Recomendação do CNJ sobre Covid-19 é inconstitucional, decide juiz de falências

O juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, declarou inconstitucional uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a Covid-19 e a recuperação de empresas.

O juiz determinou a expedição de cópia ao procurador-geral da República, Augusto Aras, “para as providências que entender cabíveis”.

O juiz observou, na decisão, que “os advogados de devedoras e credores têm plena capacidade de formular suas pretensões e o juízes estão aptos a decidirem os pleitos, caso a caso, com equilíbrio e responsabilidade, não podendo sofrer interferência na atividade jurisdicional, pelo CNJ, mesmo sob o propósito de obtenção de bons resultados, pois a Constituição Federal não conferiu a este órgão tal competência”.

A decisão foi tomada, nesta terça-feira (12), em ação de recuperação judicial na qual uma empresa alegou a impossibilidade de pagar os salários.

“Como a devedora invocou a Recomendação nº 63 do CNJ, o que tem ocorrido em inúmeros casos, devo declará-la inconstitucional porque emanada de órgão que não tem função jurisdicional e que viola a independência jurídica da Magistratura”, decidiu.

No procedimento assinado no final de março pelo ministro Dias Toffoli, presidente do CNJ, recomenda-se prioridade na análise e decisões sobre levantamento de valores em favor de credores ou empresas recuperandas, “considerando a importância econômica e social que tais medidas possuem para ajudar a manter o regular funcionamento da economia brasileira e para a sobrevivência das famílias notadamente em momento de pandemia de Covid-19”.

O juiz registra na decisão: “Além de presumir que todos os juízes de recuperação judicial não tenham capacidade e responsabilidade de decidir (…), o provimento serve de argumento de autoridade por quem, mesmo injustificadamente, pretende ter seus pleitos atendidos.”

O juiz da 2ª Vara de Falências determinou unificar todas as contas de titularidade da empresa, antes de decidir sobre o pedido. “Mas, desde logo, observo que não há prova de qualquer impossibilidade de pagamento da folha de salários. Por isso, caberá ao administrador judicial examinar previamente a real situação econômico-financeira da devedora e se ela decorre, total ou parcialmente, das medidas sanitárias de combate à pandemia do Covid-19, bem como se os valores depositados em juízo foram destinados ao cumprimento do plano”.

O magistrado registrou ainda que “os juízes de falências e recuperações judiciais devem ter assegurada sua prerrogativa constitucional de decidir, com equilíbrio e serenidade todas as questões relevantes que têm sido postas neste momento de pandemia da COVID-19, ponderando todos os aspectos envolvidos no cumprimento de um plano de recuperação e não apenas a situação do devedor, pois a empresa não existe sozinha, e sim em relação com outras empresas, além de ter empregados e credores trabalhistas”.

O juiz citou vários juristas em defesa da independência da magistratura. Nas palavras de José Frederico Marques, “nem o Legislativo nem o Executivo podem dar ordens a qualquer juiz ou tribunal, sobretudo no que tange ao exercício da função jurisdicional. É isto que se denomina de ‘independência jurídica’ do juiz”.

Paulo Furtado de Oliveira Filho reproduziu trecho de discurso que o ministro Celso de Mello, decano do STF, proferiu em 1997, ao receber o Colar do Mérito Judiciário, concedido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:

“O juiz não pode ser despojado de sua independência. O Estado não pode pretender impor ao magistrado o veto da censura intelectual, que o impeça de pensar, de refletir e de decidir com liberdade.”