Ministro do Superior Tribunal Militar recebeu R$ 671,9 mil ao se aposentar

O Almirante de Esquadra Álvaro Luiz Pinto, ministro do STM (Superior Tribunal Militar), recebeu R$ 671,9 mil em junho, a título de licença-prêmio na aposentadoria.

O fato foi revelado nesta terça-feira (22) pela FolhaJus, newsletter semanal da Folha sobre o universo jurídico.

O valor surpreendeu magistrados e membros do Ministério Público consultados pelo Blog.

O STM atuou sem transparência.

Há exatamente três meses, o tribunal não quis confirmar –ou negar– informação anônima de um leitor de que o ministro receberia R$ 990 mil.

Consultado se a dúvida do leitor era procedente, a assessoria de imprensa do STM informou: “Amanhã teremos uma resposta“.

Três dias depois: “[A consulta] já está com o ministro-presidente para despacho”.

Uma semana depois: “Ainda não foi despachado”.

Uma semana e um dia depois: “Tem como você me passar um e-mail cobrando a demanda?”

Nas semanas seguintes, não foi possível localizar no site do STM o valor efetivamente recebido pelo almirante. Voltamos a consultar o STM neste final de semana. O tribunal não se manifestou até a conclusão deste post.

Comentário publicado na FolhaJus, nesta terça-feira:

[O ministro Álvaro] Luiz Pinto ingressou na Marinha em 1967. Recebe subsídio de R$ 37,3 mil. Com direito a licença-prêmio, ao se aposentar podia requerer a contagem em dobro do período não usufruído. Se os valores são devidos, surpreende o tribunal ter omitido essa informação quando consultado.

A transferência para a inatividade do ministro Álvaro Luiz Pinto, por meio do Decreto de 1º de abril de 2020, foi publicada no Diário Oficial da União de 2 de abril de 2020 (1802111).

Polêmica antiga

Em 2009, o Ministério Público Federal questionou o que considerou “privilégios inaceitáveis” na aposentadoria de ministros do STM oriundos das Forças Armadas.

O MPF considerou que a concessão do benefício é regida por dois regimes previdenciários, o de magistrado e o de militar, sendo aplicadas as regras mais vantajosas de cada um.

“Os ministros aposentam-se com o subsídio de magistrados, cujos valores são superiores aos vencimentos da carreira militar, mas recebem o benefício de forma integral, como garante o regime previdenciário próprio dos militares, mesmo sem cumprirem os requisitos previstos na Constituição para a aposentadoria na magistratura, como a permanência mínima de cinco anos no cargo”.

O procurador da República Peterson de Paula Pereira, do MPF do Distrito Federal, propôs ação civil pública, sustentando que “ao ocupar o cargo de ministro do STM, a condição de militar deve ser suprimida para preponderar a de magistrado, uma vez que não é possível integrar os poderes Judiciário e Executivo simultaneamente”.

O MPF defendeu que as regras constitucionais para a aposentadoria de servidores públicos (artigo 40 da Constituição Federal) deveriam ser aplicadas a todos os magistrados, inclusive aos ministros do STM oriundos das Forças Armadas.

O procurador pediu à Justiça que proibisse a aplicação do regime híbrido aos ministros do STM advindos das Forças Armadas.

Requereu ainda a anulação da aposentadoria integral concedida ao general Expedito Hermes Rego Miranda, ex-ministro do STM e ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.

A juíza Iolete Maria Fialho de Oliveira, da 22ª Vara de Brasília, julgou improcedentes os pedidos.

Férias além dos limites

Em dezembro de 2013, o almirante Álvaro Luiz Pinto foi citado entre ministros de tribunais superiores que “receberam repasses por férias não usufruídas que ultrapassam o limite de acúmulo de dois meses de folga, contrariando o que prevê a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).”

Reportagem de Vinicius Sassine, em O Globo, revelou que “passou a ser comum a autoridade não usufruir oficialmente o descanso bimensal e, no momento da aposentadoria ou mesmo em atividade, requerer uma indenização”.

