Como a pandemia afetou os advogados
O maior obstáculo enfrentado pelos advogados durante a pandemia foi a suspensão dos prazos judiciais em processos físicos. Essa dificuldade foi apontada por 60% dos 2 mil profissionais que responderam à pesquisa “O acesso à Justiça durante o período de isolamento social“, realizada pela Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e Fundação Arcadas (USP).
O resultado da pesquisa foi apresentado e debatido em webinar nesta terça-feira (22) com a participação, entre outros convidados, dos presidentes do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Pinheiro Franco e Mairan Maia.
Renato Cury, presidente da AASP, agradeceu o “diálogo franco” dos magistrados com a advocacia e explicou que o objetivo foi iniciar um debate sobre as perspectivas do acesso à Justiça no pós-pandemia fundamentado na pesquisa.
“Antes de mais nada quero reafirmar que nós, Poder Judiciário, precisamos ouvir”, disse o presidente do TJ-SP, ao iniciar sua exposição.
Eis alguns destaques da pesquisa:
– A ausência de novos casos e a baixa prospecção de clientes foram citados por mais da metade dos entrevistados: 60% e 55%, respectivamente.
– A inadimplência dos clientes afetou 53%, e 60% dos entrevistados listaram que a pandemia causou queda nos rendimentos.
– Ao mesmo tempo em que 51% dos entrevistados apontam dificuldade em fazer o peticionamento físico como uma adversidade, apenas 6% revelam ter tido dificuldade com o sistema eletrônico adotado pelos tribunais.
– 80% dos advogados responderam “Não” à pergunta “Você deixou de ser recebido em alguma Vara/Câmara?”
A AASP recomenda aos advogados “muita atenção com os novos prazos, levando em consideração que em algumas regiões os feriados foram antecipados”.
A vice-presidente da AASP, Viviane Girardi, afirmou que o estudo –realizado entre 18 de junho e 15 de julho– fornece um panorama do que pensa a classe.
Além da suspensão dos prazos processuais em processos físicos, apontada como obstáculo por 60% dos entrevistados, foram citados a ausência de uniformização dos atos pelos Tribunais (49%), despachar com o magistrado (45%), morosidade (39,5%) e audiências por videoconferência (36%).
O presidente da Fundação Arcadas, Flávio Luiz Yarshell, instigou os participantes: “Não há dúvidas que a tecnologia auxilia, é graças a ela que a jurisdição foi mantida. A preocupação está na sombra que possa estar associada. Em que medida ela pode prejudicar direitos?”.
Pinheiro Franco elencou as medidas tomadas pelo tribunal –como a transição para o trabalho remoto– e disse entender as preocupações dos advogados.
“Temos uma certeza: se de um lado a pandemia nos trouxe a possibilidade de avançar anos em meses, de outro nos trouxe uma preocupação muita grande – não podemos nos isolar da sociedade, não podemos nos isolar dos profissionais do sistema de justiça.”
“Ainda que o Tribunal doravante possa imaginar uma parcela de magistrados e servidores trabalhando de suas residências, uma grande parte estará nos fóruns. O contato com advogados é de uma importância ímpar para a prestação jurisdicional”, afirmou.
“A Justiça está aberta ao cidadão e ela é física. O equipamento apenas vai nos ajudar”, disse Pinheiro Franco.
Para Mairan Maia, do TRF-3, o objetivo do tribunal é incorporar o que funcionou e corrigir as falhas.
“Vislumbro maior utilização dos meios tecnológicos, o que traz diminuição de custos de deslocamento, de custos do processo etc. Ao mesmo tempo deve-se conservar a atuação presencial do advogado. O Tribunal não deixará de atender o advogado que quer ser atendido presencialmente.”
Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, diretor da Faculdade de Direito da USP, alertou: “As coisas não voltarão a ser como eram em janeiro e fevereiro”.
Ele disse que é preciso avaliar de que maneira a tecnologia pode alterar o exercício do Direito: “A tecnologia pode ser uma alavanca do contraditório ou interditar esse contraditório. Não se pode prescindir do advogado e do juiz”.
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N.R. – Esse relato foi baseado em informações publicadas pela AASP e pelo TJ-SP