Advocacia homenageia Walter Ceneviva

A Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) lançou na última quinta-feira (23) edição da Revista do Advogado dedicada ao jurista, professor de direito civil e advogado Walter Ceneviva, que durante mais de 30 anos assinou a coluna “Letras Jurídicas” na Folha.

A publicação foi coordenada pelo advogado criminalista Antônio Ruiz Filho. Reúne 35 artigos com reflexões e depoimentos de amigos sobre ensinamentos e teses do mestre.

A obra, de 218 páginas, está disponível no site da AASP. Foram impressos 80 mil exemplares, cuja distribuição será feita tão logo termine o período de isolamento por causa da pandemia.

Na apresentação da revista, Ruiz Filho diz que “o advogado Walter Ceneviva enfeixa inúmeras qualidades –-amplamente reconhecidas-–, que o tornam verdadeiramente singular. Destacou-se em todas as atividades que exerceu e vem exercendo ao longo da vida, e não foram poucas, desde a tenra juventude”.

“Afora o exercício do magistério, em que formou uma legião de excelentes profissionais do Direito, foi e continua a ser exímio advogado. Em mais de 60 anos de profícua militância na advocacia, muitos puderam servir-se da sua escrita impecável e vasta cultura jurídica e humanística para fazer prevalecer o direito e obter justiça”, diz o coordenador da revista.

A seguir, trechos de depoimentos e episódios citados na revista:

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“Até hoje me lembro de como ele era capaz de citar, sem consulta, leis e normas do Direito, nas mais diversas áreas”. (…) “Convidado para ser titular da cadeira de Direito Civil na PUC de São Paulo, aceitou o desafio no período de 1975 a 1984. Esteve à frente do seu tempo inovando o seu curso ao determinar que os alunos já deveriam vir para as aulas com a matéria estudada, prática que fazia com que todos acabassem muito mais bem preparados”.  [José Roberto Hachich Maluf]

“Apesar da fisionomia ainda bastante jovem, tinha cabelos já completamente brancos. Sob o bigode, igualmente cândido, reluzia um sorriso franco e incansável que chamava a atenção. Com os olhos vívidos e reluzentes, lenta e cuidadosamente ele vasculhava a audiência, aos passos serenos com que se dirigia à mesa elevada do auditório. Quando ele se sentou, sem que houvesse até ali pronunciado uma única palavra, o homem já havia conquistado cada um daqueles universitários. Seu nome então ele anunciou. Era Walter Ceneviva”. [Paulo Sérgio Cornacchioni]

Numa aula sobre direitos da personalidade, perguntou aos alunos se conheciam Maria da Graça Costa Penna Burgos, Sebastião Rodrigues Maia e Senor Abravanel [referia-se a Gal Costa, Tim Maia e Sílvio Santos]. Ceneviva passou a explicar o direito ao pseudônimo, nome artístico, e daí ampliando as explicações para o direito da personalidade. [Arystóbulo de Oliveira Freitas]

“Walter Ceneviva brilhava com seus pareceres eruditos, mas, todos, também, com uma pitada de bom humor”. (…) “Muitas vezes brincava com o público, dizendo que encerraria a aula em um determinado horário”. (…) “Pedia que todos acertassem seus relógios pelo dele e começava a aula. Sem olhar para o relógio, terminava, exatamente, no horário que havia previsto”. (…) “Advogado exemplar. Ético, combatia com uma elegância incrível”. (…) “Mandava-me cópia das petições, que levava aos autos, logo após protocolá-las”. [Antonio Carlos Malheiros]

“Nunca o vi de cara amarrada, está sempre sorridente, de bem com a vida”. Antes de começar uma palestra, Ceneviva disse: ‘Eu vou falar por 43 minutos’. Tirou o relógio do pulso, colocando-o bem afastado sobre a mesa. Ao final, disse para o auditório: ‘Como os senhores podem verificar, eu falei exatamente por 43 minutos'”. [Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França]

“Descontraído, avesso a hierarquia entre colegas, do primeiro encontro em diante cumprimentava um a um pelo nome. Tomávamos assento e ele dizia ter ouvido uma anedota que nos queria contar. Em anos, nunca houve piadas repetidas”. (…) “Demorou até eu entender o motivo de tamanha descontração. É que a solenidade e o excessivo respeito humano e cuidado nos encontros de trabalho dificultam a comunicação e a criatividade, colocam barreiras entre as pessoas”. (…) Ceneviva sempre colocou o melhor de seu saber e criatividade à disposição de todos”. [Jayme José Martos Cueva]

