‘A Constituição não acolhe golpe militar’, afirma Ives Gandra
A informação a seguir foi publicada no site da Academia Paulista de Direito.
***
O acadêmico titular da Academia Paulista de Direito, professor emérito da Universidade Mackenzie, Ives Gandra da Silva Martins criticou aqueles que desvirtuaram sua interpretação do artigo 142 da Constituição Federal, fazendo uso indevido e abusivo de suas manifestações a respeito do sentido desse dispositivo normativo.
Para o jurista, não há qualquer norma no sistema jurídico-constitucional brasileiro que autorize intervenção militar para subverter a ordem legal. Para ele, as Forças Armadas existem para a garantia da lei e da ordem.
Ives Gandra reclamou do uso político de sua opinião jurídica, interpretada de modo incorreto pela extrema direita, bem como das críticas que recebeu da esquerda, que também não compreendeu a interpretação que vem empreendendo da Constituição de 1988, desde a sua promulgação, em livros, artigos, aulas, entrevistas e manifestações, sempre públicas e abertas ao diálogo.
Ao jornal O Estado de S. Paulo disse que os apoiadores do atual presidente da República e os adversários do governo distorceram seu entendimento: “não há, no artigo [142 da C.F.] qualquer brecha para fechamento de Poderes. Quem fala que permite golpe é ignorante em Direito. Tanto da situação quanto da oposição. As Forças Armadas não têm condição de dar golpe. Se têm, estão violando a Constituição e elas não farão nunca isso.”
É inadmissível que os militares venham a romper a lei e a ordem. O uso das Forças Armadas não pode ser feito de modo unilateral por qualquer um dos Poderes, para intervir nos demais, afirmou ao jornal Folha de S.Paulo, pois “esse Poder seria parte e juiz ao mesmo tempo, o que é inadmissível.”
Ives Gandra conclui: “as Forças Armadas são escravas da Constituição, do Estado de Direito. Quando esse dispositivo foi colocado na Constituição, foi para nunca ser utilizado, porque os poderes são harmônicos e independentes e nunca terão esse problema. Quem fala que permite golpe é ignorante em Direito.”
O acadêmico ainda criticou o presidente da República, por estar em manifestações em que se fala de fechamento de Congresso e do Supremo, “o presidente não pode ter posições que podem dar a impressão de que ele estaria prestigiando quem seria favorável a fechamento do Supremo,” disse ao jornalista Vinicius Valfré. E não deixou de criticar o ministro Celso de Mello, por “antecipar o que esteja pensando, já que ele é relator de processo contra o presidente, e não tinha nada que fazer aquelas considerações.”
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil emitiu parecer contrário à interpretação de que as Forças Armadas poderiam agir de modo autônomo para interferir nos Poderes. Também o atual Procurador-Geral da República expressou contrariedade à interpretação de que a Constituição autorizaria golpe de Estado.
A Academia Paulista de Direito permanece uníssona na defesa da Constituição, e do Estado Democrático de Direito que consagra. Para seu presidente, Alfredo Attié, “no sistema que a Constituição estabelece, inserido na ordem internacional, em que assumem papel de maior relevo os Tratados e documentos relativos aos Direitos Humanos, que consagram múltiplas cláusulas democráticas, as Forças Armadas estão submetidas à chefia e ao controle civil, não tendo capacidade de ação autônoma.“
—
N.R. – O Blog incluiu, nesta quarta-feira (3), opinião de Ives Gandra manifestada em artigo publicado no Consultor Jurídico no último dia 28 de maio, sob o título “Cabe às Forças Armadas moderar os conflitos entre os poderes”.
Para melhor compreensão do que foi exposto pelo professor, transcrevemos abaixo as conclusões publicadas naquele texto, grifando-se o trecho reproduzido neste espaço:
(…)
Pelo artigo 142 da CF/88 caberia ao Congresso recorrer às Forças Armadas para reposição da lei (CF) e da ordem, não dando eficácia àquela norma que caberia apenas e tão somente ao Congresso redigir. Sua atuação seria, pois, pontual. Jamais para romper, mas para repor a lei e a ordem tisnada pela Suprema Corte, nada obstante — tenho dito e repetido — constituída, no Brasil, de brilhantes e ilustrados juristas.
O dispositivo jamais albergaria qualquer possibilidade de intervenção política, golpe de Estado, assunção do Poder pelas Forças Armadas. Como o Título V, no seu cabeçalho, determina, a função das Forças Armadas é de defesa do Estado E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS. Não poderiam nunca, fora a intervenção moderadora pontual, exercer qualquer outra função técnica ou política. Tal intervenção apenas diria qual a interpretação correta da lei aplicada no conflito entre Poderes, EM HAVENDO INVASÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA OU DE ATRIBUIÇÕES.
No que sempre escrevi, nestes 31 anos, ao lidar diariamente com a Constituição — é minha titulação na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie —, é que também se o conflito se colocasse entre o Poder Executivo Federal e qualquer dos dois outros Poderes, não ao Presidente, parte do conflito, mas aos Comandantes das Forças Armadas caberia o exercício do Poder Moderador.
Nada obstante reconhecer a existência de opiniões contrárias, principalmente dos eminentes juristas que compõem o Pretório Excelso, não tenho porque mudar minha inteligência do artigo 142. Como não sou político, mas apenas um velho advogado e professor universitário, que sempre buscou exercer a cidadania, continuarei a interpretar, academicamente, o artigo 142, como agora o fiz, com o respeito que sempre tive às opiniões divergentes, não me importando com as críticas menos elegantes dos que não concordam comigo. John Rawls dizia que as teorias abrangentes são próprias das vocações totalitárias, que não admitem contestação. Só são democráticas as teorias não abrangentes, pois estas admitem contestação e diálogo.
Aos 85 anos, felizmente não perdi o meu amor ao diálogo e à democracia.