Criticado por magistrados, corregedor susta apuração sobre erro de digitação

Fonte: CNJ/Reprodução
Frederico Vasconcelos

O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, arquivou pedido de providências instaurado contra o juiz Pierre Souto Maior Coutinho de Amorim, de Caruaru (PE), para apurar notícias de que o magistrado teria determinado a devolução de entorpecentes apreendidos a pessoas que tiveram prisões em flagrante relaxadas.

Um manifesto assinado por 470 magistrados criticou “a instauração de procedimento de ofício sem maior cautela na apuração prévia dos fatos reais”. Em nota de apoio ao juiz, professores universitários mencionaram “notícias distorcidas em sites da Internet, na televisão e nas redes sociais”. [leia abaixo]

A corregedoria estadual informou a Martins que o juiz Pierre Amorim já havia sustentado falha de escrita ou de correção automática. O Tribunal de Justiça de Pernambuco também informou ao corregedor nacional que não possui registros que desabonem a conduta do juiz.

Possivelmente, a corregedoria local decidirá também pelo arquivamento do caso.

Em comunicado que distribuiu, no dia 1º de agosto, o juiz prestou os seguintes esclarecimentos à sociedade:

Escrevi o seguinte: ‘Comunique-se à Autoridade Policial para que proceda à imediata devolução dos bens apreendidos ao autuado, mesmo o entorpecente, com remessa a este juízo de cópia do respectivo Termo de Devolução.’ [grifo nosso]

Como se pode notar facilmente, houve erro de digitação ou o corretor modificou a palavra desejada por mim, na parte que excepciona a devolução geral dos bens do preso.

Em vez da palavra “menos o entorpecente”, ficou constando “mesmo o entorpecente”. Se desejasse que houvesse devolução integral dos bens apreendidos, bastaria eu ter dito apenas isso, sem qualquer ênfase ou outra explicação“. [grifos nossos]

Naquele comunicado, o juiz Pierre Amorim afirmou que, em quase 18 anos de magistratura, todos exercidos na área penal, nunca sofreu qualquer tipo de punição administrativa, “sequer tive qualquer procedimento disciplinar aberto contra mim”.

“A situação toda me parece surreal. Estou sofrendo toda essa exposição de maneira bastante injusta e cruel”, disse. “Além do equívoco na digitação da palavra “menos”, nada há de errado em minha conduta. Com serenidade, farei minha defesa perante os órgãos da corregedoria”.

Ainda no depoimento público do juiz:

“Já relaxei dezenas de prisões em flagrante, inclusive por tráfico de drogas, e nunca determinei a devolução de drogas aos presos, por ter, penso eu, algum conhecimento da legislação em vigor.

(…)

Por diligência e boa-fé dos dois escrivães de polícia, que perceberam o erro de digitação, não houve a devolução das drogas apreendidas e as decisões de correção foram cumpridas, não havendo maiores problemas para o inquérito ou para a sociedade.

Tais erros poderiam ter sido corrigidos já no mesmo dia em que proferi as decisões, caso a pessoa que as divulgou na imprensa tivesse entrado em contato comigo ou com a servidora do polo de audiências de custódia”.

Solidariedade irrestrita

Os magistrados que assinaram o manifesto em apoio ao juiz de Caruaru se dizem convencidos de que o erro de digitação “poderia ter sido cometido por cada um de nós”, e destacam que “o equívoco foi imediatamente corrigido”.

O documento critica a iniciativa do corregedor nacional de Justiça.

“A instauração de procedimento de ofício sem maior cautela na apuração prévia dos fatos reais, depõe contra o Poder Judiciário que todos integramos, além de configurar, à primeira vista, intervenção na atividade jurisdicional do magistrado, a quem a Constituição Federal assegura independência para segurança da Sociedade”.

(…)

“Registramos nossa perplexidade diante da decisão do Excelentíssimo Ministro de instaurar o referido procedimento, uma vez que coloca em dúvida a integridade de um magistrado com carreira ilibada, assim como põe em risco a sua segurança e de sua família, especialmente em uma época em que estamos sobrecarregados e instados ao cumprimento de metas, por vezes inalcançáveis, não sendo admissível que um simples erro de digitação seja motivo para questionar a jurisdição de qualquer  magistrada ou magistrado, especialmente quando dele não  resultou prejuízo  à  jurisdição e à sociedade”.

Em nota de apoio, professores universitários, advogados, membros da magistratura, do Ministério Público e da Defensoria Pública manifestaram solidariedade irrestrita ao juiz, afirmando que “foram veiculadas notícias distorcidas em sites da Internet, na televisão e nas redes sociais”.

Segundo os signatários, “o erro material era evidentíssimo”. “Foi retificado, inclusive, assim que a ele chegou o conhecimento do equívoco que obstaria o seu acatamento”.

“O juiz de direito Pierre Souto Maior Coutinho do Amorim é conhecido e reconhecido como excelente magistrado responsável, cumpridor dos seus deveres, respeitado pelos jurisdicionados, respeitador da Constituição e das leis do País, professor universitário e culto estudioso, tanto no meio Judiciário como no meio acadêmico”, sustentam os manifestantes.

Ao decidir pelo arquivamento, Humberto Martins afirmou que os fatos já são objeto de apuração autônoma por parte da corregedoria local, que tem melhores condições de reunir os elementos necessários para esclarecer a situação.

“Não foi por outra razão que, mesmo a despeito da competência concorrente e não subsidiária da Corregedoria Nacional de Justiça, já na decisão inicial de instauração do presente pedido de providências, a apuração havia sido delegada para a corregedoria local”, registrou Martins.