O ex-presidente e o ‘candidato a vereador’

Leio nos jornais de domingo (6) que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez um mea-culpa e afirmou que a emenda constitucional que permitia a reeleição foi um erro.

A emenda foi aprovada pela Câmara em 25 de fevereiro de 1997, após uma série de articulações iniciadas em 1995, no primeiro mandato de FHC.

Escalado pela Folha, acompanhei em várias eleições o momento em que FHC votava, no Colégio Nossa Senhora do Sion, no bairro de Higienópolis (região central de São Paulo).

Lembro-me de ter perguntado ao ex-presidente, que recém-terminara o segundo mandato, se estava arrependido de ter apoiado o instituto da reeleição. Sempre gentil, FHC justificou a decisão e passou à pergunta seguinte.

Leio agora o que gostaria de ter ouvido naquela ocasião:

“Devo reconhecer que historicamente foi um erro: se quatro anos são insuficientes e seis parecem ser muito tempo, em vez de pedir que no quarto ano o eleitorado dê um voto de tipo ‘plebiscitário’, seria preferível termos um mandato de cinco anos e ponto final.”

Foi o que afirmou no texto “Reeleição e crises“, artigo publicado nos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

O plantão eleitoral no Sion permitiu registrar os sucessivos embates entre o PT e o PSDB e testemunhar a gradativa perda de popularidade dos tucanos.

Nas eleições de 2004, registrei: “Ao lado de políticos do PSDB estadual, FHC foi muito aplaudido ao chegar, a pé, para votar”.

FHC “estava acompanhado de sua mulher, Ruth Cardoso, dos vereadores tucanos Ricardo Montoro e Roberto Trípoli e do ex-ministro da Justiça José Gregori”.

FHC disse, ao declarar o voto dado a José Serra, que a eleição para prefeito de São Paulo poderia quebrar a hegemonia do partido único: “Como o PT e seus aliados estão tendo uma atitude muito hegemônica, querendo tomar conta de tudo, é bom que haja um equilíbrio de poder”.

“Tenho reiterado que não sou candidato a mais nada”, afirmou então o ex-presidente.

FHC disse que iria apoiar o PSDB na criação de “uma frente capaz de restabelecer um equilíbrio de poder”.

“Um ex-presidente não deve estar no dia-a-dia da política”, afirmou. FHC disse: “Eu não quero fazer críticas ao presidente Lula, mas pela primeira vez um presidente é objeto de interpelação na Justiça”.

Nas eleições de 2010, FHC disse que fez uma “transição civilizada” de seu governo para o de Lula. “Eu esperava mais cooperação. Não participar do governo, mas [debater] temas nacionais. Isso não aconteceu.”

“Ao contrário, o governo do presidente Lula se caracterizou pela intransigência, intolerância. Um é bom, o outro é mau. E o mau geralmente é o PSDB, sou eu. É o julgamento deles. Não me preocupo tanto. Espero que isso mude, senão não avançamos politicamente”, afirmou.

Nas eleições de 2012, diante da possível vitória do candidato do PT, Fernando Haddad, à Prefeitura de São Paulo, FHC disse que o PSDB “precisa voltar a ter uma atitude muito mais próxima do que o povo está sentindo”. “Tem que estar alinhado com o futuro.”

Admitiu que “o partido vai precisar de renovação”. “A gente tem que empurrar os novos para ir para a frente”, disse.

Fernando Henrique foi presidente de 1º de janeiro de 1995 a 1º de janeiro de 2003.

Ao contrário do que vimos na primeira eleição depois que deixou a Presidência, quando uma multidão ocupou a avenida Higienópolis, na última vez que cobri a votação no Colégio Sion ele chegou apenas com o agente de segurança.

A cada eleição, depois da votação um pequeno grupo de repórteres seguia o ex-presidente na curta caminhada até a porta de seu prédio.

Bem-humorado, cumprimentado por populares nesse percurso, ele disse certa vez que tinha votos garantidos para se candidatar a vereador pelo bairro de Higienópolis.

Os mais próximos dizem que FHC é capaz de perder um amigo, mas não perde a oportunidade de fazer uma piada.