TCU aprova gastos de R$ 98,7 mil com viagem de ministros militares nas férias
O TCU (Tribunal de Contas da União) arquivou investigação sobre a viagem de três ministros do STM (Superior Tribunal Militar) à Grécia, nas férias de julho de 2019, quando participaram de evento privado com despesas pagas pelo tribunal.
Dos gastos totais de R$ 98,7 mil com a viagem dos três ministros, R$ 45,3 mil foram despendidos com diárias, passagens e seguro internacional do presidente da corte, almirante Marcus Vinicius Oliveira dos Santos.
O encontro teve apoio do Bradesco e foi promovido pela Associação Internacional das Justiças Militares (AIJM), uma entidade privada com sede em Florianópolis (SC) criada em 2003.
A apuração teve origem em reportagem da Folha, de setembro último, que revelou a presença dos ministros em seminário de dois dias no Athens Plaza Hotel. O STM não noticiou o evento. Segundo informou a assessoria, não houve divulgação do seminário “porque o evento não era organizado pelo STM”.
A foto reproduzida neste post foi publicada no site do TJ-MG por iniciativa do juiz Fernando José Armando Ribeiro, do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais, que participou do evento.
No último dia 13, em sessão virtual, o TCU julgou improcedente uma representação do Ministério Público de Contas. O STM não divulgou o resultado favorável ao tribunal.
O relator, conselheiro Raimundo Carreiro, inovou. A título de conferir maior transparência e tecnicidade à representação, disse que adotou “procedimento inusual no TCU”. Após a instrução da área técnica, concedeu vista ao representante do Ministério Público de Contas, o qual aderiu às conclusões da SecexAdministração, no sentido de considerar improcedente a representação.
Quando ofereceu a representação, o subprocurador-geral do MP de Contas, Lucas Rocha Furtado, criticou as práticas do STM: “Gastos como os ora questionados se insinuam perante os cidadãos como altamente indecorosos e revelam prática incompatível com as novas exigências da sociedade”.
Na ocasião, um ministro comentou que o STM dava um mau exemplo, com os gastos da viagem, quando o Exército autorizara corte de expediente para contribuir com a economia de despesas no governo Bolsonaro.
O objetivo do exame foi verificar se foram observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça; se as despesas atenderam ao interesse público e se respeitaram o princípio da moralidade.
“Apesar do gasto de R$ 98,7 mil, valor significativo no contexto fiscal presente e que poderia ser melhor direcionado, não há elementos para sustentar que os atos do STM desbordaram a observância do princípio da moralidade”, concluiu o TCU.
Segunda leitura
O Blog submeteu o acórdão do TCU a três analistas independentes. Eles entenderam que as explicações foram insuficientes. Não foram eliminadas divergências entre informações que a presidência do STM prestara à Folha, em agosto de 2019, e os esclarecimentos posteriores enviados à corte de contas, em novembro de 2019, pelo contra-almirante Silvio Artur Meira Starling, diretor-geral do tribunal militar.
A palestra do presidente não foi divulgada. Não foi demonstrada a importância do evento para a Justiça Militar. A unidade técnica do TCU chegou a afirmar que “os objetivos do evento parecem se inserir no campo temático de interesse do STM.” [grifo nosso].
“Questões sobre o momento, relevância e necessidade da participação de integrantes da corte no evento são afetas ao juízo discricionário do STM, o que, no presente, não desbordou dos limites da razoabilidade”, entendeu o relator.
O TCU é um órgão auxiliar do Congresso Nacional, responsável pelo controle externo do governo federal. O órgão de controle externo do Poder Judiciário é o Conselho Nacional de Justiça.
Nesta sexta-feira (22), o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, enviou pedido de informações ao presidente do STM. Martins anexou outra reportagem da Folha, de fevereiro, que antecipara o desencontro de explicações.
A iniciativa de Martins ocorreu após consulta do Blog sobre se o CNJ interferira no caso. O editor não opinou sobre o acórdão.
Dúvidas persistentes
O evento foi realizado de 3 a 5 de julho de 2019. O STM informou ao TCU que “todos os ministros chegaram em Atenas no dia 2 de julho”. O STM registra como período da viagem do presidente: ida em 27 de junho e retorno em 17 de julho [ver quadro]. Não explicou o que o presidente fez antes de chegar em Atenas.
