O que dificulta o acesso de pessoas portadoras de deficiência a fóruns
O Tribunal de Justiça de São Paulo pediu ao Conselho Nacional de Justiça maior prazo para adaptar os fóruns e prédios de forma a aumentar a acessibilidade de pessoas portadoras de deficiência.
Alegou entre outros motivos dificuldades orçamentárias agravadas com o coronavírus e a negociação com terceiros, proprietários dos imóveis.
Trata-se de desdobramento de uma pendência antiga. Teve origem em Pedido de Providências (*) apresentado em 2015, diante da notícia de ausência de acessibilidade em quatro fóruns paulistas (veja no final deste post um relato das medidas tomadas pelo tribunal).
No último dia 22 de setembro, o plenário do CNJ deu um prazo de 60 dias para o TJ-SP apresentar um “cronograma de execução de medidas para as adaptações necessárias em todos os prédios”. Na mesma sessão, contudo, admitiu a possibilidade de vir a ampliar esse prazo.
Na véspera, o presidente do TJ-SP, desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, enviara ofício ao CNJ, em que, resumidamente, informava:
1. O tribunal “em nenhum momento se quedou inerte. Contratou –às suas próprias expensas– projetos e obras para adaptação à acessibilidade dos principais prédios da Capital.
2. “É inviável custear as intervenções necessárias para adaptação às normas ABNT 9050 (acessibilidade) em todos os 817 imóveis (…) ao longo das 320 Comarcas do Estado. Além da insuficiência de recursos orçamentários para tanto (…), parte desses prédios são de propriedade de terceiros”.
3.“A realização de obras estruturais em imóveis de terceiros não se justifica do ponto de vista financeiro e orçamentário”. Além disso, “eventuais valores públicos dispendidos com tais benfeitorias reverterão em favor dos respectivos proprietários e em prejuízo ao erário”.
4.“Não se pode deixar de considerar a delicada situação orçamentária atualmente enfrentada por este tribunal em razão do novo coronavírus” (…) “com abrupta desaceleração da economia e queda da arrecadação de tributos, com reflexos diretos no orçamento do TJ-SP”.
5.”Roga-se que tais circunstâncias sejam ponderadas (…), estabelecendo-se prazo razoável e condizente com a situação orçamentária atual para cumprimento de eventuais obrigações”.
O TJ-SP informou que compete ao Poder Executivo (e não ao Judiciário), por meio da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, promover a “construção, ampliação e reforma, diretamente ou por meio de convênios, dos prédios de fóruns e de instalações do Ministério Público do Estado de São Paulo”. (Decreto estadual nº 59.101/2013).
“Enquanto Poder de Estado, o TJ-SP não possui personalidade jurídica própria, ou seja, os imóveis não são de sua propriedade, mas sim da pessoa jurídica de direito público a que pertence (o Estado de São Paulo)”.
Ajustes no voto
Aparentemente, os argumentos do tribunal não devem ter convencido a conselheira relatora, Maria Cristiana Ziouva. Ela é membro do Ministério Público da União e foi indicada para o CNJ pelo procurador-geral da República.
Eis o que Ziouva afirmou em seu voto:
– “O CNJ é órgão administrativo do Poder Judiciário e não do Executivo. É nossa função determinar que os órgãos da justiça exerçam de forma plena e efetiva a prestação jurisdicional, o que não ocorre quando o tribunal transfere a outros a realização das adaptações.”
– “Não importam os meios, se irá rescindir o contrato dos prédios e transferir para outro adaptado, ou se irá de forma direta custear as reparações. Tal escolha se insere nos limites da autonomia do tribunal. O que importa é o resultado, vale dizer, a garantia física da mobilidade, bem como um modelo de serviço que seja adequado aos cidadãos com deficiência.”
Ziouva mantinha o entendimento do primeiro relator, ex-conselheiro Rogério Nascimento (também membro do MPU, indicado pelo procurador-geral da República), que votou assim:
“O direito de acessibilidade não se esgota com a garantia física de mobilidade, vai além, pois envolve um modelo de serviço que seja adequado aos cidadãos com deficiência. Promover o acesso de pessoas com deficiência, mediante a supressão das barreiras e obstáculos nas vias, espaços e serviços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios é o mínimo.”
O texto do voto de Ziouva, segundo noticiou o CNJ, “foi ajustado para que fosse incluída a possibilidade de prorrogação justificada pelo mesmo prazo de 60 dias para a corte paulista apresentar o cronograma e, assim, iniciar as obras de adequação”.
O presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, sugeriu adequar a decisão da relatora aos votos dos conselheiros Luiz Keppen (desembargador do TJ do Paraná, indicado para o CNJ pelo Supremo) e Henrique Ávila (indicado pelo Senado Federal).
Projetos inviáveis
Diante das alegadas limitações orçamentárias, no último dia 3, ao tratar do tema na newsletter FolhaJus, editada pela Folha, registramos que o “TJ-SP consumiu tempo e recursos com projetos inviáveis, como a subterrânea ‘cidade judiciária’, no centro de São Paulo, com túneis interligando prédios”, e que “foi revogado o projeto de R$ 1,2 bilhão para um edifício que abrigaria todos os desembargadores. O sonho acabou”.
“A atual gestão herdou o que não se fez na superfície”, afirmamos em comentário sob o título “Justiça deficiente“.
O pedido de adequação de acessibilidade foi formulado em 2015 pela senadora Mara Cristina Gabrilli — à época, deputada federal — a partir de uma reclamação feita por advogada portadora de deficiência física.
Em 2013, o então presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Nelson Calandra, e a deputada federal Mara Gabrilli pediram ao ministro Marco Aurélio Mello, do STF, apoio para a promoção da acessibilidade de pessoas com deficiência física e/ou visual aos tribunais, fóruns e cartórios.
No final de outubro, o Blog enviou o seguinte pedido de informações à senadora Gabrilli (e aguarda as respostas):
– Na sua opinião, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem tratado o problema da acessibilidade dos fóruns com a atenção que o assunto merece?
– Como avalia a atuação do CNJ em relação a um pedido de providências de 2016?
Providências do tribunal
A pedido do Blog, a assessoria de imprensa do TJ-SP atualizou, na semana passada, as informações do tribunal sobre o assunto e enviou o seguinte relatório:
Desde a decisão do Conselho Nacional de Justiça, os juízes da Assessoria da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo têm-se reunido com equipes técnicas (engenheiros) da Secretaria de Administração e Abastecimento (Saab) para as providências necessárias ao cumprimento da decisão.
No Estado de São Paulo, o Poder Executivo destina à Secretaria da Justiça, no Plano Plurianual, orçamento específico para a construção de fóruns e execução de obras de acessibilidade e o Poder Judiciário não tem dotação orçamentária para esse tipo de obra. Por essa razão, também foi realizada reunião técnica com a equipe da Secretaria da Justiça.
Devido ao elevado número de prédios existentes no Judiciário estadual (737, entre unidades judiciais e administrativas), o TJ-SP dividiu em dois grandes grupos: 1) prédios próprios e 2) prédios locados, cedidos por Prefeituras ou outros entes públicos.
No grupo 1 (prédios próprios), em ação conjunta com o Poder Executivo, há: a) os já acessíveis; b) os que têm obras em andamento e c) os que terão obras contempladas no Plano Plurianual de 2020/2023 da Secretaria da Justiça.
Existe, ainda, uma quarta categoria: d) os que estão passando por vistorias pelos engenheiros das Regiões Administrativas Judiciárias (RAJs) para a verificação das condições de atendimento do plano de acessibilidade.
Como esses engenheiros são de empresa terceirizada, haverá uma despesa que, diante da urgência e da importância do assunto, foi autorizada (excepcionada do Plano de Contingenciamento).
Essas vistorias serão realizadas em mais de 211 prédios, o que não levará menos de 30 dias. Com base nesse levantamento, o plano de ação para os imóveis que têm necessidade de acessibilidade será executado pela Secretaria da Justiça, mas, por certo, abrangerá futuras gestões.
No grupo 2 (locados/cedidos), a adequação é responsabilidade do proprietário do prédio. Foi encaminhado ofício a todos os locadores/cedentes questionando a existência de certificado de acessibilidade (documento emitido pelas Prefeituras) ou a declaração de acessibilidade firmada por engenheiro (passo inicial para dar entrada nos pedidos junto às Prefeituras).
A Presidência está compilando as informações recebidas, e os que não tiverem a documentação deverão elaborar o projeto de acessibilidade para rápida execução.
A Presidência do TJ-SP é sensível às questões relativas à acessibilidade em todas as suas unidades e tem atuado para que as obras sejam feitas com plano elaborado em parceria (TJ-SP/Secretaria da Justiça) e tem contado com seus magistrados e servidores para que a prestação jurisdicional não encontre barreiras em questões estruturais.
(*) PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS 0001417-90.2015.2.00.0000