STJ julga recurso de juiz que inspirou a imagem do ‘bandido de toga’
A Primeira Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) julga nesta terça-feira (19) recurso do juiz Gercino Donizete do Prado, de São Paulo, condenado a 8 anos e 4 meses de reclusão. Ele foi acusado de receber propina semanal de um empresário, e de exigir até 13º do extorquido. (*)
Em 2010, a ex-corregedora nacional de Justiça Eliana Calmon afirmou em entrevista que uma execução foi obstada porque uma das partes teria “molhado a mão do juiz”. A declaração gerou forte reação da magistratura de São Paulo.
Ela não mencionou na ocasião o nome do juiz Gercino –e só viria a usar a expressão “bandido de toga” um ano depois da entrevista.
O juiz atuava na 7ª Vara Cível de São Bernardo do Campo. Chegou a ser afastado pelo TJ-SP por interferência da Corregedoria Nacional de Justiça.
O julgamento de Gercino Donizete do Prado no Tribunal de Justiça de São Paulo, em 2014, teve ampla repercussão. O juiz foi condenado por unanimidade pelo Órgão Especial do TJ-SP, que acompanhou o voto do relator, desembargador Xavier de Aquino. A quebra do sigilo do processo permitiu a divulgação de um amplo esquema de concussão.
O recurso a ser julgado nesta terça-feira ilustra bem o sistema que permite a demora da realização final da justiça. Em 2015, o caso esteve no centro das discussões sobre a execução da prisão com a condenação na segunda instância.
O juiz está recorrendo no STJ de decisão do Órgão Especial do TJ-SP que rejeitou seu questionamento [exceção de impedimento] em processo administrativo disciplinar.
O juiz Gercino alega que é ilegal o processamento e julgamento do processo administrativo pelo mesmo órgão responsável por condená-lo na esfera judicial.
Ele opôs exceção de suspeição em desfavor do desembargador relator, sob o argumento de que teria recebido em seu gabinete, de forma reservada, testemunha de acusação, que seria sua amiga pessoal. O processo foi liminarmente arquivado pelo Órgão Especial, segundo o entendimento de que não cabe exceção com meras suposições.
Em 2014, Gercino foi condenado a 8 anos e 4 meses de prisão em regime fechado –além da perda do cargo– sob a acusação da prática de extorsão por 177 vezes.
O juiz foi denunciado por exigir de José Roberto Ferreira Rivello o recebimento de vantagens para não converter em falência o processo de recuperação judicial de sua empresa.
A denúncia narra que, entre 2008 e 2011, Gercino recebeu valores em espécie e bens materiais. O juiz recebeu joias –relógios Rolex e Bvlgari, uma gargantilha de ouro no dia do aniversário da sua mulher– aparelho celular, notebook, canetas Montblanc e roupas finas.
Segundo os autos, os valores chegavam às mãos do juiz em três locais: num hotel, num café e até mesmo na Vara onde atuava. A gargantilha de ouro foi entregue na residência do réu.
O empresário também assumiu despesas de viagens e festas para o magistrado –entre elas, uma recepção para 400 convidados, no dia do aniversário do réu. Rivello pagou os serviços de uma assessoria de imprensa para divulgar o nome do magistrado na mídia.
Durante o interrogatório, o juiz Gercino Donizete do Prado afirmou que as acusações eram “absurdas, fantasiosas”, feitas em retaliação, com o objetivo de afastá-lo do processo, porque tomara medidas duras contra o empresário.
Argumentou que a palavra de uma pessoa de má índole –com antecedentes criminais– não poderia prevalecer sobre a palavra de um magistrado.
O advogado José Luiz de Oliveira Lima fez a sustentação oral em defesa do juiz. Disse que ele é inocente e não poderia ser condenado sem provas.
Oliveira Lima alegou que o Ministério Público não apresentou um único documento concreto que comprovasse a entrega de propina. “Não há prova, fotografia, nada”, disse. “Não tem os documentos, porque os fatos não ocorreram”, afirmou o defensor.
Diante de pedido feito pela Procuradoria Geral da República ao STJ para o início da execução provisória da pena, os advogados impetraram o HC preventivo alegando que, de acordo com a decisão condenatória, o mandado de prisão somente deve ser expedido após o trânsito em julgado.
Argumentaram ainda que o juiz foi processado em instância única, sem direito à revisão fático-probatória e sem a observância do duplo grau de jurisdição.
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar para sustar a execução da pena. Na decisão monocrática, Fux registrou que “o réu na ação penal de trâmite originário no tribunal local não pode aguardar preso, por tempo indefinido, o juízo de valor que será proferido, restando caracterizado o periculum in mora’”.
Posteriormente, Fux reviu seu entendimento e revogou a liminar. O ministro registrou que a garantia do foro por prerrogativa de função “não pode se converter em uma dupla garantia” – o julgamento perante tribunal e, concomitantemente, a inviabilidade de execução provisória da pena imposta ao detentor do foro.
Segundo o ministro, “o que legitima a execução provisória da pena é a decisão colegiada do tribunal local que examina, em toda a sua amplitude, a pretensão do órgão acusador, e não a necessidade de confirmação da sentença condenatória por mais de um órgão jurisdicional”.