Saiba como a OAB de Santo André agiu no caso da carteirada do desembargador
“Emitir pareceres individuais, utilizando o nome da Ordem dos Advogados do Brasil, foge à natureza dos compromissos da advocacia com o cidadão”, diz Andréa Tartuce, presidente da subseção da OAB de Santo André (SP).
Em entrevista ao Blog, ela revela como agiu ao ser surpreendida com a divulgação de nota com o logotipo da entidade em apoio ao desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo. No último dia 18, o magistrado se recusou a usar máscara anti-Covid-19 e ofendeu um guarda municipal na praia de Santos.
A nota de solidariedade –veiculada neste espaço– foi assinada no último dia 21 por Alberto Carlos Dias, então presidente da Comissão de Direito dos Refugiados e Migrantes daquela seccional.
A OAB de Santo André é uma das maiores entre as 243 subseções no Estado de São Paulo.
Tartuce critica a decisão de Dias:
“Um dirigente da OAB precisa falar em nome da classe. Temos um juramento em relação à sociedade. A OAB representa a advocacia, mas também representa o cidadão. Nosso compromisso maior é com o cidadão, para garantir o direito de acesso à Justiça, defender os Direitos Humanos, a Constituição Federal e até o Estado Democrático de Direito”.
“É importante que os entendimentos de cunho personalíssimo se atenham à pessoa que se expressa. Isso está longe de ferir o direito de expressão”, acrescenta.
Tartuce tomou conhecimento do fato naquela terça-feira quando advogados a questionaram indignados com a manifestação assinada por Dias.
Entre outras afirmações, o texto de Dias criticava o “sensacionalismo” dos veículos de comunicação; afirmava que Siqueira é “uma pessoa idosa que fora abordada de maneira abrupta” pela Guarda Civil Municipal de Santos.
Dias concluía, afirmando que nenhum magistrado, seja de primeira instância ou dos tribunais superiores, pode ser punido ou ameaçado de punição porque decidiu de acordo com a sua consciência, nos termos da Constituição e das leis”.
Primeiras providências
Como desconhecia o assunto, a presidente da OAB-Santo André procurou o texto no Facebook. No primeiro momento, não conseguiu localizar Dias.
Conversou com a vice-presidente da comissão. Ela confirmou que o grupo não havia sido consultado a respeito da nota de apoio ao desembargador.
Alberto Carlos Dias ligou de volta. “Escutei os motivos dele. Disse-lhe que respeitava a sua opinião, mas que a entidade não podia ser usada para um manifesto sem que a presidente e a comissão fossem consultadas”, afirma Tartuce.
“Pelo regimento, tem que assinar em conjunto. Teria que levar para deliberação da diretoria”, afirma. “Particularmente, eu, Andréa, não a presidente, não concordo com o conteúdo”, ela disse a Dias, na ocasião.
Ele pediu desculpas.
Em regime de plantão por causa da pandemia, ela levou o assunto à diretoria, que deliberou pela revogação do cargo de Dias, tendo sido expedida uma portaria.
Ao contrário do veiculado em alguns sites, diz Tartuce, “ele não foi demitido, não existe demissão, nosso trabalho é totalmente voluntário, ninguém recebe nada”.
Tartuce chamou o ex-presidente da comissão para uma reunião presencial. “Entendi a posição dele. A advocacia e a cidadania nos exigiram que fosse tornada pública a revogação do cargo dele”, afirma a presidente.
Com apoio da seccional paulista da OAB, dos advogados de São Paulo conselheiros federais e de presidentes de outras subseções, a OAB-Santo André divulgou nota assinada por Tartuce, desautorizando a manifestação do presidente da comissão.
Indignação e retratação
Na nota oficial, Tartuce manifestou publicamente “indignação e repúdio no que tange a manifestação inapropriada e não autorizada do então presidente da Comissão de Direitos dos Refugiados e dos Imigrantes da Subseção, Dr. Alberto Carlos Dias”.
No comunicado, ela anunciou a revogação da nomeação do presidente da comissão, por descumprimento ao Regimento Interno.
Tartuce expôs as razões:
- Nenhuma Comissão Setorial possui autorização ou permissão para falar em nome da Entidade, bem como utilizar imagem ou formulário da Subseção;
- O tema enfrentado, não guarda relevância com a referida Comissão.
“Minha manifestação foi no sentido de dar uma resposta à sociedade, com transparência”, diz a presidente.
Tartuce diz não acreditar que Dias tenha agido com dolo, com intenção de prejudicar qualquer pessoa, a entidade ou a advocacia. “Mas a presidente tem que agir institucionalmente”, diz.
“Ele entendeu que não pode atuar na subseção. Ele não faz mais parte do grupo de colaboradores da subseção de Santo André”, afirma.
Dias continuará advogando. Ainda será decidido se ele vai ou não ser penalizado. Se houver um procedimento interno para apurar os fatos, será sigiloso, cujo resultado também não será divulgado.
Alberto Carlos Dias fez uma retratação, em que pede desculpas à entidade.
Eis alguns trechos:
“Venho publicamente através desta, me retratar a respeito da nota de apoio ao Desembargador Eduardo Almeida Prado de Rocha Lima [N.R. correção: Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira], veiculado no dia 20 de julho de 2020 em minha página pessoal do Facebook, pois a opinião lançada é de caráter personalíssimo e não expressa de nenhuma maneira a opinião da OAB/SP, Subseção Santo André.
A OAB/Santo André não participou em nenhum momento da opinião por mim proferida. Trata-se tão-somente da minha percepção.
Sou humano e consciente, o suficiente, para reconhecer onde errei e me excedi, por isso lamento pelo equívoco cometido e destacando na presente nota de retratação, meu sincero e humilde pedido de desculpas à OAB/SP Subseção de Santo André.
Nota da OAB paulista
A seccional paulista da OAB não pretendia se manifestar sobre o episódio na praia de Santos. Diante da repercussão dos fatos, divulgou no dia seguinte (22) um comunicado em que não cita as notas públicas emitidas em Santo André:
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Nota de Esclarecimento
A OAB São Paulo acompanhará vigilante os procedimentos instaurados no âmbito do Poder Judiciário.
A Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo reafirma, neste ato, seu inabalável compromisso com os princípios constitucionais, em especial o da isonomia, insculpido no artigo 5º, caput, primeira parte, da Constituição Federal que consagra que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
Quanto ao episódio envolvendo o Desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, na manhã do último dia 18, multado pela Guarda Civil da cidade de Santos, por deixar de utilizar máscara, nos termos do que dispõe decreto municipal, vem a público manifestar seu irrestrito compromisso na defesa do Estado Democrático de Direito, no qual absolutamente ninguém está acima da lei, competindo a todos os cidadãos a observância das normas vigentes, o respeito às autoridades e instituições regularmente constituídas.
Ao tomar conhecimento do fato, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instauraram procedimentos para a averiguação do caso, os quais merecerão acompanhamento vigilante da Secional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil.
A OAB SP permanecerá firme e determinada no compromisso com os valores republicanos, a defesa da ordem jurídica e o respeito às leis, reiterando sua posição contrária a qualquer ato ilegal ou arbitrário.
OAB SP
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Obs. Com correção às 19h58