STJ adia denúncia contra o próximo presidente do tribunal eleitoral de Minas

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) só deverá examinar no segundo semestre a denúncia contra o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, acusado de corrupção passiva. (*)

Com o adiamento, ele tomará posse na presidência do TRE-MG (Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais), no próximo dia 18, sem o risco de assumir o comando do segundo maior colégio eleitoral do país na condição de réu, se a denúncia fosse recebida.

A ação penal foi retirada da pauta da sessão da Corte Especial desta quarta-feira (3) pelo relator, ministro Herman Benjamin. A defesa pediu que o julgamento sobre o recebimento ou rejeição da denúncia fosse realizado em sessão presencial, e não por videoconferência.

A hipótese está prevista na Resolução 9 do STJ, que autorizou a realização de sessões por  videoconferência, em razão da pandemia.

Ainda haverá uma sessão da Corte Especial neste mês. Mas na última sexta-feira (28) o presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, prorrogou até 1º de julho o prazo para a realização de sessões por videoconferência.

O advogado Eugênio Aragão, defensor de Alexandre Victor, impugnou o julgamento por videoconferência, alegando prejuízo à ampla defesa. Considera um “direito inalienável do advogado” a sustentação oral em julgamento presencial, com o comparecimento do representante do Ministério Público e dos membros do colegiado.

Aragão afirmou ao Blog que “o desembargador foi acusado por um fato que não tem nexo com a ação que está nas mãos do ministro Herman Benjamin, por isso ele não é prevento [competente] para julgar o caso”.

Segundo o advogado, “a denúncia configura um abuso, porque contra o desembargador não é apontado nenhum ato que corresponda a uma contrapartida, a uma alegada vantagem que teria recebido”.

Em resposta às acusações, requereu nos autos a rejeição da denúncia por inépcia e ausência de justa causa para seu oferecimento. Pediu, ainda, o reconhecimento da incompetência de Herman Benjamin para atuar na ação penal e a nulidade das interceptações telefônicas.

Aragão alega que a investigação que deu origem à ação tinha outro objetivo: apurar “um suposto esquema de venda de decisões por desembargadores do TJ-MG” interessados no processo de falência de uma empresa.

Os fatos que tratam da mulher e do filho do desembargador teriam surgido “de maneira fortuita” nas interceptações, numa conversa entre um advogado e Alexandre Victor.

Aragão também reclama que Benjamin “não determinou o desmembramento das investigações” e a livre distribuição para ministros do STJ.

Segundo o advogado, a denúncia acusa Alexandre Victor de ter solicitado e recebido vantagem indevida em favor de sua mulher e de seu filho, em troca da candidatura da advogada Alice de Souza Birchal ao cargo de desembargadora pelo Quinto Constitucional, o que seria de interesse do então governador Fernando Pimentel (PT).

A vantagem seria a nomeação da mulher do magistrado para um cargo no gabinete da presidência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, e de seu filho para a vaga antes ocupada por ela. Seriam, segundo Aragão, “indícios totalmente circunstanciais e não portadores de qualquer ilicitude”.

Nepotismo e influências

O desembargador Alexandre Victor de Carvalho é um caso raro de magistrado suspeito da prática de nepotismo envolvendo ascendentes e descendentes. O TJ-MG foi a corte estadual que mais resistiu à ação contra o nepotismo nos primeiros anos do CNJ.

Filho do desembargador aposentado Orlando Adão de Carvalho, ex-presidente do TJ-MG e TRE-MG, Alexandre Victor era procurador de justiça do Ministério Público mineiro. Entrou no TJ-MG pelo Quinto Constitucional.

Foi eleito para o Órgão Especial em sessão aberta pelo pai –que sustenta ter transferido a presidência da sessão para o primeiro-vice-presidente.

Em interceptações telefônicas da Polícia Federal, Alexandre Victor “propõe que o filho e a mulher dele atuem como funcionários públicos fantasmas, sem cumprir as cargas horárias exigidas para os cargos, e sugere até um esquema de ‘rachadinha’ para dividir salário a ser pago pelo erário à sogra”, revela reportagem de Fábio Fabrini, da Folha.

A ação penal adiada tem gerado expectativa por três motivos: a) o investigado esteve no centro de episódios muito suspeitos no tribunal mineiro; b) a denúncia trata de fatos relacionados a figuras que estão em evidência; c) o acusado mantém aliados influentes no Judiciário.

