Moro ‘fez a coisa certa’ e ficou na mira de invejosos e aduladores, diz procuradora

Sob o título “Faça a coisa certa“, o artigo a seguir é de autoria de Ana Lúcia Amaral, procuradora regional da República aposentada.

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A frase que dá título a esta manifestação, dita pelo ex-ministro Sergio Moro, quando da exposição pública das razões de seu pedido de demissão, motivou-me a vir a este espaço.

A frase-lema do Sr. Sergio Fernando Moro, me remeteu a outra que sempre ouvi de meu pai, já falecido, “siga sempre a verdade, ainda que não lhe seja favorável”.

No meu entender, ética e o direito são inseparáveis. No entanto, no curso do exercício profissional, constatei que para muitos profissionais do direito não era bem assim.

Já não me lembro mais do nome do autor italiano que disse que o juiz pode se proteger atrás das normas processuais, decidindo sem se expor. Atuando na esfera da Fazenda Pública, onde as ações repetem à exaustão as mesmas teses, via de regra só matéria de direito, não conseguia perceber essa possibilidade, até por força das sentenças padrão.

Só quando comecei a atuar em matéria de tutela coletiva, via ações civis públicas, e depois em matéria criminal, constatei que é possível decidir de modo o mais confortável para o julgador. Até eventual exame de recurso, e retorno dos autos para outra decisão, pode haver tempo suficiente para mudar de entrância e/ou vara, ou de instância, ou ter prescrita a ação, se matéria criminal.

Vi tanto por parte de membros da magistratura, como membros do Ministério Público, o apego às normas processuais, e da forma a mais confortável possível. Prendiam-se a firulas processuais, para mandar a matéria de mérito para o espaço. Os que dizem que nunca conversaram com promotor ou procurador estão no rol dos escravos da formalidade para conforto próprio.

Em Sergio Moro vi juiz que não tem aversão a julgar. Não vi em suas sentenças – li muitas! – preocupação em se esquivar de questões difíceis, diante do que já se sabia da jurisprudência dominante quanto àquela matéria.

Não via nas audiências, transmitidas ao vivo, preocupação em ostentar que ali era ele a grande autoridade que decidia. Nunca percebi qualquer preocupação em acolher requerimentos do MP, não se vendo como prestador de serviços ao procurador oficiante, como cheguei a ouvir de mais de um juiz. Foi extremamente resistente e tolerante com os mais absurdos atos de desrespeito de advogados de defesa e dos próprios réus, pois sabia de sua autoridade, e sobretudo de sua responsabilidade.

Conhecedor da estrutura do Poder Judiciário, já sabia como poderia ou não evoluir sua carreira. Conhecia bem o funcionamento dos tribunais, sobretudo dos superiores.

Atuou fora da caixinha, e isto incomodou àqueles que não tem a sua formação e estatura moral. Depois do trabalho ímpar e hercúleo, sabia que, nos anos seguintes, poderia assistir ao desmanche de tudo. Tinha ciência que sua atuação, como juiz, sofreria as limitações que o sistema de Justiça atual impõe.

Ao aceitar o convite para ser ministro da Justiça do governo Bolsonaro, que fez sua campanha sobre o sucesso da Operação Lava Jato, acredito que o então juiz federal Sergio Moro viu a possibilidade de poder colaborar com a melhoria do sistema de Justiça como um todo. Saiu do conforto, da segurança do cargo de juiz – um entre milhares – para ser ministro da Justiça e da Segurança Pública. Homem de boa-fé viu-se, depois, ludibriado.

Todas as suas iniciativas, via propostas legislativas, foram sistematicamente atacadas pelo chefe do Poder Executivo. Usava o pífio argumento que era para não tumultuar o exame da proposta de reforma constitucional da Previdência – que igualmente torpedeava.

Quando em maio de 2019, o Poder Executivo nada fez contra a transferência do COAF do Ministério da Justiça para o Ministério da Economia, dava mais sinais de que aquele projeto de transformações efetivas para o combate da corrupção e crime organizado não iria progredir. Em agosto daquele mesmo ano, a Diretoria Geral da Polícia Federal entrou na mira do presidente da República. Quando da sanção do pacote anticrime, desidratado, vetos sugeridos pelo ministro da Justiça não são acolhidos pelo Chefe do Poder Executivo. Já em 2020, tentou-se esvaziar a pasta sob o comando de Sergio Moro, retirando de seu comando a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal.

