Ivan Sartori minimiza críticas ao governo e mantém apoio a Bolsonaro
O desembargador aposentado Ivan Sartori, 63, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (2012-2013), vestiu a camisa do presidente Jair Bolsonaro muito antes das eleições de 2018.
Seu voto pela absolvição de 74 réus do massacre do Carandiru, invocando a tese da legítima defesa, o aproximou em 2016 do capitão e de seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro.
Sartori é o terceiro nome numa lista de possíveis indicados para ocupar a vaga de Celso de Mello, que se aposentará em novembro do Supremo Tribunal Federal. Ou a carta que o Presidente guardaria na manga, segundo apostas isoladas.
“É mera especulação”, diz o pré-candidato a prefeito de Santos (SP).
Nesta entrevista, ele avalia o bolsonarismo no Judiciário e minimiza as críticas ao governo. “O fato de uma ou outra associação [de juízes] lançar nota contra o Presidente não reflete, de jeito nenhum, uma posição majoritária”, diz Sartori.
Em nota, o presidente do TJ-SP, desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, repudiou os ataques de autoridades públicas ao Supremo. Magistrados alertaram para “aventuras antidemocráticas” estimuladas pelo presidente da República. Manifesto de advogados, membros do Ministério Público e profissionais do direito condenou a “ação genocida de Bolsonaro”.
Nas redes sociais, Sartori defende Bolsonaro e diz que a Covid-19 não pode parar o país. “Sempre fui favorável a uma quarentena vertical, com campanhas de convencimento e arregimentação de líderes comunitários”, afirma.
Sua gestão no tribunal paulista foi encerrada, em dezembro de 2013, com elevado índice de aprovação por magistrados e servidores.
Ao assumir, em 2012, mandou investigar irregularidades antecipadas pela Folha. Confirmou a existência de uma folha de pagamentos paralela, que beneficiava um grupo desembargadores.
Sartori abriu o tribunal à fiscalização do Conselho Nacional de Justiça. Foi elogiado por Eliana Calmon: “O tribunal destravou sob sua regência”, disse a ex-corregedora nacional.
Tentou a reeleição, pretensão barrada pelo CNJ. Foi homenageado várias vezes pela Polícia Militar de São Paulo. No final da gestão, criou e distribuiu medalhas.
Mas na eleição do sucessor, José Renato Nalini, perderam os candidatos mais afinados com Sartori, cuja atuação midiática tinha restrições entre desembargadores mais antigos.
Em 2014, Sartori encabeçou a lista de magistrados interessados numa vaga no Superior Tribunal de Justiça. Não foi o escolhido. Dois anos antes, negou ter feito campanha em Brasília para obter apoio político a uma indicação ao Supremo Tribunal Federal.
A entrevista foi realizada por e-mail. Perguntas e respostas foram mantidas integralmente.
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O que o levou a apoiar o presidente Jair Bolsonaro?
Evitar que o PT continuasse no governo, tamanho os desmandos que esse partido praticou.
Quando houve essa aproximação?
A aproximação se deu quando Eduardo [Bolsonaro, deputado federal pelo PSL-SP] pediu que eu estruturasse o PSL em Santos, embora eu me mantivesse no PSD.
Antes, o Presidente, então deputado, e Eduardo haviam gravado um vídeo enaltecendo a Câmara do TJ-SP em que eu oficiava, pela decisão no caso Carandiru. Fiz a estruturação, mas, depois, o Presidente saiu do partido, que tomou outro rumo aqui em Santos.
Entre as pessoas próximas do Presidente, com quem o sr. mais dialoga?
Conheço mais o Eduardo. Falamos pouco, só quando há algo de especial, como foi o caso da estruturação do PSL ou, sem qualquer compromisso, quando houve notícias de que meu nome estaria sendo cotado para ministro da Justiça.
O sr. foi a Brasília quando o então ministro Sergio Moro deixou o cargo?