O ministro Álvaro Luiz Pinto recebeu R$ 57 mil. Também foram mencionados na reportagem os ministros do STM Marcos Azevedo (R$ 29 mil); Carlos Alberto Soares (R$ 48,1 mil) e Olympio Pereira Júnior (R$ 19,5 mil).

O jornal informou que “enquanto STJ, TST e STM fazem pagamentos regulares do benefício, a Corte máxima da Justiça — o STF — diz respeitar a Loman e o Regimento Interno, que determinam o usufruto das férias em janeiro e julho de cada ano.

“Não há férias não usufruídas e, consequentemente, não há pagamento de férias não usufruídas a nenhum ministro”, informou o Supremo.

 Eventos nas férias

Em fevereiro deste ano, o TCU abriu investigação sobre gastos do STM com a viagem de três ministros à Grécia durante as férias coletivas de julho de 2019, entre os quais o ministro Álvaro Luiz Pinto. A viagem foi revelada pela Folha.

O STM gastou cerca de R$ 100 mil em passagens e diárias para os ministros Marcus Vinícius Oliveira dos Santos (presidente), Álvaro Luiz Pinto e Péricles Aurélio de Lima Queiroz participarem de seminário de dois dias em Atenas promovido por uma entidade privada, com patrocínio do Bradesco.

O presidente do STM proferiu palestra no dia 5 de julho. Viajou à Grécia no dia 27 de junho e retornou em 16 de julho.

A interrupção ou fracionamento de férias não foi prevista na Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional). O CNJ entende que a interrupção de férias deve ocorrer “somente para os cursos oficiais das escolas judiciais”.

O STM prestou informações ao jornal conflitantes com esclarecimentos que daria, posteriormente, ao CNJ.

A assessoria da presidência informou à Folha que “o ministro-presidente intercalou o evento com o seu período de férias no recesso do Judiciário”.

O diretor-geral do STM, contra-almirante Silvio Artur Meira Starling, afirmou em ofício ao TCU:  “Não houve a interrupção de férias atribuída ao ministro-presidente'”.

Em sessão virtual, o TCU julgou improcedente a representação do Ministério Público de Contas. O STM não divulgou o resultado favorável ao tribunal.

Gastos como os ora questionados se insinuam perante os cidadãos como altamente indecorosos e revelam prática incompatível com as novas exigências da sociedade”, sustentara o subprocurador-geral Lucas Furtado na representação.

O TCU concluiu que, “apesar do gasto de R$ 98,7 mil, valor significativo no contexto fiscal presente e que poderia ser melhor direcionado, não há elementos para sustentar que os atos do STM desbordaram a observância do princípio da moralidade”.

Uma justiça cara

Em 2013, auditoria do TCU revelou que o Superior Tribunal Militar, menor corte superior do país, era o órgão do Judiciário com maior número de servidores ativos, aposentados e pensionistas remunerados acima do teto constitucional, que é o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

“Os números são escandalosos. São indicativo de um verdadeiro descalabro financeiro”, afirmou o ministro Joaquim Barbosa, então presidente do CNJ.

Eis alguns dados revelados na época:

– Com sete desembargadores e seis juízes, o Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais consumia R$ 30 milhões por ano de recursos públicos, para julgar pouco mais de 300 processos;

– O tribunal militar de São Paulo consumia R$ 40 milhões, o do Rio Grande do Sul, em torno de R$ 30 milhões para julgar poucos processos;

– O Superior Tribunal Militar consumia R$ 322 milhões com 15 ministros, 962 servidores e julgava em torno de 600 processos por ano.

– O gasto do STM correspondia a um terço do orçamento do Superior Tribunal de Justiça.

Em 2014, um grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça concluiu o “Diagnóstico da Justiça Militar Federal e Estadual”.

O grupo sugeriu a extinção da Justiça Militar Estadual e a exclusão de civis da jurisdição da Justiça Militar Federal

Propôs a especialização da Justiça comum estadual para julgar processos de competência militar, com a criação de câmaras especializadas –não necessariamente exclusivas– dentro da estrutura dos Tribunais de Justiça dos Estados.

Segundo o relatório do grupo de trabalho do CNJ, a extinção dos Tribunais de Justiça Militar estaduais reduziria substancialmente o custo por processo.