‘Defensor da liberdade de expressão deixará saudades no STF’, diz advogada

O texto a seguir é de autoria da advogada Taís Gasparian, especializada em Liberdade de Expressão (*)

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Por diversas vezes tive a honra e o prazer de me encontrar pessoalmente com o ministro Celso de Mello. As reuniões nunca duravam menos de uma hora e meia, e eu me divertia com a sua “intimidade” com os grandes juristas.

Volta e meia o ministro citava palavras que atribuía a Rui, a Pontes e a José Joaquim. Inevitavelmente eu ficava alguns segundos em suspenso, para concluir que ele se referia a Rui Barbosa, Pontes de Miranda e José Joaquim Canotilho.

Outra característica que me fascinava era a sua memória.

Ao discorrer, sempre longamente, sobre suas considerações, invariavelmente o ministro se levantava e escolhia, em meio a milhares de outros, um livro da estante. Abria o livro, folheava, e me dava uma página para ler, para comprovar que a citação que havia feito segundos antes, de cabeça, estava correta.

Mas minha maior admiração estava no seu respeito à liberdade de expressão e a todas as consequências do princípio constitucional, chegando a afirmar ser “intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica, por mais dura que seja, revele-se inspirada pelo interesse coletivo”.

Reconhecia que as decisões que impõem o pagamento de indenizações pelos jornalistas muitas vezes acabam por “inibir, ilegítima, indevida e inconstitucionalmente, o próprio exercício da liberdade fundamental de expressão do pensamento”.

Sobre o sigilo de fonte, entedia que era oponível a qualquer autoridade ou órgão do Estado, consistindo “garantia institucional destinada a assegurar o exercício do direito fundamental de livremente buscar e transmitir informações”.

Sempre que possível, reafirmava que “a liberdade de expressão não é uma concessão do Estado”, mas direito inalienável e privilégio inestimável de todos os cidadãos.

Celso de Mello deixará saudades no Supremo. Que venha logo para este outro lado do balcão, para defender a democracia.

(*) A autora é advogada e sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian – Advogados. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da USP (1983), graduada pela Faculdade de Letras, Filosofia e Ciências Humanas da USP (1981), Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da USP (1989) e Expert em Freedom of Expression pela Universidade de Columbia.