Uma controvertida soltura de presos
O desembargador Tyrone José Silva, do Tribunal de Justiça do Maranhão, concedeu liminar para livrar da prisão os réus Francisco Pereira de Oliveira, vulgo “Chuluca”; Antônio Carlos de Lima Bessa, vulgo “Gato”, e Renan Lima de Sá. Eles foram denunciados pela prática –em março de 2019– dos crimes de homicídio duplamente qualificado pelo motivo fútil e tortura.
Depois de ter negado três habeas corpus até fevereiro –e em desacordo com parecer da Procuradoria Geral de Justiça–, o magistrado determinou, no último dia 30 de março, a expedição de alvará de soltura, fundamentando sua decisão no excesso de prazo da prisão preventiva e por causa da Covid-19.
Os três réus não estão na faixa de risco da pandemia. Mas, segundo o MP, colocam em perigo a segurança pública.
Em agosto de 2019, o juiz Antônio Elias de Queiroga Filho, da comarca de Barra do Corda (MA), negou aos acusados o direito de recorrerem em liberdade, “já que persistem os motivos que ensejaram a decretação da prisão preventiva”.
Os presos já estavam pronunciados desde o dia 27 de agosto de 2019. Isto é, o julgamento perante o Tribunal do Júri já deveria ter ocorrido.
Motivo fútil
Segundo a denúncia, no dia 2 de março de 2019, “Gato” estava em um bar, em Barra do Corda, quando dois indivíduos lhe subtraíram, mediante violência, um cordão de ouro. Os três acusados iniciaram uma busca dos assaltantes.
“Chuluca” arrastou uma das vítimas, Lucas Santos Santana Silva, para trás do bar, apontou um revólver, agrediu-o a socos e chutes, forçando-o a identificar os autores do roubo. “Obrigado a informar algum nome para não morrer”, Lucas citou Tadeu Rafael Ferreira de Brito, e foi obrigado a ir com os réus à casa de Tadeu.
Ao abrir a porta, Tadeu “foi agredido com tapas e socos, sendo arremessado na calçada”. As agressões foram presenciadas pela mãe e pela filha, de quatro anos de idade. “Ao perceberem que não recuperariam o cordão, os acusados efetuaram vários disparos de armas de fogo” –dois tiros contra Tadeu, que morreu na hora, e um disparo contra Lucas, que sobreviveu, pois fingiu estar morto.
O Ministério Público entendeu que o juiz de primeiro grau “fundamentou corretamente” a decisão que converteu a prisão temporária em preventiva, “para garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal”.
Segundo a promotoria, um dos réus revelou “extrema periculosidade”, havendo “notícia de que testemunhas foram ameaçadas”.
Os acusados foram presos em 27 de março de 2019, numa megaoperação que contou com a participação da Polícia Civil do Maranhão, do Centro Tático Aéreo (CTA) e da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Foram cumpridos quatro mandados de prisão e seis mandados de busca e apreensão decorrente de uma investigação do homicídio qualificado. Um quarto corréu estaria desaparecido.
Novos advogados
O desembargador Tyrone José Silva modificou seu entendimento quando recebeu pedido de reconsideração de habeas corpus negado, apresentado pelos advogados Marcos Vinicius Brito Araújo e Raíssa Mota Ribeiro, do Piauí, novos defensores dos réus.
Ao indeferir liminar anteriormente, Silva havia registrado que a “a prisão dos pacientes já foi questionada em vários habeas corpus impetrados pelas defesas, sendo em todas as ocasiões denegada a ordem pleiteada”.
Marcos Vinicius diz que assumiu o caso a pedido de um amigo de advogado do seu escritório. Diz que todos os procedimentos foram online.
“Não houve qualquer interferência política. Houve apenas um habeas corpus bem feito, pois entendemos que não é possível basear uma prisão preventiva apenas em conjecturas”, afirmou.
Ele diz que identificou falhas processuais. “Não pode ser mantido em prisão preventiva o réu que se apresentou voluntariamente e não foi ouvido pelo delegado”, afirmou.
Pandemia como fato novo
Segundo os advogados sustentaram, como a reiteração de pedido do habeas corpus só é cabível com o surgimento de novos fatos, a defesa alegou descumprimento do artigo 316 do Código de Processo Penal e, “por questões humanitárias”, o risco de propagação da pandemia Covid-19 no sistema prisional.
O desembargador Tyrone José Silva entendeu que “a gravidade do delito imputado ao paciente não justifica alongamento desproporcional do tempo de prisão preventiva, até porque a prisão preventiva não é pena”.
“Como é de conhecimento de todos, todo o Planeta sofre os efeitos danosos da pandemia de novo coronavírus, atingindo todas as áreas da sociedade organizada, restringindo sobremaneira a movimentação de pessoas em todo mundo, situação esta da qual não escapa o Poder Judiciário do Estado do Maranhão”, registrou em seu voto.
“Nesse contexto, a prisão preventiva dos pacientes se alongará indefinidamente até que a situação dessa pandemia esteja resolvida ou minimizada a ponto de se tornar possível a realização de atos presenciais tendentes ao julgamento dos pacientes pelo Tribunal do Júri”.
O desembargador determinou que os réus aguardem em liberdade o julgamento pelo Tribunal do Júri, mantenham recolhimento domiciliar nos finais de semana, monitorados por tornozeleira eletrônica. Eles estão proibidos de ausentar-se da comarca sem autorização; de frequentar bares e de “manter contato com a vítima sobrevivente, com familiares das vítimas e testemunhas”.
O Blog enviou pedido de informações à assessoria de Comunicação do Tribunal de Justiça do Maranhão, colocando o espaço à disposição do magistrado para eventuais comentários.