Joaquim Barbosa não fez proselitismo racial
Em 25 de agosto de 2008, o ministro Joaquim Barbosa fez uma revelação surpreendente em entrevista concedida a este editor, na Folha. Ele afirmou que “enganaram-se os que pensavam que o Supremo Tribunal Federal iria ter um negro submisso, subserviente”.
Na ocasião, ele aceitou comentar os desentendimentos com alguns de seus pares -como os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Eros Grau. Ele atribuiu os atritos à defesa que fazia de “princípios caros à sociedade”, como o combate à corrupção.
“Engano pensar que sou uma pessoa que tem dificuldade de relacionamento, uma pessoa difícil. Eu sou uma pessoa altiva, independente e que diz tudo que quer. Se enganaram os que pensavam que, com a minha chegada ao Supremo Tribunal Federal, a Corte iria ter um negro submisso. Isso eu não sou e nunca fui desde a mais tenra idade.”
“Tenho certeza de que é isso que desagrada a tanta gente. No Brasil, o que as pessoas esperam de um negro é exatamente esse comportamento subserviente, submisso. Isso eu combato com todas as armas.”
Em novembro daquele ano, Joaquim Barbosa relutou, mas concordou em falar sobre a questão da discriminação no Brasil para uma edição especial sobre a consciência negra.
“Não me sirvo da minha posição para fazer proselitismo racial, social ou coisa que o valha. Seria abuso de poder. Tampouco me deixo instrumentalizar por movimentos, pela mídia ou por quem quer que seja. (…) Sou muito requisitado para todo tipo de evento, mas só aceito convites após muita reflexão e ponderação. Não permito que me usem.”
“A Justiça brasileira trata mal os pobres, especialmente os negros. (…) Tenho plena consciência das desigualdades brasileiras, sei que elas se manifestam nos mínimos gestos do cotidiano, na esfera pública, na esfera privada, na falta de oportunidade. Para enfrentar nossas imensas desigualdades, nós vamos ter que nos reinventar.”
“Situações de discriminação só tive no Brasil”, disse o ministro. “Na Europa e nos Estados Unidos, as pessoas já estão acostumadas com negros bem posicionados, falam com eles de igual para igual, não demonstram o ‘estranhamento’ tão comum entre nós.”
Barbosa assistira à posse de Barack Obama, nos Estados Unidos. “Foi um grande privilégio. Foi algo emocionante, no plano pessoal, ver as pessoas em absoluto estado de graça, de júbilo. Até mesmo na austera Corte Suprema, pude constatar esse clima de euforia”.
“Essa eleição foi uma demonstração da capacidade de regeneração que tem a sociedade americana. Foi uma bela demonstração da pujança das instituições democráticas.”
Na ocasião, ao comparar a questão da igualdade racial no Brasil e nos Estados Unidos, Barbosa disse que “a questão racial deve ser tratada sob a ótica da igualdade efetiva (e não retórica) de oportunidades e de acesso, coisa que os Estados Unidos vêm tratando com razoável eficiência, e o Brasil tem muita dificuldade em fazer, não obstante alguns avanços pontuais nos últimos dez, 12 anos”.
“Há 15 anos não havia negros na publicidade brasileira. Hoje já há, o que é muito positivo. Houve algum avanço tímido, muito tímido na mídia”, disse.
Em abril de 2012, quando o Supremo considerou constitucional a política de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da Universidade de Brasília (UnB), Barbosa elogiou o voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski.
A decisão foi um dos precedentes que levaram o Conselho Nacional de Justiça a aprovar a reserva aos negros de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na magistratura.
“O voto de Vossa Excelência está em sintonia com o que há de mais moderno na literatura sobre o tema”, afirmou Barbosa, ao cumprimentar naquela sessão o ministro Lewandowski, de quem tanto divergiria no julgamento do mensalão.
Em 2014, sob o título “Nem submisso nem pessoa de trato fácil“, publicamos no Blog:
Para o bem ou para o mal, dependendo de quem interpreta os fatos, deve-se a Joaquim Barbosa a abertura maior do Supremo Tribunal Federal à sociedade, expondo as fogueiras de vaidades, desentendimentos e outras peças inflamáveis.
A decisão de quebrar o sigilo da ação penal do mensalão permitiu ao cidadão comum conhecer um pouco do funcionamento desse Poder tão fechado. Sem a transmissão direta pela TV Justiça, talvez a ação penal não tivesse o mesmo desfecho.
Não deixa de ser uma coincidência curiosa o fato de Barbosa anunciar que deixará a Corte no momento em que o STF decide que os crimes comuns atribuídos a parlamentares, ministros e outras autoridades passarão a ser julgados pelas Turmas do STF. Sem maior publicidade.
(…)
Definitivamente, Barbosa não é uma pessoa de temperamento fácil. Deve ter dito tudo que quis, pois não foram poucos os episódios lamentáveis de destempero com jornalistas, advogados e magistrados.
Ele se empenhou, apesar dos problemas de saúde, para que o processo fosse concluído.