao CNJ que uma associação de juízes federais desviara, durante dez anos, recursos da Fundação Habitacional do Exército, usando dados cadastrais de magistrados que desconheciam a fraude. Houve apenas penalidades administrativas brandas. Mas essa é uma história de impunidade envolvendo juízes e militares, tema que não deve merecer maior atenção de Aras.

(*) Veja aqui como assinar a newsletter:

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/folha-lanca-newsletter-para-temas-juridicos-saiba-como-recebe-la.shtml