Prefiro não falar sobre isso. A situação já passou e o novo ministro já está no cargo, tratando-se de pessoa gabaritada.
O sr. chegou a ser sondado para algum cargo em Brasília?
Concretamente não, embora tenha mantido alguma conversa com pessoas do gabinete de transição, no campo das ideias, isso naquela época da posse do novo governo.
Como a magistratura avalia a sua opção de apoiar Bolsonaro?
Eu apoio, na verdade, o presidente da República eleito pelo povo brasileiro. Não se trata, portanto, da pessoa, mas, de quem foi escolhido pelo povo. Penso que a Constituição deve ser respeitada. É o que defendo.
Qual o apoio que o sr. tem entre juízes para uma indicação ao STF? Há alguma resistência?
Quanto a essa questão de que eu estaria cotado para o STF, nada posso dizer, porque nada me foi passado ou comunicado a respeito. É mera especulação. Não fiz uma sondagem a respeito. Mas, pelas manifestações que recebo, há sim uma aprovação.
Qual o peso do bolsonarismo no Judiciário?
Não sei dizer. Mas, sei que boa parte da magistratura o apoia, sem que isso, porém, tenha qualquer reflexo na atividade jurisdicional. O fato de uma ou outra associação lançar nota contra o Presidente não reflete, de jeito nenhum, uma posição majoritária.
No Supremo, pelo acontecido, ele encontra algum antagonismo, considerados o inquérito seletivo das fake news e aquele sobre alegada interferência na Polícia Federal, dada a postura dos ministros relatores.
O sr. acha correto o tratamento que o governo federal dá à pandemia?
O governo, nessa pandemia, é apenas um provedor, já que o STF, afastando o sistema federativo, passou aos Estados e municípios a responsabilidade a respeito. Portanto, nada se pode falar sobre ação governamental federal.
Eu, particularmente, sempre fui favorável a uma quarentena vertical, com campanhas de convencimento e arregimentação de líderes comunitários. Jamais, a horizontal e pelo meio da força, como vem ocorrendo, com prejuízo das garantias constitucionais.
A economia do país, ademais, não suporta tamanha paralisação. Cumpram-se os protocolos da pandemia, mas, sem estagnação.
O sr. acredita numa democracia militar?
A situação é hipotética. Eu prestigio a democracia, o voto popular. Nem poderia ser diferente. Apenas com a participação do povo é que se pode atender aos interesse da população e se chegar ao bem comum.
Como vê a relação da Polícia Militar com o Poder Judiciário nos Estados?
Vejo que existe um bom relacionamento, como deve acontecer nas relações entre quaisquer instituições públicas. É preciso mesmo que haja um entrosamento, na medida em que a atividade jurisdicional, para ter efeito concreto, depende, não raro, das forças de segurança.
Como avalia a independência das PMs em relação aos governadores, e os casos de vinculação direta com o bolsonarismo?
Os governadores são os chefes superiores das PMs. Então, a independência é restrita, mesmo porque os comandantes gerais são nomeados pelos governadores e o cargo é de confiança, sucedendo possível alteração, a critério do governador.
Aliás, essa situação de dependência fica mais clara aqui em São Paulo, quando vem correndo a notícia de que [o governador João] Doria está perseguindo policiais que manifestam ideologia ou posição política diversa da dele. Tenho recebido inúmeras reclamações a respeito.
A absolvição dos réus do massacre do Carandiru aumentou seu cacife junto a militares?
Como magistrado, me limitei a um julgamento técnico. Meu voto tem 100 laudas e elementos probatórios suficientes. O juiz decide não para agradar ou ser simpático, mas, para cumprir um dever seu de forma técnica e isenta. É possível, no entanto, que militares tenham aprovado a decisão.
O sr. endossa os elogios a torturadores?
Evidente que não. Eu sou um homem liberal, respeitador dos direitos humanos e dos princípios democráticos. Basta ver minhas decisões nos 38 anos em que fui magistrado. Também, à frente do Tribunal de Justiça de SP, mais voltei os olhos para os funcionários.
