Quarentena ofusca o leilão político de cargos nos tribunais superiores

A discussão sobre uma quarentena de oito anos para ex-magistrados e ex-membros do Ministério Público disputarem eleições ofusca outro debate relevante: o que é mais nocivo para o Judiciário, a atuação dos que deixam os tribunais e promotorias ou a forma de escolha dos membros dos tribunais superiores?

A extensão da quarentena teria dois objetivos: detonar uma eventual candidatura de Sergio Moro à presidência da República e enterrar, ainda mais, a Lava Jato.

Enquanto isso, o capitão presidente faz leilão das duas próximas vagas no Supremo Tribunal Federal, testando aspirantes à suprema toga para saber quem dá mais em termos de proteção à família Bolsonaro.

Os que se afastam para abraçar a carreira político-partidária, convenhamos, disputarão o voto popular. Dois dos envolvidos na polêmica, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, aparentemente não se submeteram a esse teste. A não ser que seja considerado um filtro eficiente da sociedade a sabatina do Senado –espécie de Ponte da Aliança, onde “todo mundo passa”, como diz a cantiga popular. (*)

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), favorável à ampliação da quarentena, diz que “as carreiras não podem ser usadas como trampolim”.

“A estrutura do Estado não pode ser usada como trampolim pessoal”, reafirma.

No dia seguinte à posse como presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Toffoli alterou o regimento interno, retirando a quarentena que impedia os conselheiros de usarem o CNJ como trampolim para conquistar vagas em tribunais.

Toffoli facilitou a vida de seu braço-direito, o desembargador paulista Carlos Von Adamek, atual secretário-geral do CNJ, pois revogou dispositivo (espécie de quarentena) que vedava a permanência de magistrados, por muito tempo, longe dos tribunais de origem.  Adamek acompanha Toffoli desde 2010.

Toffoli encerra a gestão com a imagem de pior presidente da casa. É verdade que as chamadas onze “ilhas” do Supremo não se entendem. O abuso nas decisões monocráticas foi agravado nesta presidência. Toffoli parece não traduzir o consenso da mais alta Corte.

É inconvincente quando eleva a voz, bate na mesa ou lê textos expondo contrariedades pessoais, com seguidos intervalos, falando para um auditório silencioso e constrangido. Não tem o perfil de um líder.

Tendo chegado ao STF, mesmo reprovado em dois concursos para juiz, ele agiu na presidência do Supremo como um imperador iluminado –como este Blog definiu.

Entre outros exemplos de voluntarismo, interrompeu mais de 900 processos em todo o país. Determinou ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) a entrega de dados fiscais de mais de 600 mil pessoas. Depois, recuou.

Travou investigações, suspendeu casos criminais baseados em informações da Receita Federal e do Coaf obtidas sem prévia autorização judicial. Atendeu a pedido do senador Flávio Bolsonaro, paralisando apuração do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre o filho do presidente da República.

Toffoli chamou para si o papel, que não lhe cabe, de “conciliador” entre os Três Poderes. Abriu as portas do Supremo a generais, que instalou no gabinete da presidência da corte, pavimentando o terreno para o retorno dos militares ao poder e facilitando a eleição do presidente Jair Bolsonaro.  Decidiu, por convicção ou conveniência, que não houve golpe militar em 1964.

Augusto Aras, por sua vez, vendeu o discurso da “democracia militar”. Vem militarizando o Ministério Público Federal. Nomeou o procurador de Justiça Militar Jaime de Cassio Miranda para exercer o cargo de secretário-geral do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).

Segundo membros do MPF, como afinou o discurso com Bolsonaro muito antes da escolha de seu nome, pode estar preparando um candidato à sucessão na PGR.

Aras fugiu da lista tríplice da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) e escolheu Eitel Santiago como secretário-geral do MPF, um subprocurador-geral que não foi bem sucedido ao disputar a preferência dos pares nas indicações para a vaga de Rodrigo Janot.

Raquel Dodge, escolhida por Michel Temer, foi a segunda mais votada, tendo recebido 587 votos [Nicolao Dino liderou a eleição, obteve 621 votos]. Santiago ganhou 120 votos.

O secretário-geral de Aras optou, lá atrás, pela política partidária, mas não teve melhor sorte nas urnas. Filiado ao então PFL (Partido da Frente Liberal), foi candidato a deputado federal pela Paraíba, em 1994. Obteve 19.875 votos, ficando na suplência.

Nas últimas eleições internas, Aras sofreu derrotas na escolha de membros do CSMF (Conselho Superior do Ministério Público Federal). Ficou em minoria entre os dez conselheiros (com apenas quatro aliados).

Nesta semana, quatro membros do CSMPF pediram a Aras para avaliar a “conveniência na manutenção” de Santiago na função de secretário-geral. Em entrevista à CNN, esquecendo que o Estado é laico, ele disse que o presidente Jair Bolsonaro chegou ao posto por intervenção divina.

“Os que, por interesses subalternos se aproveitam da crise da pandemia para tentar destruir o Presidente, precisam compreender que foi Deus o responsável pela presença de Bolsonaro no poder”, disse Santiago.

(*) Em relação à sabatina do Senado, houve exceções. Em votações secretas, o plenário do Senado Federal não aprovou os nomes dos procuradores da República Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, Vladimir Aras e Wellington Cabral Saraiva para composição do CNMP e do CNJ.

Atribui-se a rejeição dos três a uma vingança do senador Renan Calheiros, que se dizia perseguido pela tropa da Lava Jato (o que foi negado, em nota, por Rodrigo Janot).

O então juiz Sergio Moro divulgou, neste blog, manifestação de solidariedade a Vladimir Aras (primo de Augusto Aras), a quem conheceu no caso Banestado:

“A rejeição de seu nome pelo Senado, não por questões pessoais, mas em infantil retaliação ao Procurador Geral da República, é lamentável e mais um indicativo da degeneração de parcela da classe política no Brasil.”

Ainda Moro:

“Afinal, o que esperar de um Senado no qual tem destaque um ex-presidente cassado por corrupção e que, como reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, tinha suas despesas pessoais pagas com recursos provenientes de contas de pessoas interpostas?”

Coincidentemente, ou não, o relator de um dos processos contra o procurador da República Deltan Dallagnol no CNMP é o conselheiro Luiz Fernando Bandeira, que foi braço-direito de Calheiros no Senado.