TJ-SP julga recurso de advogado que foi preso e acusado de excesso de chicanas

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo deverá julgar nesta quarta-feira (22) um caso inusitado: o advogado Rodrigo Filgueira Queiroz interpôs recurso contra decisão de arquivamento –pela Corregedoria-Geral– de representação disciplinar contra o juiz de direito Vinicius Castrequini Bufulin, da 2ª Vara Criminal de Fernandópolis.

O advogado alegou que o juiz impediu o amplo exercício de sua defesa, e decretou sua prisão cautelar “pelo simples fato de ter se negado a apresentar alegações finais”.

Queiroz foi preso –solto, depois, por decisão do STJ– acusado de inviabilizar a conclusão de um processo por excesso de chicanas.

O arquivamento da representação do advogado foi proposto ao corregedor-geral, desembargador Ricardo Anafe, pelo juiz Ricardo Dal Pizzol, juiz assessor da Corregedoria.

Em seu parecer, Pizzol diz que “chega a ser surpreendente, para dizer o mínimo, que alguém que tripudiou do Poder Judiciário com tanta desenvoltura, que desrespeitou tão grosseiramente vários dos membros da magistratura venha agora bater às portas desta corregedoria para questionar os atos de um juiz que apenas cumpriu seu dever de aplicar a lei, apesar de todas as pedras postas em seu caminho”.

Segundo Pizzol, o que aconteceu no processo foi “chicana pura”. O intuito do advogado “sempre foi inviabilizar o julgamento”. “Quem pleiteia a tutela do Poder Judiciário, deve vir com as mãos limpas”, sustenta o juiz auxiliar.

Queiroz figurava como réu por caluniar outro magistrado, Maurício Ferreira Fontes, em outro processo.

O advogado foi acusado de apresentar “petições chulas”, criar “incidentes infundados” e ardis para tumultuar o andamento do processo, além de fazer ataques pessoais a magistrados, promotores e até mesmo a outros advogados.

Rodrigo Filgueira Queiroz foi denunciado pela prática, em tese, de seis crimes de calúnia qualificada, em concurso formal impróprio e continuidade delitiva, tendo como vítima o juiz Maurício Ferreira Fontes.

O advogado afirmou, no processo, que o juiz, por meio de suas decisões, teria “defecado na lei”.

Apresentou exceção de suspeição contra o magistrado, o que foi rejeitado pela Câmara Especial do TJ-SP.

Em agosto de 2019, apresentou dez petições, segundo o juiz assessor da corregedoria, “com o nítido intuito de tumultuar o andamento do processo”.

Alegou que o juiz Vinicius Castrequini Bufulin estaria “alterando o objetivo do pedido cautelar para encobrir as mentiras de seu colega” –o juiz Maurício Ferreira Fontes.

Queiroz pediu a indicação de advogado dativo para sua defesa, pelo convênio OAB/Defensoria Pública, mas continuou a peticionar nos autos –o que é vedado. O juiz assessor da Corregedoria registra que os advogados nomeados passaram a renunciar, por suposta “quebra de confiança”.

Quando um dos advogados dativos apresentou as alegações finais, Queiroz “atravessou petição, requerendo sua destituição e afirmando que pretendia retomar sua defesa, em causa própria”.

A corregedoria entendeu que, diante dos seguidos empecilhos e as promessas de constranger os advogados dativos que viessem a ser nomeados, a decretação da prisão preventiva do advogado “tornou-se solução logicamente admissível conforme o ordenamento vigente”.

Ainda segundo o juiz assessor, como a acusação era da prática de seis crimes de calúnia qualificada, as penas superavam o piso fixado pelo Código de Processo Penal. Ou seja, “embora primário o acusado, era possível, em tese, a prisão preventiva”.

Juiz diz que foi tolerante

Na sentença em que determinou a prisão preventiva, em novembro de 2019, o juiz Bufulin afirmou que “tolerou-se a má conduta processual do réu e, até mesmo, ataques criminosos contra quem atuou no feito; buscou-se soluções para contornar os obstáculos criados ardilosamente para impedirem o andamento do feito; tudo em vão”.