Tenho preocupação acentuada com os hipossuficientes, a miséria e as agruras por que passa a maioria dos brasileiros.
Apenas, não posso concordar com a crítica cega aos órgãos de segurança, ainda que abusos possam ocorrer e devem ser apurados.
O caso Carandiru foi deturpado pela imprensa, um filme fantasioso e militantes interessados em causas que não a paz social. Houve falhas ali? Sim. Mas, havia uma rebelião de grandes proporções, num dos maiores presídios da América Latina, que poderia chegar a um dano social impensável, diante do número de presos que havia ali.
A população corria sérios riscos. Quem se entregou nada sofreu. No embate, porém, policiais precisaram se defender, diante da estratégia de ataque do presos. Também obedeciam a ordens.
O sr. deixou o TJ-SP com grande popularidade entre os servidores. Continua recebendo esse apoio?
Sim. Os servidores, em regra, reconhecem que a gestão, em muito, foi voltada para a classe, o que, por sinal, levou a um aumento de cerca de 20% na produção.
Há críticas sobre a forma como o sr. se manifesta em relação às posições dos juízes. Transmitiria a ideia de que, aposentado, ainda tem alguma ascendência sobre magistrados.
Eu apenas manifesto meu posicionamento. Nenhuma é minha ascendência ou pretensa ascendência sobre juízes. Nem a tinha quando presidente do Tribunal, pois a autonomia do magistrado na função jurisdicional é inerente a esse mister. Somente acho que o Judiciário vem invadindo, em muito, as atribuições constitucionais do Executivo e, na maioria das vezes, por provocação do Ministério Público.
Hoje, prefeitos, governadores e o próprio Presidente vêm encontrando dificuldades acentuadas no desempenho do cargo, tantas as interferências judiciais. Há muito, os prefeitos se queixam disso. Não conseguem governar, administrar.
O Ministério Público, com o beneplácito do Judiciário, acaba substituindo indevidamente o administrador em situações que não caberia.
Sua gestão no TJ-SP foi marcada por transparência e diálogo. Como avalia a atual gestão do TJ-SP? O que teria feito diferente?
A gestão atual do TJ-SP está no início e tenho prognóstico de que será excelente, pelas virtudes, cultura e discernimento do presidente Geraldo [Francisco Pinheiro Franco], meu colega de concurso, homem experiente e preparado para o cargo. O Conselho Superior conta com integrantes do mesmo nível.
Apenas auguro que haja uma orientação, sem vinculação, lógico, no sentido de que o Judiciário, principalmente nas comarcas, interfira menos no Executivo. Evidente que atos criminosos, de improbidade não podem ser tolerados. Mas, não se pode fazer as vezes do Executivo, como vem ocorrendo.
Qual a importância da disputa pela prefeitura de Santos?
É a cidade em que vivo há quase trinta anos e amo! A princípio, não imaginava e nem queria ser pré-candidato à prefeitura. Foi difícil eu me acostumar com essa ideia. Pretendia advogar e me dedicar ao lazer com a família. Mas, muitas pessoas e partidos vieram até mim, diante da gestão positiva que implementei no TJ-SP. Acho que é nossa obrigação, quando possível, participar da vida pública, fazer algo de bom, especial para a população.
Quais são os seus projetos de curto e longo prazos?
Agora, é levar avante essa pré-candidatura. Depois, só Deus sabe.
Gostaria de fazer algum comentário além das questões apresentadas?
Almejo que haja paz e harmonia entre os Poderes, governos federal e estaduais, o que se desenhava a partir de reunião recente e exitosa, mas, acabou prejudicada por conta, muito, da publicização do tal vídeo da reunião ministerial.
O Brasil precisa seguir, principalmente porque a maioria da população é miserável e carente de políticas públicas. Preocupa-me de onde virão os recursos no pós-pandemia, diante das inúmeras empresas falidas, extintas e do desemprego em massa advindos da paralisação.