Viu-se ao longo desse período que incomodava ao ego infladíssimo do presidente da República a manutenção do prestígio e popularidade do ministro da Justiça, enquanto a sua começava a deteriorar. Via na figura do ex-ministro alguém com capacidade de lhe fazer sombra e afetar seu sonho de perpetuar-se no poder.

A par da perda de popularidade – por força de todos os descalabros de suas manifestações e atitudes – o Presidente da República teve e tem suas energias desviadas para a proteção de seus filhos, envolvidos em estranhas transações. A retirada do COAF da estrutura do ministério da Justiça tem clara conexão com a busca de impedir o avanço das investigações do sistema de “rachadinha”, nos gabinetes de deputados da ALERJ, que vem atingir o filho, antes deputado estadual, e hoje senador da República, por força de ligações com antigo amigo e aliado do pai Presidente.

Se as sugestões de vetos a pontos controvertidos do dito pacote anticrime, –quando não deliberadamente pró-impunidade– não foram aceitas, o ex-ministro da Justiça nada poderia fazer. No entanto, ao constatar que se buscava interferir na autonomia da Polícia Federal, para controlar investigações que contrariassem o núcleo do poder presidencial, impossível calar. Outro momento do “faça a coisa certa” aconteceu.

Em que pese o então ministro Sergio Moro ter cogitado de como seria se a então presidente da República procurasse o Diretor da PF ou o superintendente em Curitiba, na época da Lava Jato, para afastar a existência de interferência anteriormente, o fato é que se buscou interferir sim – vieram a público queixas contra o titular da pasta da Justiça que não “controlaria a PF”. Depois da saída de José Eduardo Cardozo, veio Eugênio Aragão, falando grosso, que não aceitaria “cheiro de vazamento”.

“Vazamento” àquela época eram verdades, de interesse público, reveladas. Imagino que tenha havido, sim, outras cogitações de interferência via Ministério da Justiça em casos envolvendo autoridades dos governos Lula e Dilma, só que o ministro da Justiça de então não deve ter encontrado os meios, ou entendeu quão grave seria, naquelas circunstâncias, em que seu partido havia sido atingido terrivelmente.

Lembrei do episódio do caseiro Francenildo, que revelou que o então ministro Palocci frequentava uma casa, palco de outras tantas estranhas transações. E para desqualificar a informação daquele humilde caseiro, o então Ministro da Justiça do governo Lula teria atuado para que, via CEF, fosse exposta a vida do caseiro. Foi o que então veio a público via imprensa.

O Sr. Sergio Moro manteve-se fiel à sua regra e fez a coisa certa. Mais uma vez se expôs de forma corajosa e digna. É óbvio que o exército de invejosos e condenados em suas sentenças procurarão retirar o mérito de sua honrada atitude.

Para aqueles de carreira obscura, Sergio Moro como juiz só quis aparecer. Magistrado que afirma que nunca conversou sobre caso de sua responsabilidade com o promotor/procurador, deve ser porque em ação de despejo e execução fiscal nunca precisou, obviamente. Membros do MP que criticavam/criticam o então juiz federal Sergio Moro e hoje ex-ministro da Justiça, bem como os membros da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, estão no mesmo rol daqueles que mencionei antes.   

Como o exército de invejosos, covardes e aduladores é enorme, não faltou quem visse prática de crimes por parte do então demissionário ministro da Justiça.

Curiosíssimo é o ofício do PGR dirigido ao STF para abertura de investigação com base nas declarações do Sr. Sergio Moro, nas quais narra as investidas da Presidência da República contra o diretor da Polícia Federal. Parece que para amenizar o pedido de investigação de condutas do presidente da República, que se coadunam com tipos penais comuns, o PGR já quer investigar o ex-ministro – sem foro por prerrogativa de função – por crime que só se saberá configurado depois de encerradas as investigações e descaracterizadas como crimes as condutas anteriormente imputadas ao presidente da República.

Ao fim e ao cabo, se não configuradas as condutas penais de responsabilidade do presidente da República, só restará ao PGR encaminhar o resultado à primeira instância, para iniciativas cabíveis. Ele não tem atribuição para investigar e promover ação penal em face do Sr. Sergio Moro, hoje pessoa sem prerrogativa de foro. Simples assim.

O que espero é que as autoridades envolvidas façam a coisa certa conforme a ética e o direito, para o bem da sociedade.