Alexandre Victor participou de inspeções em tribunais quando o atual presidente do STJ, o mineiro João Otávio de Noronha, foi corregedor nacional de Justiça.

Já foi defendido pelo então advogado e hoje ministro do STF Alexandre de Moraes (que foi conselheiro do CNJ em sua primeira composição, ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo e ex-ministro da Justiça).

Seu advogado na ação penal, Eugênio Aragão, também é ex-ministro da Justiça.

A reportagem de Fabrini informa que a transcrição dos áudios consta de investigação iniciada em 2015, “cujo foco são supostos esquemas de corrupção e troca de favores envolvendo magistrados do segundo maior tribunal de Justiça do país”.

Reportagem de autoria do editor deste Blog, publicada na Folha em maio de 2009, revelou que, no final da gestão de Orlando Adão de Carvalho, o TJ-MG lançou a pedra fundamental de uma sede do tribunal que não saiu do chão. A cerimônia contou com a presença do então vice-governador Antônio Anastasia (PSDB).

O tribunal enterrou uma urna com documentos da obra, suspensa depois por suspeita de corrupção. A comissão de licitação (cinco desembargadores) renunciara por causa de supostas ilegalidades no edital.

Antes de se aposentar, Orlando Adão de Carvalho transferiu, de seu gabinete para o do filho desembargador, a advogada Leoni Barbosa Antunes de Morais, que atuou como assessora judiciária, de 2005 a 2008. Há indícios de que Leoni receberia seus proventos sem trabalhar.

Pelo acordo familiar, a jovem deveria receber sem ir ao tribunal. Ela foi acusada de extorquir o ex-presidente Orlando Adão. O filho, suspeito de “rachar” parte do salário dela, foi absolvido. A defesa alegou que houve uma “permuta informal”.

Ao Blog, Leoni afirmou que foi a Brasília conversar pessoalmente com a então corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, para relatar que estava sofrendo ameaças –que depois pararam. “Perdi patrimônio, fui prejudicada”, disse.

Desembargador acusa colegas

Os fatos chegaram ao CNJ por canais oficiais. Uma reclamação disciplinar contra Alexandre Victor foi instaurada no CNJ em abril de 2011 por determinação de Eliana Calmon.

Ela recebera do desembargador Doorgal Andrada, do TJ-MG, peças de um habeas corpus com indícios de delitos imputados a Orlando Adão e a seu filho Alexandre Victor.

Andrada sugeriu que houve “negociata” em aluguel, pelo tribunal, de moderno prédio na avenida Raja Gabaglia, em Belo Horizonte, e que o ex-presidente teria recebido R$ 5 milhões na operação.

Orlando Adão Carvalho negou as acusações de Andrada. “É claro que tudo é mentira, nada de verdade. É apenas a revolta dele contra o presidente”, disse à Folha.

“Nós fizemos a alocação de um prédio para o tribunal. É ilógico que alguém pague R$ 5 milhões a outrem por alugar um imóvel durante cinco anos por R$ 600 mil por mês. Empresa nenhuma jamais faria isso”, disse ele.

Em janeiro de 2014, uma liminar do ministro Ricardo Lewandowski, atuando no exercício da presidência do STF, determinou que o CNJ retirasse de pauta a reclamação disciplinar contra Alexandre Victor.

Lewandowski entendeu que os mesmos fatos já haviam sido julgados pelo TJ-MG em junho de 2012, em processo disciplinar que absolveu Alexandre Victor por unanimidade, e só poderiam ser revistos pelo CNJ até um ano depois do julgamento.

Na ocasião, o advogado Alexandre de Moraes defendeu Alexandre Victor.

“O que o CNJ não pode fazer é disfarçar uma revisão, como se fosse uma nova reclamação pelos mesmos fatos”, Moraes disse à Folha.

Nas informações que prestou ao TJ-MG e ao CNJ, Alexandre Victor sustentou que não foi demonstrada qualquer conduta ilícita, não havendo indícios de falta disciplinar.

Segundo sua defesa, haveria apenas “declarações e imputações absolutamente falsas e inverídicas”. O desembargador considerou os depoimentos da advogada Leoni Barbosa Antunes de Morais “confusos, inconsistentes, inverídicos, contraditórios e levianos”.

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(*) AÇÃO PENAL Nº 957/MG (2014/0240346-5)