Eleição para conselheiro do CNJ adota nepotismo que o órgão combatia
Desabafo de um magistrado, ao saber que a Câmara Federal deverá eleger o advogado Mário Henrique Aguiar Goulart Ribeiro Nunes Maia, filho do ministro do STJ Napoleão Nunes Maia, para o cargo de conselheiro do Conselho Nacional de Justiça:
É uma vergonha! O órgão que empunhou a bandeira contra o nepotismo agora o acolhe!
A eleição será realizada em sessão virtual extraordinária, nesta terça-feira (27). Nos últimos dias, Mário Henrique foi citado na imprensa como o candidato escolhido.
Não é a primeira vez que o Poder Legislativo prefere um advogado filho de magistrado para compor o colegiado do órgão de controle externo do Judiciário.
Em 2012, a Câmara dos Deputados indicou o advogado Emmanoel Campelo de Souza Pereira para o cargo de conselheiro. Em 2014, o plenário do Senado aprovou sua recondução para um segundo mandato.
Ele é filho do atual conselheiro do CNJ Emmanoel Pereira, ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo TST.
Erick Pereira, outro filho do ministro, disputou, sem sucesso, uma vaga no CNJ como representante do Senado.
Ao privilegiar parentes de magistrados, o Congresso Nacional também frustra a expectativa inicial de que as vagas da Câmara e do Senado fossem ocupadas por cidadãos sem vinculação com a toga, uma forma de reduzir o corporativismo da instituição.
Esse aspecto é abordado pela advogada Luciana Zaffalon em artigo na CartaCapital, sob o título “A cidadania na composição do Conselho Nacional de Justiça”. (*)
Eis alguns trechos:
A controvérsia quanto à criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nos moldes da Emenda Constitucional 45/2004, chegou ao STF pela ADI 3367/DF proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB). Embora tenha sido julgada improcedente pelo plenário do STF, a solução dada a respeito da composição do órgão não foi unânime entre os ministros, especialmente quanto às indicações do Congresso Nacional, ou seja, as vagas da cidadania.
A dúvida dos ministros, com relação às vagas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, residia na possibilidade de ingerência no Poder Judiciário em razão da participação no CNJ dos indicados pelo Congresso Nacional, com quebra do princípio da separação de poderes.
Em que pese a minoria do Plenário do STF ter indicado grande preocupação com o desenho institucional do órgão, quanto às indicações da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a maioria tinha a expectativa de que a presença da cidadania em um espaço de controle asseguraria um funcionamento equilibrado ao recém-criado CNJ.
Para esse grupo de ministros a presença de cidadãos indicados pelo Poder Legislativo poderia romper o corporativismo que, segundo o diagnóstico desses mesmos ministros, foi capaz de manter o isolamento do Poder Judiciário por muitas gerações.
(…)
Passados 15 anos, apenas nove cidadãos foram indicados pelo Legislativo para compor o CNJ, o que se deve em grande medida à recondução da maioria dos conselheiros que em regra acabam por atuar quatro anos no órgão de controle. A sistemática adotada só aumentou a importância das escolhas feitas pelo Congresso Nacional, principalmente porque nas vagas dos juízes é rara a recondução.
(…)
Dos nove conselheiros da cidadania, apenas uma mulher já ocupou essa posição. Dentre eles, dois eram servidores do próprio Legislativo e um deles filho de ministro do Poder Judiciário.
(…)
A baixa regulamentação do tema no Congresso Nacional faz com que os processos de escolha dos conselheiros da cidadania sejam opacos e basicamente resolvidos internamente por indicações de liderança de partidos políticos e bancadas.
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(*) Luciana Zaffalon é advogada, mestre e doutora em Administração Pública e Governo pela FGV-SP, pesquisadora convidada da The New School e Coordenadora da Plataforma Justa.org.br.