Corregedor arquiva apuração de artigo de juíza sobre política genocida do governo
O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, arquivou nesta sexta-feira (14) pedido de providências instaurado a partir do artigo da juíza Valdete Souto Severo, do TRT-4, sob o título “Por que é possível falar em Política Genocida no Brasil de 2020?”.
O texto foi publicado em julho no sítio eletrônico “Democracia e Mundo do Trabalho em Debate”. Valdete Severo é presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
O procedimento foi aberto pelo corregedor para apurar possível violação da Resolução nº 305, que estabelece “parâmetros para o uso das redes sociais pelos membros do Poder Judiciário”.
Ao avaliar as informações recebidas, Martins entendeu que o artigo “não pode ser caracterizado como infração aos deveres da magistratura, uma vez que, devido ao contexto e o veículo no qual foi publicado, tangencia o teor crítico-acadêmico, tratando-se, portanto, de obra técnica que não pode ser tida como atuação político-partidária e nem tampouco caracteriza manifestação de opinião sobre processo em andamento”.
“Denota-se, em verdade, que a publicação do artigo em sítio eletrônico que detém conexão com o tema trabalhista, área de sua atuação preponderante, a juíza apenas exerceu regularmente sua liberdade de expressão, não se vislumbrando qualquer intenção deliberada de ofender as normas previstas na Loman, no Código de Ética da Magistratura Nacional ou na Resolução n. 305/2019”, afirmou.
Para pedir esclarecimentos à magistrada, Martins havia considerado trechos como, por exemplo, a afirmação de que “é possível falar de uma política genocida no Brasil hoje”.
“O governo segue, em meio à pandemia, não apenas editando regras que concretamente pioram a vida das pessoas, impedindo-as, em alguns casos, de continuar vivendo, como também deliberadamente deixando de aplicar recursos de que dispõe, no combate à pandemia”, escreveu a juíza.
Diante da decisão do corregedor, magistrados de todo o país subscreveram abaixo-assinado em favor da juíza.
“Não é legítimo que órgãos de controle estabeleçam qualquer medida, direta ou indireta, de censura ou punição, sobretudo quando se trata de artigo científico, ainda que traga críticas veementes a quaisquer medidas governamentais”, afirma o abaixo-assinado, iniciativa da Amatra-1 (Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região), do Rio de Janeiro.
Nas informações que prestou à corregedoria, a juíza Valdete Severo sustentou o que escreveu. Afirmou que, ao publicar o artigo, “não imaginava poder suscitar qualquer iniciativa correcional com propósito disciplinar”.
Segundo ela, os dois excertos indicados na instauração do procedimento “nada têm de ofensivo, tampouco são violadores dos deveres éticos ou deontológicos da magistratura”.
“Trata-se de discussão acerca de tema que deve interessar a toda a sociedade e sobre o qual a magistratura brasileira não pode se omitir”.
(…)
Trata-se do maior morticínio havido na história do Brasil por uma única causa mortis em cerca de cinco meses.
(…)
Essa é uma situação única, de relevância pública, que tem legitimado análises diversas, por jornalistas e acadêmicos de diferentes áreas, todas elas respeitáveis e mesmo necessárias, pois sem compreender o que está acontecendo em nosso país, não teremos como sair desse quadro lastimável.
“Não pode, portanto, ser considerado atividade jurisdicional, mas acadêmica, própria de quem exerce, a par da magistratura, o magistério e a pesquisa”.
(…)
Trata-se de um artigo jurídico que visa, precisamente, a defesa do respeito à Constituição da República e às leis do país, buscando o fortalecimento das instituições”.
Em março deste ano, o Blog publicou artigo da magistrada sob o título “Entre o pânico e o descaso, a imbecilidade!”, que também trata da pandemia.
Diz a autora naquele texto:
“Entre o pânico e o descaso, o que mais assusta, porém, é a imbecilidade de quem, ciente da gravidade da doença e tendo o dever de agir para prevenir a disseminação e proteger a população que o elegeu, adota conduta absolutamente irresponsável”.
Ela conclui:
“Subestimar um vírus que pode ser letal não é apenas infantilidade ou maldade. É crime de responsabilidade, que atinge toda a população brasileira”.