O STM informou ao TCU que, no dia 6 de julho, o presidente viajou a Barcelona por conta própria, onde gozou férias de 8 a 16 de julho, em casa de parentes, sem onerar o erário. Informou ao TCU que o presidente fez as seguintes escalas: São Paulo x Londres, Londres x Atenas (no retorno, fez o percurso inverso).
O STM argumentou que “a falta de voos diretos impôs a compra de bilhetes com escala, aumentando o tempo da viagem”.
Férias interrompidas
O STM informara à Folha que o presidente “intercalou o evento com seu período de férias no recesso do Judiciário”. Ao TCU, negou interrupção de férias ou intercalação.
“Quando o evento coincide com o período de férias coletivas dos magistrados, há a suspensão temporária das mesmas para os ministros participantes. Foi o que ocorreu no caso em apreço”, informou a assessoria do presidente, em agosto de 2019.
O STM informou ao TCU que as férias individuais do ministro-presidente ocorreram na sequência do evento. O TCU observou: “Não menciona, contudo, a situação dos ministros Péricles Aurélio Lima e Alvaro Luiz Pinto, ou seja, se tiveram férias coletivas interrompidas para participação no evento, considerando que (…) a possibilidade de usufruir férias individuais é admitida apenas para o presidente e o vice-presidente da Corte, conforme a Lei 8.457/1992.”
Ainda o TCU: “Nem a Lei 8.457/1992 previu a possibilidade de interrupção das férias coletivas dos ministros do STM, nem a Lei Complementar 35/1979 (Loman) disciplinou, de forma expressa, a interrupção de férias já marcadas, o que remete à aplicação, por analogia, das regras previstas no art. 80 da Lei 8.112/1990”.
De acordo com essa lei, “as férias somente poderão ser interrompidas por motivo de calamidade pública, comoção interna, convocação para júri, serviço militar ou eleitoral, ou por necessidade do serviço declarada pela autoridade máxima do órgão ou entidade”.
Na representação, o subprocurador-geral do MP registrou que o CNJ tem restringido a possibilidade de interrupção das férias dos magistrados “a situações excepcionalíssimas”, dentre as quais não se insere o seminário de Atenas. São previstas como exceção atividades das escolas judiciais –o que não é o caso.
Em dezembro, depois da representação ao TCU, o STM revogou uma resolução de 2017. A nova norma dispõe sobre as férias de todos os magistrados, inclusive ministros, mantendo-se a possibilidade de interrupções, a critério do presidente. A nova resolução foi mencionada entre os esclarecimentos prestados ao TCU.
Condições de voo
O diretor-geral do STM informou ao TCU que o tribunal foi convidado a participar do “VII Seminário Internacional de Direito Militar” em 18 de maio de 2019. Deve ter havido equívoco, pois o presidente noticiou o evento na sessão administrativa de 24 de abril de 2019.
Semanas antes da viagem, o presidente assinou o Ato Normativo nº 330, de 3 de abril de 2019. Com base nesse ato, o STM argumentou que “não existiria impedimento para que as datas de embarque e desembarque contidas nos bilhetes aéreos sejam anteriores ou posteriores ao indicado na concessão das diárias, desde que não impliquem prejuízo aos cofres públicos”. O ato também permite que os ministros viagem em assento mais confortável.
Várias práticas questionáveis foram aceitas como decisões discricionárias –ou seja, dentro da liberdade de ação administrativa do gestor. O presidente do STM definiu que a interrupção de férias atenderia às necessidades de serviço do tribunal.
Para o TCU, “a participação das autoridades no evento ocorreu após comunicação/ratificação do afastamento pelo próprio STM, o que pressupõe, associado à ausência de indícios de inobservância do princípio de moralidade, que a ação ocorreu no interesse do serviço público”.
O relator concluiu que “o ordenamento jurídico não veda a interrupção de férias coletivas dos ministros, de modo que inexiste indício de irregularidade nesse sentido a macular a participação das autoridades em referência na aludida programação”.
Os ministros José Mucio Monteiro (presidente), Walton Alencar Rodrigues, Benjamin Zymler, Augusto Nardes, Ana Arraes, Bruno Dantas, Vital do Rego, e os ministros substitutos Marcos Bemquerer Costa, André Luís de Carvalho e Weder de Oliveira acompanharam o relator.