Filhos de Noronha defendem cartórios e intensificam advocacia penal no STJ

Reportagem de Marcelo Rocha e Matheus Teixeira, na Folha, revela que os advogados Otávio Henrique Menezes de Noronha, 36, e Anna Carolina Menezes de Noronha, 34, filhos do ministro João Otávio de Noronha, intensificaram a atuação em processos criminais no STJ (Superior Tribunal de Justiça) depois que o pai assumiu a presidência da corte.

Antes disso, Anna Carolina e Otávio Henrique tinham como foco temas ligados às áreas civil e pública do direito.

Quando Noronha foi corregedor nacional (2016-2018), Anna Carolina e Otávio Henrique representaram interesses de cartórios no STJ.

Desde agosto de 2018, mês da posse de Noronha como presidente, 65% das ações protocoladas na corte que têm como advogados Anna Carolina e Otávio Henrique tratam de matéria penal. Antes, representavam apenas 10% da demanda da dupla.

Anna Carolina assinou o habeas corpus que garantiu a soltura de Coriolano Coutinho, irmão do ex-governador da Paraíba Ricardo Coutinho (PSB), preso pela Polícia Federal.

Segundo a reportagem, os dois irmãos conseguiram libertar presos envolvidos em operações rumorosas. Um dos pedidos dizia respeito a investigados por fraudes na compra de respiradores pelo Governo do Rio de Janeiro para combater a pandemia do coronavírus.

Nada proíbe que filhos de ministros do STJ advoguem em causas que tramitam no mesmo tribunal —há um debate antigo na classe jurídica sobre o tema, registram os jornalistas Marcelo Rocha e Matheus Teixeira. Nesses casos, os magistrados, e com Noronha não é diferente, ficam impedidos de julgá-las, observam.

Além do direito criminal, Otávio Noronha atua na área do direito desportivo. Nesta semana, ele foi eleito e tomou posse na presidência do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).

Otávio Henrique entrou no STJD como auditor em 2012. Integrou a Quinta Comissão Disciplinar e, em 2014, foi eleito para a Terceira Comissão, na gestão do advogado Caio César Vieira Rocha. Caio César é filho do advogado Cesar Asfor Rocha, ex-presidente do STJ.

Cartórios

As serventias de tabelionatos e registros civis estão ligadas diretamente ao corregedor, o que impediria os filhos de Noronha de advogarem no STJ como representantes de cartórios.

É atribuição do corregedor nacional receber reclamações e denúncias sobre serviços notariais e de registro. A atuação dos filhos de Noronha na defesa dos interesses das associações dos extrajudiciais é vista com reserva por ministros do STJ.

O escritório Otávio Noronha Sociedade de Advogados foi contratado pela Associação dos Notários e Registradores do Estado de Minas Gerais (Anoreg-MG) para patrocinar um recurso no STJ sobre a cobrança de taxas para registro da Cédula de Crédito Rural.

O recurso foi julgado no STJ em junho de 2016. Noronha não participou do julgamento. Anna Carolina fez sustentação oral.

Em 2018, o CNJ rejeitou –por 8 a 4– o voto do corregedor, que pretendia exigir a identificação do cidadão que requeresse informações sobre quanto faturam os 11.954 cartórios do país.

O conselheiro Márcio Schiefler abriu a divergência. Lembrou em seu voto a jurisprudência do CNJ e a prática de se divulgar permanentemente os salários de magistrados e servidores.

“Se é assim para magistrados, que são titulares do Poder Judiciário e atuam no exercício da mais típica atividade estatal, não há como estabelecer reserva ou garantia diferenciada a cartorários extrajudiciais, ainda que reconheça que os valores a serem divulgados sejam muito superiores aos dos magistrados”, afirmou Schiefler.

Estava em julgamento um recurso administrativo da Associação dos Notários e Registradores do Estado de Santa Catarina (Anoreg/SC).

Em 2017, o faturamento bruto dos cartórios chegou a R$ 15,7 bilhões, com a prestação de serviços notariais, como registro de nascimento, óbito, certidões de dívida ativa, entre outros.

Em 2018, Noronha assinou ato que permitiria a obtenção de passaporte e carteira de identidade em cartórios, dependendo de convênios com a Polícia Federal e secretarias de Segurança. Liminar do ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu o provimento de Noronha.

Em sua posse, em 2016, Noronha disse que mantém, em relação aos cartórios, a mesma filosofia que adota como corregedor dos magistrados: “O papel primordial é proteger, blindar o juiz das influências externas, para que ele possa exercer sua atividade de forma livre e responsável”.

Em evento de corregedores do serviço extrajudicial, Noronha disse que “a corregedoria não deve ser vista como mero órgão censor, mas como parceira”.

Em abril daquele ano, reportagem do editor deste Blog, publicada na Folha, revelou que Otávio Henrique e Anna Carolina atuavam em 115 processos no STJ. Noronha confirmou que havia participado de julgamento de dois recursos cujos interessados foram defendidos, cada um, por seus filhos, junto com outros advogados.

Noronha afirmou na época que caberia à secretaria do órgão, “que por equívoco não o fez”, informá-lo do impedimento.

Disse também que “não há conflito de interesses ou qualquer irregularidade” na contratação de seus filhos pela Anoreg-MG.

Noronha disse ainda que seus filhos “nunca atuaram perante o CNJ” e que o caso foi julgado no STJ em 16 de junho de 2016, antes de tomar posse como corregedor nacional.

A Anoreg-MG informou que a contratação do escritório de Otávio Henrique “se deveu exclusivamente à sua competência profissional e à relação de confiança”.

A Folha telefonou, na ocasião, para o escritório de Otávio Henrique e Anna Carolina, mas não conseguiu ouvir os advogados.