PGR mantém inquérito dos ‘dólares na cueca’
Decisão recente da Procuradoria-Geral da República indica que o “caso dos dólares na cueca” –marcado por tramitação demorada na Justiça– poderá resultar em ação penal pela suposta prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
O episódio de 2005 voltou a ser mencionado no noticiário depois que o senador Chico Rodrigues (DEM-RR) foi flagrado com dinheiro escondido nas nádegas.
Em 8 de julho daquele ano, José Adalberto Vieira da Silva, então assessor do deputado federal José Nobre Guimarães (PT-CE), foi preso no aeroporto de Congonhas (SP) ao tentar embarcar para Fortaleza com R$ 209 mil numa maleta e US$ 100,5 mil na cueca.
À época dos fatos, ele era Secretário de Organização do Partido dos Trabalhadores no Ceará. José Adalberto foi solto em 13 de julho de 2005.
O inquérito tramitou inicialmente na 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo e permaneceu durante oito anos no STF.
Em agosto último, a 5ª Câmara Anticorrupção do Ministério Público Federal decidiu contra o arquivamento do inquérito, requerido em junho de 2019 pelo procurador da República Régis Richael Primo da Silva, do Ceará. O relator foi o subprocurador-geral da República Antonio Carlos Fonseca da Silva.
Régis Richael entendeu que, após 13 anos de apuração, não “teria elementos de prova para oferecer denúncia contra José Nobre Guimarães”.
O pedido de arquivamento foi indeferido em outubro de 2019 pelo juiz federal Danilo Fontenelle, titular da 11ª vara da Justiça Federal do Ceará. Quando um juiz rejeita pedido de arquivamento feito pelo MPF, o processo é remetido para a Procuradoria-Geral da República, que poderá arquivar o caso ou designar outro procurador local para denunciar ou continuar as investigações.
Segundo o relatório de Fontenelle, a investigação centrou-se apenas na hipótese adotada pela autoridade policial de que o dinheiro transportado era parte de propina em virtude de aprovação ilícita, pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), de financiamento para custear a construção da linha de transmissão de energia elétrica do Piauí ao Ceará.
Fontenelle entendeu que essa hipótese não ficou comprovada.
“Vislumbro, pois, que o fato de um assessor parlamentar ter sido preso com cerca de atuais R$ 600 mil sem origem ou destinos conhecidos, nem explicação plausível ou verossímil, indica indícios suficientes da ocorrência de modalidade até então não conhecida de corrupção sistêmica estrutural.”
“Creio, pelo contido nos autos, ser razoável entender-se que a origem e movimentação do numerário apreendido são ilícitas, o que traz a indicação da possibilidade do crime de lavagem de dinheiro”, registrou o juiz em sua decisão.
O magistrado mencionou “a criação, manutenção e preservação de uma rede de apoio político/administrativo com o fito de favorecimento de grupos mediante atos indefinidos e atemporais, muito característico das organizações criminosas de matiz mafioso, onde o silêncio, o segredo, as aparência e os disfarces são elementos primordiais à sua própria criação, manutenção, desenvolvimento e reprodução”.
Segundo a decisão da 5ª Câmara, os autos retornarão à Procuradoria da República naquele Estado, “para deflagração da ação penal cabível, em relação aos envolvidos pela prática dos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro”. Os crimes deverão prescrever em 2021.
Ou seja, a PGR determinou a designação de outro membro do Ministério Público Federal para assumir o caso.
Ouvido em julho de 2005, o deputado José Nobre Guimarães afirmou “não saber a origem do dinheiro apreendido com Adalberto, negando qualquer envolvimento com o fato”.
José Nobre Guimarães é irmão do ex-deputado federal José Genoino Neto, ex-presidente do PT, que foi ouvido no inquérito e disse não ter nada com o ocorrido.
Em 31 de maio de 2010, a autoridade policial indicou a participação do deputado federal nos fatos e o seu gozo de foro privilegiado. Em 2018, o ministro Roberto Barroso entendeu que “a conduta imputada ao investigado se deu em momento anterior ao exercício da função de deputado federal e sem vínculo com o exercício do cargo”.
Barroso declinou da competência do STF.
Em ação civil pública relatada pelo ministro Benedito Gonçalves, do STJ, o deputado foi excluído do polo passivo, em 2012. Ou seja, o STJ o excluiu da ação de improbidade –que correu na 10ª Vara Federal do Ceará–, mas a questão penal continua aberta por conta da rejeição do arquivamento.
Em outubro de 2019, a assessoria de imprensa do deputado federal José Guimarães (PT-CE) enviou ao Blog a seguinte manifestação:
“Sobre a notícia de que a Justiça Federal teria rejeitado pedido de arquivamento feito pelo Ministério Público Federal (MPF) de uma investigação sobre o caso em questão, afirmamos que esse procedimento investigativo já tramita há mais de 13 anos e não foi encontrada nenhuma irregularidade cometida pelo deputado federal José Guimarães ou nada que possa relacioná-lo com o fato em questão ou ainda qualquer outra atitude ilícita.
Ressaltamos, mais uma vez, que o parlamentar foi inocentado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2012, justamente pela ausência de relação com os fatos questionados.
A própria decisão expõe elementos conclusivos do MPF que demonstram a inocência de Guimarães e a ausência de relação do parlamentar com o caso.
Permanecemos confiantes na seriedade da Justiça na condução do caso.”
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Eis a cronologia do caso:
8 de julho de 2005 – prisão em flagrante de José Adalberto Vieira da Silva. Autos tramitam inicialmente na 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo
27 de março de 2008 – Autos são distribuídos à 11ª Vara Federal do Ceará
28 de junho de 2010 – Autos são remetidos ao Supremo Tribunal Federal
7 de julho de 2010 – Processo é registrado no STF como Inquérito nº 2.994
29 de agosto de 2018 – Ministro Luís Roberto Barroso encaminha os autos à 11ª Vara Federal do Ceará
25 de setembro 2018 – Vista dos autos ao Ministério Público Federal
20 de junho de 2019 – Procurador da República Régis Richael Primo da Silva requer o arquivamento do inquérito
21 de outubro de 2019 – Juiz federal Danilo Fontenelle rejeita pedido de arquivamento e determina o envio à PGR
24 de agosto de 2020 – 5ª Câmara Anticorrupção do Ministério Público Federal decidiu contra o arquivamento do inquérito