Juiz relata sua rotina na quarentena

Sob o título “A criatividade, dentro da legalidade: a rotina de um juiz na quarentena”, o artigo a seguir é de autoria do juiz do Trabalho Frederico Monacci Cerutti, presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região – Amatra-2. (*)

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Acordo e tomo meu café da manhã. Troco o pijama, porque aprendi que trabalho em casa e pijamas não combinam. Leio as principais notícias, assisto um ou outro jornal matinal, mas também aprendi a cuidar do excesso de informações – alguns autores já alertaram para a ‘infoxicação’.

Meu primeiro compromisso é uma reunião de manhã. Todos presentes, virtualmente é claro, e iniciamos a pauta.

No começo, a reunião flui bem, do meio para o final a conexão começa a vacilar. Minha esposa também está trabalhando em ‘home office’ e a rede não aguenta o tráfego de dados.

No meio da reunião, recebo ligação urgente, peço licença, me certifico que câmera e microfone estão desligados e atendo – hoje mais grave que ser mal-educado é virar ‘meme’.

Termino a conversa com um colega e tento retornar para a reunião. A conexão não permite e terminamos as tratativas por aplicativo de mensagens.

Muitos colegas juízes enfrentam o mesmo problema no dia-a-dia. No curso de uma audiência telepresencial, o microfone falha, a conexão cai, um advogado fica sem áudio.

Já recebi relatos de colegas que conseguiram conduzir as tratativas de acordo por meio do ‘chat’ da plataforma de reunião e até mesmo escrevendo bilhetes e exibindo na tela. A criatividade, dentro da legalidade, nunca nos deixa na mão.

Supreendentemente, temos tido algum sucesso nas conciliações e renegociações de acordos prejudicados pela pandemia. Quando a audiência é de instrução (com tomada de depoimentos e oitiva de testemunhas), o ato pode se tornar impossível de realizar e, em casos assim, é adiada.

Isso sem contar nas inúmeras audiências de conciliação, iniciais e de instrução que deixamos de fazer por impossibilidade técnica – para quem não conhece, a Justiça do Trabalho tem em seu âmago a audiência, a qual é importante instrumento de pacificação de conflitos.

A falta de condições, como um aparelho de celular com internet, impede a marcação de audiência telepresencial, sem prejuízo do impulso por outras formas.

Enfim, aprendemos com toda sorte de eventos.

Juízes, servidores, advogados, partes, testemunhas e auxiliares da justiça, em tempos de isolamento social, tentam fazer de sua casa o lugar de seu ofício.

Escolas fechadas, crianças em casa – as quais ‘sem querer querendo’ vez ou outra participam das reuniões e audiências –, divisão de tarefas do lar, interfone tocando, inúmeros óbices e circunstâncias que impõem a compreensão e o espírito de cooperação.

O Poder Judiciário não parou e nem vai parar.

Procuramos todos os dias meios de garantir o acesso à justiça e entregar o serviço com qualidade e eficiência. Terminada a parte da manhã, almoço e tomo um café como preparação para a tarde.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em segundo grau, tem realizado sessões administrativas e de julgamento também por vídeo conferência. Acompanho a sessão do Pleno do TRT. Celular no mudo, mas vibrando a cada minuto.

Em uma pausa, consigo checar algumas das inúmeras mensagens. Recebo a notícia de que foi publicada uma Lei nova com matéria trabalhista. Mais um item na lista de tarefas: atualização e estudo do tema para discussão e bem julgar os processos.

Tinha me programado para assistir uma ‘live’ interessante no final da tarde – curiosamente também sobre direito do trabalho. O tempo voou e não consegui acompanhar.

Entre uma ligação e outra, uma audiência e outra, tratei assuntos jurisdicionais, administrativos e já é noite. Hoje não deu tempo nem para limpar a casa.

Esse é o novo normal? Espero, verdadeiramente, que não. Tenho esperança que tudo isso seja passageiro e que nos ensine valorosas lições, principalmente de solidariedade.

Penso que as soluções engenhosas para a manutenção da atividade judicial devem ser mantidas e aprimoradas para que a justiça seja ainda mais eficiente.

De qualquer forma, a saudade de fazer audiências presenciais e retomar a rotina é grande. Aliás, a reabertura dos fóruns é tema que é discutido diariamente com a cúpula do TRT de forma a assegurar o retorno o mais breve possível, de forma segura e consciente. Janto e vou dormir.

Sonhei com a lista de tarefas do dia seguinte e com um caso que não me sai da cabeça…

(*) Frederico Monacci Cerutti é juiz do Trabalho Substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2).