Autoritarismo agravou-se no governo Bolsonaro, mas é anterior à Lava Jato
O criminalista Alberto Zacharias Toron diz que o autoritarismo de Jair Bolsonaro é uma herança da Lava Jato. Em entrevista ao jornalista Walter Nunes, na Folha deste domingo (31), o advogado que travou embates com o ex-ministro Sergio Moro diz que a operação de Curitiba foi o nascedouro do momento político atual.
“Esse autoritarismo é um legado da Lava Jato, porque ela representou uma desconstrução do devido processo legal e forçou a legitimação de atos de repressão a pretexto de se coibir a corrupção”, diz.
Toron critica a pirotecnia da Polícia Federal, mas essa distorção gerou protestos de criminalistas bem antes da Lava Jato.
A corporação esteve na berlinda no mensalão, em 2005, e nas operações Sucuri e Anaconda, ambas deflagradas em 2003.
Ele comentou a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. “Um fato que me assusta é a maneira pela qual foi desencadeada a operação contra o governador Wilson Witzel. (…) O caráter pirotécnico dela é exagerado e me parece que pode configurar algum tipo de abuso e, mais do que isso, a utilização da PF para perseguição de seus inimigos políticos”, completou.
Em maio de 2007, Toron foi um dos 12 criminalistas que assinaram documento com críticas à ação da Polícia Federal na época do mensalão. Ele condenou “a decretação de prisões temporárias a granel, sem qualquer parcimônia”. “Pior é ver a polícia dar informações à imprensa, que as divulga em horário nobre, e os advogados não têm acesso aos autos”, disse.
Segundo o advogado Antonio Carlos Mariz de Oliveira, um dos organizadores da manifestação, “com o mensalão, o governo passou a aproveitar-se da situação policialesca como tentativa de encobrir os suspeitos próximos”.
Ou seja, distorções que se repetiriam na Lava Jato.
A Polícia Federal realizou milhares de operações de busca e apreensão em vários Estados e não há registro de violência semelhante à ocorrida recentemente no Rio de Janeiro. Numa operação da qual a PF participou com a Polícia Civil de Witzel, em São Gonçalo (RJ), um dos 72 tiros disparados matou o menino João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos.
Exonerado por Bolsonaro, Maurício Valeixo não foi o primeiro diretor da PF a perder o cargo sob a alegação de perseguição a inimigos políticos. Foi também o caso de Paulo Lacerda, que chefiou a Polícia Federal durante todo o primeiro mandato de Lula, antes de assumir o comando da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).
Lacerda trabalhava no gabinete do senador Romeu Tuma (DEM), que morreu em outubro de 2010. Ele foi escolhido pelo então ministro da Justiça Thomaz Bastos, que definira a reestruturação da PF como prioridade de sua gestão.
Segundo o jornalista Vasconcelo Quadros registrou em agosto de 2018, em reportagem na Agência Pública, Lacerda desvendara esquemas de corrupção, entre os quais figuravam como alvos os principais clientes do escritório do ministro.
Lacerda assumiu a PF anunciando que abriria a “caixa-preta” do órgão.
Newton Ishii, o carcereiro “japonês da Federal”, por exemplo, que ficou famoso na Lava Jato, foi preso na Operação Sucuri e retornou à corporação. Ishii se aposentou e dá palestras motivacionais.
Na gestão de Lacerda, a Operação Anaconda desarticulou quadrilha que negociava sentenças na Justiça Federal em São Paulo e afastou membros da Polícia Federal. Toron foi advogado do ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, considerado o principal mentor do esquema. Antes de vestir a toga, Rocha Mattos foi delegado da PF.
Na Abin, Lacerda apoiou o então delegado federal Protógenes Queiroz nas controvertidas investigações que levaram à prisão do banqueiro Daniel Dantas, na Operação Satiagraha.
Segundo Quadros, “a pá de cal foi a suspeita de que [Lacerda] teria autorizado um grampo nos telefones do ex-senador Demóstenes Torres e do ministro Gilmar Mendes”, então presidente do STF.
“As investigações minuciosas da própria PF comprovariam que o grampo não existiu, mas a saída de Lacerda abriria um vácuo de comando no setor de inteligência e de segurança do governo”, registra o jornalista.
Já Moro elogiou publicamente Lacerda, que estava na plateia em um evento em Curitiba –no período da instabilidade do diretor-geral Maurício Valeixo–, conforme revelou em setembro de 2019 o jornalista Guilherme Amado na revista Época.
“É uma lenda dentro da Polícia Federal. Durante a gestão dele, a Polícia Federal deu um grande salto, de qualidade, de independência, de atuação destacada”, disse Moro.