Veja como o STF anulou a sentença de Moro contra o doleiro do Banestado
A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal anulou sentença de Sergio Moro no caso Banestado. O então juiz federal havia condenado o doleiro Paulo Roberto Krug a onze anos de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e efetuar depósitos no exterior em contas de laranjas, entre 1996 e 2002. (*)
Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski entenderam que houve “violação à imparcialidade do julgador” [Moro]. Foram vencidos os ministros Edson Fachin (relator) e Cármen Lúcia.
Com a ausência justificada do ministro Celso de Mello, em licença médica, o réu foi beneficiado com o empate. O julgamento foi concluído nesta terça-feira (25), quando Gilmar Mendes trouxe o voto-vista.
Os advogados de Krug sustentaram que Moro colheu depoimento da delação premiada do doleiro Alberto Youssef e juntou documentos ao processo depois das alegações finais da defesa.
Krug foi representado pelos advogados Eduardo de Vilhena Toledo e Maurício Stegemann Dieter.
Em nota, Moro afirmou que sempre agiu “com imparcialidade, equilíbrio, discrição e ética” [veja texto abaixo].
O relator Fachin entendeu que “a homologação do acordo de colaboração premiada pelo magistrado não implica seu impedimento para o processo e julgamento da ação penal ajuizada contra os prejudicados pelas declarações prestadas pelos colaboradores, não sendo cabível interpretação extensiva do artigo 252 do Código de Processo Penal”.
“A participação da autoridade judicial na homologação do acordo de colaboração premiada –ainda segundo o relator– não possui identidade com a hipótese de impedimento prevista aos casos de atuação prévia no processo como membro do Ministério Público ou autoridade policial. Ao contrário, mostra-se necessária a fim de verificar a sua regularidade, legalidade e voluntariedade, nos termos da legislação”.
Fachin registrou que a pretensão do recorrente [Krug] foi afastada pelas instâncias antecedentes [STJ e TRF-4] e “não é manifestamente contrária à jurisprudência do STF ou padece de flagrante constrangimento ilegal”.
O TRF-4 havia aumentado a pena do recorrente. Posteriormente, houve redução.
Gilmar Mendes entendeu que o juiz inquiriu Youssef “não apenas para verificar as condições de homologação do acordo, mas sim para verdadeiramente obter e produzir provas de outros co-investigados, dentre eles, o paciente [Krug].”
Para Ricardo Lewandowski, houve “uma evidente atuação acusatória do julgador”, com perguntas que fugiam “ao controle de legalidade e voluntariedade de eventual acordo de colaboração premiada.”
Ao defender a anulação do processo, Lewandowski afirmou que Moro exerceu “papel incompatível com os ditames do sistema acusatório, a fim de justificar a condenação que já era por ele almejada”.
Cármen Lúcia afirmou que não ficou demonstrado de forma objetiva que o sentenciante [Moro] “teria incidido em qualquer das hipóteses de impedimento”.
“Não vislumbro qualquer eiva ou mácula na conduta, pelo menos nos termos aqui expressos, demonstrados, e especialmente para a configuração de caso de impedimento”, votou a ministra.
Em nota distribuída nesta terça-feira, Sergio Moro afirmou:
“Em toda minha trajetória como Juiz Federal, sempre agi com imparcialidade, equilíbrio, discrição e ética, como pressupõe a atuação de qualquer magistrado. No caso específico, apenas utilizei o poder de instrução probatória complementar previsto nos artigos 156, II, e 404 do Código de Processo Penal, mandando juntar aos autos documentos necessários ao julgamento da causa.”
“Foi uma atuação regular, reconhecida e confirmada pelo TRF-4 e pelo Superior Tribunal de Justiça e agora recebeu um julgamento dividido no STF que favoreceu o condenado”.
A defesa juntou aos autos parecer de Geraldo Prado, professor de Direito Processual Penal da UFRJ, mestre e Doutor em Direito.
Segundo o parecerista:
“A política processual não está parada no tempo. Daí que é razoável exigir dos tribunais que atuem por princípios no exame dos casos de alegada violação da imparcialidade dos juízes”.
“Neste momento da história constitucional brasileira, não se trata, pois, de assegurar somente ‘as regras do jogo’ e sim garantir ‘os valores em jogo’”.
“As modalidades procedimentais inexistentes ao tempo da redação original dos artigos 252 e 254 do CPP desafiam o tribunal a interrogar, nos dias atuais, até que ponto a delação premiada propicia a ‘acumulação funcional de competências’ relevante para comprometer, no presente caso, em alguns ou na maioria dos casos, a imparcialidade do juiz”.
“Afinal, a atitude inquisitória afeta de modo indelével a imparcialidade do órgão julgador, atingindo o direito fundamental ao juiz imparcial. E a iniciativa probatória do juiz Sergio Moro, na fase de diligências, com a determinação ‘ex officio’ de provas que a acusação não requereu, e que serviram de esteio para a condenação de Paulo Roberto Krug, confirma a hipótese de comprometimento psicológico do magistrado com a tese condenatória, internalizada por ocasião da audiência administrativa de delação premiada”.
Ainda segundo Prado:
“Quando o magistrado aproveita a oportunidade para produzir prova de fato relevante para o interesse da parte, o juiz viola o princípio acusatório e o faz atingindo a garantia da imparcialidade.”
O Ministério Público Federal entendeu o oposto.
Ao opinar pelo não provimento do recurso de Krug, em 2017, o subprocurador-geral da República Edson Oliveira de Almeida sustentou o seguinte:
“Caso o juiz, conhecedor de tais documentos que poderiam sanar dúvidas sobre fatos constantes do procedimento criminal e colaborar para a busca da verdade, permanecesse inerte, aí sim poder-se-ia falar em quebra da imparcialidade, pois conhecedor de que sua inércia poderia beneficiar a parte contrária àquela a quem competia o ônus probatório”.
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(*) RHC 144.615 – Processo penal 2002.70.00.00078965-2