As chances de Noronha e Aras chegarem ao Supremo Tribunal Federal
O procurador-geral da República, Augusto Aras, e o presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, são dois dos três nomes que Bolsonaro “namora” para indicar ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A ambos, o capitão já afirmou em público que foi caso de “amor à primeira vista”.
Aras e Noronha têm algumas características e comportamentos comuns. Ambos flertam abertamente com o presidente. Não são “terrivelmente evangélicos”. Revelam subserviência ao Executivo.
A médio prazo, haverá apenas duas vagas disponíveis no STF, com as aposentadorias de Celso de Mello, em novembro deste ano, e de Marco Aurélio, em julho de 2021.
Bolsonaro disse numa cerimônia recente que, “se aparecer uma terceira vaga, o Augusto Aras entra fortemente”.
Pode ser mais conveniente para Bolsonaro manter o fiel escudeiro onde está, diante do risco de maiores pressões da sociedade com o agravamento da pandemia, as dificuldades na economia e, principalmente, pedidos de investigação contra o Presidente.
Há a impressão de que na gestão do atual PGR, como diria Rodrigo Janot, enquanto houver bambu vai ter flechas, não para os corruptos mas para os procuradores que resistem ao poder concentrado do chefe.
O afastamento de procuradores da República que cuidavam da Lava Jato na PGR, em protesto à intervenção da subprocuradora-geral Lindora Araújo –acusada de tentar obter informações sobre investigações das forças-tarefas– pode ter desdobramentos no retorno dos trabalhos do MPF depois das férias forenses.
Aras perdeu a maioria de votos e o poder do voto de desempate nas decisões mais sensíveis do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF).
Esse cenário tende a se agravar depois que o presidente do STF, Dias Toffoli, determinou a entrega de todos os documentos da Lava Jato a Aras.
A decisão de Toffoli pressupõe uma hierarquia no MPF, no que diz respeito ao exercício da atividade-fim (persecução penal em geral, atuação na tutela do meio ambiente, direitos indígenas, da probidade administrativa etc.).
É perigoso esse modelo de um MPF hierarquizado em função do PGR, indicado livremente pelo presidente da República, e com controle de todas as investigações da Lava Jato.
Segundo procuradores que se opõem a Aras, isso abre a possibilidade de um Ministério Público agindo monoliticamente, com riscos de manipulação política e uso indevido de um grande acervo de dados e informações.
Noronha, por sua vez, também enfrenta resistências internas. Assim como Aras não se submeteu à escolha da categoria para ocupar o cargo de PGR, Noronha dificilmente seria o mais votado numa lista tríplice no STJ, se isso fosse condição para chegar ao STF.
Os ministros do STJ sentiam, por exemplo, que estavam bem representados quando Teori Zavascki foi o indicado para o STF, embora na época houvesse outros pretendentes. Não é esse o cenário atual no chamado Tribunal da Cidadania.
Noronha mantêm velhas divergências com alguns colegas. Reage quando provocado.
Chamou o então presidente do STJ Francisco Falcão de “tremendo mau-caráter”, numa sessão em que se discutia gastos do tribunal. Falcão revidou: “Mau-caráter é Vossa Excelência. Me respeite”.
Quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o STF, o STJ e o Parlamento estavam “totalmente acovardados”, foi Noronha quem rebateu a provocação.
“Pena que a liderança do Judiciário brasileiro tenha se omitido ou se está omitindo na defesa da justiça de primeiro grau. É uma crise de liderança que permite este tipo de ataque”, afirmou. “Não vamos nos intimidar, não vamos baixar a cabeça”.
“Esta casa não é uma casa de covardes. É uma casa de juízes íntegros, que não recebe doação de empreiteiras”, disse o ministro.
Noronha também saiu em defesa do então juiz Sergio Moro, hoje hostilizado pelos bolsonaristas. Saudou Moro “pela coragem e honradez”. “Os juízes federais têm demonstrado a mesma bravura”, disse.
Ao conceder prisão domiciliar a Fabrício Queiroz –ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro–e à mulher de Queiroz, foragida da Justiça, Noronha tomou uma decisão inusitada e atropelou colegas da corte que também aspiram ocupar uma vaga no Supremo.
Como este Blog registrou, eles veem Noronha como um concorrente que está a cada dia amealhando prestigio com Bolsonaro.
Até novembro, Bolsonaro pode reavaliar a relação custo-benefício, se perceber que a escolha de Noronha alimentará mágoas de outros ministros do STJ. Ou se o favorecimento à mulher de Queiroz gerar uma reação forte da sociedade (um senador entrou com representação no CNJ contra Noronha).
O plantão judicial vai até o dia 31 de julho, e Noronha estará sozinho pois, assim como Toffoli, não quis dividir o exercício da presidência no recesso.
Noronha demonstra ter pressa. É curto o período em que pode ser útil ao presidente.
De volta à planície, a partir de setembro, ele vai integrar uma turma de direito penal –ou seja, poderá julgar casos de interesse dos Bolsonaros. Mas, se não for escolhido para a primeira vaga no STF, em dezembro deverá integrar uma turma de direito público, com a aposentadoria do ministro Napoleão Maia.
Segundo um ministro do STJ, há outros nomes, fora do tribunal, que parecem mais fortes e com antiga lealdade ao presidente sem a exposição fisiológica que Noronha revelou nos últimos episódios.
O benefício ao amigo da família do presidente pode ter reforçado o namoro de Noronha com Bolsonaro. Aras tem sido identificado com o estilo “engavetador da República”.
Um último fator –desfavorável a ambos– é a idade para a aposentadoria. Em geral, presidentes da República preferem nomes com perspectiva de ficarem por longo período no STF, maximizando assim a influência de quem os indicou.
Ainda há muito tempo para novas juras de amor. Mas o imprevisível presidente é capaz de romper noivado na porta da igreja. Sergio Moro ajudou-o a se eleger presidente, emprestando-lhe a imagem de anticorrupção, e foi defenestrado do governo.
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Obs. Com acréscimo de informações em 15/7 às 7h20.