“Juiz de direito não pode ser arrolado como testemunha no processo em que atua. Trata-se de mais uma manobra procrastinatória do réu, que em dificultado de forma ímpar a prestação jurisdicional, como nunca visto por esse juízo”.

Bufulin registrou na sentença que “já julgou diversos membros confessos do PCC e nenhum demonstrou ter tanto desprezo pelo Judiciário, quanto o réu”.

“Poucos foram os casos de réus que intimidaram ou constrangeram testemunhas para influírem na causa: nunca, porém, o Juízo viu um réu constranger advogados que atuam no feito como defensores”.

“Infelizmente, não se vê outra solução para o caso chegar ao seu termo, evitando que o réu constranja novo advogado dativo que será nomeado (algo que prometeu fazer) senão o retirando do convívio social, afastando-o dos meios de comunicação ordinários”.

“Além de permitir a atuação de defensor dativo, sem constrangimentos, a prisão preventiva do réu lhe trará o mínimo de vontade de ser julgado”, decidiu o juiz.

STJ concede liberdade ao advogado

Em dezembro de 2019, o ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu liminar em habeas corpus para tornar sem efeito a prisão de Queiroz.

O ministro assinalou “ter havido, ainda que por motivos evidenciados, restrição à liberdade do paciente sem que a lei autorizasse a medida cautelar extrema”.

Queiroz foi condenado a 3 anos e 1 mês de detenção em regime semiaberto. Segundo Schietti Cruz, “a pena máxima cominada não ultrapassa quatro anos, o réu é primário, o delito não foi cometido em âmbito doméstico e tampouco há dúvida sobre a identidade do agente”.

O ministro registrou que “o comportamento do advogado-réu, em verdade, se mostra aparentemente fora do âmbito normal e esperado de um profissional do Direito, que, a despeito da livre possibilidade de peticionar e insurgir-se contra atos que considere contrários aos interesses de seu constituinte, não pode agir de modo desrespeitoso com as demais partes e com o juiz, e muito menos está  autorizado, sob o pretexto do livre exercício de seu mister, a causar tumulto processual e impedir o exercício da Jurisdição”.

O juiz assessor Ricardo Dal Pizzol entendeu que “a ordem de soltura pelo Superior Tribunal de Justiça, em momento posterior, pouco suporte oferece à tese da arbitrariedade da prisão decretada”.

Como o juiz Bufulin expôs em suas informações, o  remédio  foi  instruído  sem  algumas  das  peças relevantes,  notadamente  da  denúncia  que  efetivamente  vigorava  no feito (posterior ao aditamento ocorrido, que incluiu novas imputações), passando  a  falsa  impressão  de  que  o  paciente  estava  sendo  processado apenas por  um  crime  de  calúnia.

MP pede investigação

No último dia 13, o procurador de Justiça Mário Antonio de Campos Tebet propôs ao TJ-SP, a instauração de procedimento investigatório com base na representação protocolada pelo advogado Rodrigo Filgueira Queiroz, que alegou a possível prática do crime de abuso de autoridade pelo juiz Vinicius Castrequini Bufulin.

O advogado sustentou que o juiz Bufulin fez consignar no mandado de prisão o cumprimento em sala de Estado Maior. Queiroz narra que, “após a sua prisão e sem atribuição para oficiar no caso, o magistrado teria ordenado sua remoção para o sistema prisional comum”. Alegou, ainda, que Bufulin teria agido “motivado por inimizade e ódio pessoais”.

O Blog não conseguiu ouvir o advogado Rodrigo Filgueira Queiroz. Em entrevista concedida ao site Conjur, em dezembro de 2019, o advogado afirmou:

“Eu admito que fui muito duro. Que cheguei ao extremo e usei palavras fortes até como estratégia para chamar a atenção do relator”, disse.

Afirmou que buscou ajuda com os advogados dativos e que não pretendia provocar confusão: “Eu só queria um interlocutor que me auxiliasse”, disse.

Sobre os motivos de não apresentar as alegações finais, disse que queria a correção de um erro material: ““Toda denúncia do MP começa com o escrito ‘consta do incluso inquérito policial’. E no meu caso não tem inquérito policial. Eu sei que o MP não precisa de inquérito para denunciar ninguém, mas o MP não pode mentir e dizer que existe um inquérito onde não tem”.