“Suas intervenções eram sempre precisas e agradáveis, porque, além do conteúdo jurídico, eram acompanhadas de pitadas de fino humor, sempre procurando destacar algo bom, sem deixar de fazer juízo crítico sobre a matéria em exame”. (…) “A dicção perfeita do antigo locutor de rádio (‘speaker’) da BBC e da Rádio Gazeta, a par da clareza de raciocínio, objetividade e simplicidade –ou melhor– descomplicada linguagem, afastada do juridiquês, fluente e envolvente, provocava e provoca nossa admiração”. [José Reynaldo Peixoto Souza]

“Ele simbolizava todos os predicados e todas as qualidades que constituem a essência da advocacia”. [Antônio Cláudio Mariz de Oliveira]

Em 1979, Ceneviva escreveu artigo na Folha, no qual dizia que “o funcionamento do sistema judicial no Brasil é caso agudo de necessidade urgente de desburocratização. Carimbos, rubricas, protocolos, despachos, rotinas medievais fazem do processo, tomado em seu sentido mais amplo e dada sua natureza formalista, uma estrada de muitas saídas, mas com flechas indicativas, confusas, contraditórias, obscuras”. [Flávio Tartuce]

“Devo muito a Walter Ceneviva, responsável pelos meus quase 40 anos de ensino na PUC”. (…) “Reconheço com sinceridade que ele foi um dos grandes responsáveis, também, pelo meu aprimoramento e formação humanística, como magistrado e esforçado professor”.[José Gaspar Gonzaga Franceschini]

“Sou testemunha presencial, longamente experimentada, da modéstia comportamental, da erudição técnica e da cortante retórica do Ceneviva”. (…) “Ele jamais despejava perporrências, mostrava arrogâncias ou desembuchava bazófias. Era simples e lhano, sem armar ostentações”. (…) “A sua afabilidade, a sua inteligência e a sua requintadíssima ironia constituem dons incomuns em todos quantos tive o prazer, ou o desprazer, de encontrar nestas mais de sete décadas de existência”. [Manuel Alceu Affonso Ferreira]

“Saber e sabedoria podem ser a síntese veraz desse advogado que honra nossa classe, merecedor de todas as homenagens por sua profícua vida em favor da advocacia e da justiça”. [Miguel Reale Júnior]

“Grande parte dos professores da época [nos idos de 1975] ignoravam a ditadura nas suas aulas para não dizer que alguns a apoiavam. Lamentável. O professor Ceneviva, com sua serenidade, nos passava duas mensagens essenciais: a defesa da democracia e da liberdade de expressão deveria pautar nossas ações. Eram tempos difíceis. E ele nos passava estas ideias com muita clareza”. [Marcelo Gomes Sodré

“Cumprimentado por antigo aluno, lembra-se de seu nome imediatamente. Como isso é possível? Respondeu-me ‘é que eu sempre me interessei muito pelos meus alunos'”. (…) “Em defesa dos amigos, enfrentou a ditadura militar e disso não se arrepende, antes, diz ter sido necessário”. [Pedro Cornacchione]

Walter Ceneviva “viveu as contradições do país não apenas no exercício da sua profissão, mas também como colunista do jornal Folha de S.Paulo“. (…) “Merece aplausos pela vida dedicada à imprensa”. [Taís Gasparian]

Como doutrinador, Walter Ceneviva “tem sido fundamental para iluminar a solução de difíceis controvérsias nos tribunais. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, suas lições têm sido centrais para o desate de inúmeros recursos”. [Ricardo Villas Bôas Cueva]

“Nunca vi Walter Ceneviva vangloriar-se da grande cultura jurídica, amparada em profunda cultura geral, produto de muito estudo e meditação”. (…) “Como magistrado, utilizei muito a obra doutrinária de Walter Ceneviva, instruindo-me para julgar”. [Sidnei Beneti]

“Culto, inteligente, aberto ao mundo e bem-humorado, hoje me pergunto como as décadas de trabalho não lhe retiraram a delicadeza do trato e tampouco o interesse genuíno pelas pessoas e pelos causos do Direito. Um professor nato!” (…) “Em nossa classe havia um aluno cego. Nos dias de prova o professor Ceneviva o sentava na sua mesa, com a máquina de escrever do aluno, e lhe ditava as perguntas da prova. (…) Naquele dia, G. havia esquecido de colocar a fita com tinta preta na máquina de escrever”. (…) “Cuidadosamente, [Ceneviva] pegou um grafite e foi passando pelas letras sem tinta batidas no papel sulfite branco e, aos poucos, o texto foi surgindo. Ao final ele sorriu e com certa dificuldade corrigiu toda a prova, nunca comentou nada com G.” [Renata Mei Hsu Guimarães]

Nota do Editor: Walter Ceneviva foi um dos inspiradores de meu livro “Juízes no Banco dos Réus” (Publifolha). É dele a primeira citação na obra: “Quando nem os sinais exteriores de riqueza são tomados como um início de prova, lembrando Rui Barbosa, chega-se à vergonha da honestidade mantida”.