Líder do PCC que rompeu tornozeleira tinha registro de fugas
Num país em que -para ludibriar a Justiça- criminosos perigosos já colocaram tornozeleira eletrônica na perna da avó, na pata do cachorro ou no pescoço de um galo, merece reestudo o caso de um traficante condenado a 76 anos de prisão que foi beneficiado por concessão de prisão domiciliar, neste mês, devido à Covid-19.
Considerado um dos líderes do PCC no Paraná, Valacir de Alencar rompeu a tornozeleira e, até esta quarta-feira (22), estava foragido.
O reeducando tinha fugido do presídio há menos de um ano, foi alvo de processo disciplinar em andamento por mau comportamento. O relatório da situação processual de Valacir de Alencar na Penitenciária Estadual de Piraquara (PR) registra recapturas [veja ilustração].
Alencar teria ameaçado um juiz do Paraná e sua família.
Conforme este Blog registrou no último dia 15, o juiz de direito substituto Diego Paolo Barausse, de Curitiba (PR), concedeu prisão domiciliar a Alencar, com recolhimento em período integral, mediante monitoramento eletrônico.
Entre as sentenças que recebeu, ele foi condenado por lavagem de dinheiro, tráfico e crimes previstos no Estatuto do Desarmamento (44 anos de prisão); tráfico de drogas (15 anos); roubo mediante violência (5 anos e 4 meses) e uso de documento falso (2 anos e 4 meses). Ele cumpriu apenas 8% das penas acumuladas.
O magistrado atendeu a requerimento da defesa, sob alegação de que Alencar –que completa 39 anos de idade em maio– é portador de hipertensão, encontrando-se no grupo de risco da Covid-19.
O juiz Barausse recebeu o pedido de soltura em Regime Especial de Atuação, conforme designação do presidente do TJ-PR e com concordância do corregedor-geral, aplicando “os termos da Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça, dando-se prioridade para verificação dos casos envolvendo os grupos de risco.”
“No presente caso, trata-se de reeducando que se enquadra no grupo de risco – parcela em que a taxa de letalidade do vírus é maior –, uma vez que é portador de hipertensão, o que evidencia a mais absoluta debilidade do sistema imunológico do apenado. Diante do exposto, considerando a excepcionalidade do caso, concedo a prisão domiciliar”, decidiu o juiz.
Consultado se atuou no caso –ou se recorreu da decisão– o Ministério Público do Paraná informou, por meio da assessoria de comunicação, que “a orientação institucional é para que cada caso seja analisado individualmente, levando-se em conta a periculosidade do apenado e o tipo de crime e não apenas as condições de saúde dele”.
No início do mês, o MP do Paraná emitiu alerta sobre a progressão de presos para regime domiciliar.
Segundo o órgão, “o encaminhamento de presos em regime fechado ou semiaberto para prisão domiciliar deve seguir critérios rigorosos – levando em consideração aspectos como os tipos de crimes cometidos e as condições para o cumprimento da pena fora do sistema prisional, bem como o fato de integrarem ou não os grupos de risco para contaminação pelo Covid-19”.
Segundo a publicação, “como forma de garantir a segurança da população, o MP-PR, a partir de Promotorias de Justiça de diversas comarcas, tem recorrido de algumas decisões, por entender que muitas têm sido proferidas de forma genérica e coletiva, sem a avaliação individual dos casos e não levando em conta fatores importantes como o tipo de crime cometido e a periculosidade dos presos”.
“Condenados por crimes graves, como homicídio qualificado, feminicídio, roubos majorados, organização criminosa e tráfico de drogas, por exemplo, têm tido a progressão para o regime domiciliar concedida – daí a necessidade de intervenção do Ministério Público.”
Levantamento feito pelo Departamento Penitenciário do Paraná (Depen) revela que, desde o início da pandemia (entre os dias 16 de março e 3 de abril), pouco mais de 2,5 mil presos em delegacias e presídios do Paraná foram beneficiados com a progressão de regime.