CNJ decide sobre censura em caso que envolve a independência do magistrado
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) deverá julgar nesta terça-feira (24) pedido de revisão para reverter a condenação de censura aplicada em agosto de 2018 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo ao juiz Roberto Luiz Corcioli Filho. (*)
O caso envolve polêmica sobre o garantismo penal e a independência dos magistrados. O relator é o conselheiro Emmanoel Pereira.
O processo administrativo começou com uma representação em que 17 promotores acusavam Corcioli Filho de promover, nos plantões judiciais, a “soltura maciça de indivíduos cujo encarceramento é imprescindível”.
No pedido de revisão ao CNJ, os advogados do juiz –Igor Sant’Anna Tamasauskas e Débora Cunha Rodrigues–, sustentam que o TJ-SP promoveu “inaceitável perseguição ideológica contra um magistrado digno”. A defesa vê na iniciativa o “intuito de intimidação de juiz que adota posições jurídicas plenamente fundamentadas e defensáveis apenas por destoarem daquelas adotadas e defendidas, em geral, pelos promotores subscritores”.
“Trata-se de estranho cenário, em que respeitado Juiz de Direito é prejudicado, por exemplo, ao seguir a orientação jurisprudencial de Tribunais Superiores no âmbito penal, sabidamente ignorada pela Corte de que faz parte e que o condenou.”
Segundo os advogados, Corcioli “foi punido pelo teor das suas decisões, em patente violação ao art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, a estabelecer que “salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir”.
“Infelizmente, não se trata de fato inédito na Justiça de São Paulo. Pelo contrário: mais uma vez, a exemplo do que fizera com a desembargadora Kenarik Boujikian, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu de forma contrária à legislação e à evidência dos autos”.
A defesa pede a absolvição de Corcioli “assim como fez exemplarmente no histórico julgamento da Revisão Disciplinar proposta por Kenarik Boujikian e acolhida em 29 de agosto de 2017 por dez votos a um”.
Entre as peças juntadas a título de confirmar a “conduta profissional impecável” de Corcioli, há uma manifestação conjunta de oito juízes que atuavam no mesmo fórum em que ele desempenhava suas funções, testemunhos de juristas, profissionais do direito e agentes relacionados à área da segurança.
Acusações ao magistrado
Eis algumas alegações dos promotores que representaram contra o juiz:
– “O representado [Corcioli Filho] possui ideologia contra o modelo de Sistema Penal vigente e favorável ao desencarceramento e absolvições, especialmente nos casos de tráfico de entorpecentes.”
– “(…) O representado relaxou a prisão em flagrante dos indiciados por crime de tráfico de drogas que estavam com 74 tijolos de maconha”, (…) “fundamentou no sentido de que a palavra de policiais civis não é válida e que não havia sido realizada audiência de custódia.”
– “Utiliza-se de premissas indefensáveis” (…), tais como ‘a palavra dos policiais, civis ou militares, é insuficiente’ (…) ‘guardas municipais não podem efetuar prisões em flagrante’”.
– “Seguindo sua ideologia contra o modelo de Sistema Penal vigente e favorável ao desencarceramento, vários são os casos em que o representado decide contra texto expresso de lei, visando satisfazer aquela ideologia.”
Opinião de juristas
Nas razões finais, há uma lista de juristas e professores que fizeram declarações e emitiram pareceres –todos em caráter pro bono–, opinando pela improcedência das imputações.
A defesa reproduz trechos de manifestações de Dalmo de Abreu Dallari, Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP, e Celso Luiz Limongi, morto em setembro de 2018, ex-Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo e da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis).
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“(…) Não tenho qualquer dúvida em afirmar que a proposta de punição do juiz Roberto Corcioli, aqui examinada, não tem a mínima consistência jurídica. A orientação adotada pelo preclaro magistrado, ainda que influenciada pela teoria do garantismo penal, condiz estritamente com os princípios e as normas da Constituição vigente que regem o direito penal, o direito penal juvenil e o processo penal no Brasil.
As decisões do ilustre magistrado Roberto Corcioli, invocadas na proposta de punição, não configuram parcialidade ou desvio politicamente influenciado, estando rigorosamente enquadrados nas normas éticas e jurídicas que devem ser obrigatoriamente respeitadas pelos magistrados de todos os níveis” (Dalmo de Abreu Dallari).
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“A função do juiz criminal não é a de um vingador implacável. (…) Fico espantado, com todas as vênias do Tribunal de Justiça, que amo intransitivamente, e por isso dói-me com mais intensidade, em ver que o juiz Roberto Luiz Corcioli Filho foi punido, em face de representação assinada por 23 promotores, acusando-o de conceder, com extrema liberalidade, a liberdade para presos” (Celso Luiz Limongi).
Também opinaram pela improcedência das acusações os seguintes juristas e professores:
Fernando Dias Menezes de Almeida, Professor Titular da Faculdade de Direito da USP
Sérgio Salomão Shecaira, Professor Titular da Faculdade de Direito da USP e ex-Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça
Calixto Salomão Filho, Professor Titular da Faculdade de Direito da USP e Professor do Institut de Sciences Politiques (Sciences Po, Paris)
Brisa Lopes de Mello Ferrão, Ex-Assessora Especial do Supremo Tribunal Federal e Doutora pela Faculdade de Direito da USP
Conrado Hübner Mendes, Professor Doutor da Faculdade de Direito da USP
Rafael Mafei Rabelo Queiroz, Professor Associado da Faculdade de Direito da USP
Luiz Flávio Gomes, Morto em abril deste ano, Doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madri
Geraldo Prado, Professor Associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
(*) REVISÃO DISCIPLINAR 0004729-35.2019.2.00.0000