Processo que pode cassar mandato de Bolsonaro tem relator independente

Relator no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) do processo que pode levar à cassação da chapa que elegeu, em 2018, Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, o ministro Og Fernandes, corregedor-geral da Justiça Eleitoral, é um magistrado considerado independente e avesso ao corporativismo.

Uma característica de Fernandes: quanto mais radicalizado e politizado o tema, mais tecnicamente ele procura decidir. Não há registros de ter sido alvo de pressões.

Juiz de carreira, está acostumado a agir sem politizar as decisões.

As recentes manifestações do Presidente e de auxiliares contra o Judiciário foram interpretadas como tentativa de intimidação dirigidas ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior Eleitoral.

Exemplos de decisões do magistrado –listados a seguir— reforçam o perfil de quem rejeita o corporativismo no Judiciário.

Com 68 anos de idade, não se pode dizer que o corregedor-geral eleitoral tenha interesse em agradar o Executivo com vistas a obter uma cadeira no STF, pois já ultrapassou a idade limite para indicação (65 anos).

A ação que o TSE analisa foi aberta após a Folha revelar, durante o segundo turno das eleições, que correligionários de Bolsonaro dispararam, em massa, centenas de milhões de mensagens, desequilibrando o processo eleitoral.

Em dezembro, Fernandes admitiu ao UOL que esse “é um caso difícil”. Anunciou que ouviria especialistas em tecnologia da informação para conduzir a ação judicial.

Nesta sexta-feira, o relator deferiu pedido para que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, informe se as provas periciais produzidas no inquérito das fake news, que corre no Supremo, têm relação com as ações que pedem a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.

Na decisão, Fernandes registrou que “é inegável que as diligências encetadas no bojo do Inquérito nº 4.781/DF podem ter relação de identidade” com o objeto da ação que apura, no TSE, “a ocorrência de atos de abuso de poder econômico e uso indevido de veículos e de meios de comunicação por suposta compra, por empresários apoiadores dos então candidatos”, de “disparos em massa de mensagens falsas contra a coligação requerente, pelo aplicativo WhattsApp, durante a campanha eleitoral de 2018”.

Fernandes registrou que o compartilhamento de informações é amplamente admitido na jurisprudência do STF, cabendo à autoridade solicitante a responsabilidade pela manutenção da cláusula de sigilo.

Em post publicado neste Blog, o especialista em direito eleitoral José Jairo Gomes, procurador regional eleitoral no Distrito Federal, admitiu que as ações no TSE podem motivar a cassação dos mandatos de Bolsonaro e Mourão:

“A esse respeito, vale frisar o pacífico entendimento jurisprudencial que autoriza o uso em um processo de provas emprestadas de outro, ou seja, produzidas em outro processo. A relevância desse aspecto se dá em virtude da possibilidade de se transladar para os processos relativos às aludidas ações eleitorais elementos de prova produzidos no Inquérito Judicial nº 4781/DF, instaurado no Supremo Tribunal Federal e sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, e também na CPMI das Fake News, instituída no Congresso Nacional para investigar “ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições em 2018”.

A seguir, alguns exemplos de decisões relevantes tomadas por Og Fernandes.

Castelo de Areia

Em 2011, foi voto vencido ao defender a validade das provas da Operação Castelo de Areia, suspensa em 2010 pelo ministro Asfor Rocha, ex-presidente do STJ.

“Não tenho dúvidas da higidez das investigações. A autoridade policial efetivamente efetuou diligências preliminares como preceituam este tribunal e o Supremo Tribunal Federal”, afirmou.

Segundo Fernandes, além das diligências, a delação premiada feita meses antes da denúncia anônima, em outro processo, também embasou o pedido.

O juiz federal Fausto Martin De Sanctis, que julgou a Castelo de Areia em 2009, confirmou que essa operação interrompida era uma prévia da Lava Jato.

A ex-corregedora nacional de Justiça Eliana Calmon incluiu a Castelo de Areia entre as operações desmontadas por filigranas e teorias benevolentes, como a do fruto da árvore envenenada.

“No combate à corrupção, o Supremo sempre foi extremamente leniente com os crimes de colarinho branco, por uma tradição de defesa às classes dominantes política e econômica, por uma tradição em dar ênfase ao direito individual; por um rigor formal demasiado às regras processuais”, disse Eliana.

Operação Faroeste

Og Fernandes é o relator de ação penal contra quatro desembargadores e três juízes do Tribunal de Justiça da Bahia –inclusive uma ex-presidente da corte– investigados na Operação Faroeste.

Os sete magistrados –e mais oito pessoas– foram acusados de participar de esquema de compra e venda de sentenças em disputa de mais de 800 mil hectares de terras na região oeste da Bahia, quando foram movimentadas cifras bilionárias.

São imputados aos denunciados os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Filhotismo no STJ

Em abril de 2016, reportagem de autoria do editor deste Blog publicada na Folha, revelou que dos 33 ministros do STJ, dez tinham filhos ou mulheres advogados que defendem interesses de clientes com processos em tramitação na Corte.

Estavam registrados como advogados no STJ parentes dos ministros Francisco Falcão (então presidente), Laurita Vaz (então vice-presidente), Felix Fischer (presidente anterior), João Otávio de Noronha (atual presidente do STJ), Humberto Martins (atual corregedor nacional de Justiça), Benedito Gonçalves, Paulo de Tarso Sanseverino, Sebastião Reis, Marco Buzzi e Marco Bellizze.

A então corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, afirmou, na ocasião, que “essa é uma das práticas mais nocivas do Poder Judiciário”.

Segundo Andrighi, a proximidade entre as partes e os julgadores pode comprometer o equilíbrio de forças nos processos.

A ministra do STJ Regina Helena Costa também se manifestou. Ela entende que a atuação de filhos e cônjuges deve ser evitada, pois “cria situações embaraçosas e às vezes até constrangedoras”.

Segundo ela, além de ensejar discussões éticas, a situação “provoca ofensa à isonomia a ser observada em relação aos advogados, pois ‘advogados parentes’ de ministros acabam por ter acesso mais fácil aos julgadores”.

Na época, Og Fernandes –que não tem parentes advogando no STJ– era corregedor da Justiça Federal.

“Tudo o que a sociedade reclama é que a condição de parente de julgador não implique privilégio de tratamento no tribunal em relação a outros advogados”, afirma Fernandes.

O ministro Og Fernandes é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco. Antes de ingressar na magistratura foi jornalista do Diário de Pernambuco (1973/1981) e assessor jurídico do Sistema Penitenciário de Pernambuco.