Desembargador da carteirada, o ‘cidadão Eduardo’ diz que o guarda civil abusou

O desembargador Eduardo Siqueira, autor da carteirada na praia de Santos, é sempre mencionado como “cidadão Eduardo” nas informações que sua defesa enviou, nesta segunda-feira (27), ao corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins. E os guardas municipais, segundo afirma o magistrado paulista, praticaram, em tese, crime de abuso de autoridade.

Autoritário e reincidente, o magistrado agora se faz de vítima. Diz que houve uma “armação”.

Ele sustenta que os membros da Guarda Civil Municipal de Santos exigiram o cumprimento de obrigação “sem expresso amparo legal”. Ou seja, o uso da máscara anti-Covid-19, solicitado educadamente pelo guarda Cícero Hilário, como mostram os vídeos.

O advogado Marco Antonio Barone Rabello, representante do desembargador, informa que “os guardas municipais da Guarda Civil Municipal de Santos envolvidos nos incidentes filmados com o cidadão Eduardo, e nas abordagens anteriores, a pretexto de exercerem suas funções, abusaram da autoridade que lhes atribui o art. 144, § 8º, da Constituição Federal e a Lei n. 13.022/2014”.

Segundo Barone, “as inúmeras abordagens ilegais e ameaçadoras que recebeu exaltaram os ânimos do cidadão Eduardo”.

Desde a entrada em vigor do “inconstitucional decreto municipal”, “o cidadão Eduardo vem sofrendo abordagens ilegais da Guarda Civil Municipal de Santos, enquanto caminha na praia ou no calçadão, chegando ao ponto de acionar a Polícia Militar”.

“Nas primeiras abordagens, educadamente, o cidadão Eduardo explicou as questões jurídicas”, informa o advogado.

“Porém, de modo agressivo, foi ameaçado de prisão, que só não aconteceu – assim como não ocorreram situações de violência como as que estamos vendo por todo o país, inclusive em Santos – por se identificar como desembargador.”

O advogado não transcreve no documento ao CNJ algumas afirmações do educado cidadão Eduardo.

Por exemplo, quando mostrou sua identidade de desembargador ao guarda municipal:

Você sabe ler? Leia bem com quem o senhor está se metendo“.

Ou quando o guarda civil informou que teria que aplicar a multa:

Você quer que eu jogue na sua cara? Faz aí, que eu amasso [a multa] e jogo na sua cara.

A identificação do cidadão Eduardo como desembargador, segundo o advogado, “era extremamente relevante durante as abordagens – e não ‘carteiradas’, como se quer fazer crer – pois é prerrogativa do magistrado não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal, salvo em flagrante de crime inafiançável”.

“O cidadão Eduardo passou a ser perseguido e ilegalmente filmado pela Guarda Civil Municipal de Santos e, no dia 18 de julho de 2020, acabou sendo vítima de uma verdadeira armação, pois o guarda municipal que permaneceu na viatura sabia das abordagens anteriores, especialmente a última, quando, pela primeira vez, houve uma altercação.”

“Valendo-se de procedimento não previsto, com uma câmera pessoal ligada (não da viatura ou corporação) – provavelmente, na esperança de que, depois de tantas arbitrariedades, houvesse nova altercação com o cidadão Eduardo –o guarda municipal que permaneceu na viatura filmou a abordagem do seu colega Cícero Hilário.”

“O cidadão Eduardo se exaltou desmedidamente, com o guarda municipal Cícero Hilário, mas porque não era a primeira vez que a Guarda Civil Municipal de Santos o abordava e ele já não aguentava mais tamanha ilegalidade”, informa o advogado.

“No calor do momento, [o cidadão Eduardo] entendeu que se não fizesse nada mais contundente, quem sabe não seria a última abordagem. Por isto, imediatamente, contatou o Secretário de Segurança Pública, que é o responsável pela Guarda Civil Municipal de Santos, não se podendo cogitar de abuso de autoridade, pois o cidadão Eduardo não estava no exercício de suas funções de magistrado ou a pretexto de exercê-las e, como se pode ver do vídeo, não pediu qualquer vantagem ou privilégio indevido, ou isenção de obrigação legal.”

“Nada disso, porém, justifica os excessos ocorridos, notadamente [o cidadão Eduardo] referir-se ao guarda municipal Cícero Hilário como ‘analfabeto’ ou perguntar se ele ‘sabe ler'”, concede o advogado. Em seguida, contrapõe: “Do mesmo modo, não se justifica cogitar de desacato a funcionário público no exercício da função ou em razão dela, pois, a pretexto de exercer sua função, o guarda municipal Cícero Hilário abusou da autoridade”.

Conclui o advogado Barone: “o cidadão e magistrado Eduardo se arrependeu, pedindo desculpas em nota pública, sabedor que é seu dever ‘manter conduta irrepreensível na vida pública e particular'”.

A título de defender a tese de que o Conselho Nacional de Justiça deve devolver a apuração ao Tribunal de Justiça de São Paulo, Barone reproduz ponderações do ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal. E para sustentar a tese de que mero decreto editado pelo Executivo municipal não tem força normativa, cita entendimento do ministro Gilmar Mendes.

“Não há lei (em sentido estrito) que responsabilize, com multa, o cidadão que não usa a máscara facial, não bastando para tanto um simples decreto anterior à obrigatoriedade legal”, afirma o advogado.

A defesa do cidadão Eduardo sustenta que “a declaração do estado de calamidade pública no município de Santos não é um ‘alvará’ para que o chefe do Poder Executivo Municipal aja como um ditador por decreto, deixando o Poder Legislativo, a Câmara Municipal de Santos, os vereadores eleitos pelo povo, à margem de sua atuação atribuída constitucionalmente”.