Jornalismo deseduca quando transforma juiz em lado, observa magistrado
Sob o título “Senhores jornalistas, entendam: Juiz NÃO é parte“, o texto a seguir é de autoria do juiz Gustavo Sauaia Romero Fernandes, da Comarca de Embu das Artes (SP).
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Gostaria de manifestar, breve e publicamente, minha estranheza com o termo “outro lado”, destinado por alguns veículos de comunicação à resposta pública do prefeito de Embu das Artes após notícia de condenação, proferida por mim, em Investigação Eleitoral na qual a sentença de primeiro grau cassou sua chapa. Um desavisado que ler a notícia terá a impressão de que, se o “outro lado” é o prefeito, o lado oposto é o juiz.
Virou praxe tratar o magistrado como parte interessada, como se tivesse sido o responsável pela propositura da ação. Parte, pois sim, é quem ingressou com o pedido –que, curiosamente, a maior parte das matérias sequer menciona.
Nunca julguei e nunca julgarei ninguém por conta própria. Ainda que veja uma infração escancarada, nada posso fazer sem que seja proposta ação. O mesmo vale para todos os colegas, pois nosso ordenamento jurídico não consagra o processo inquisitivo, no qual o juiz se assemelha a árbitro de futebol, acusando e julgando.
O jornalismo presta um desserviço educativo quando transforma juiz em lado. Como tantas vezes fez com colegas brasileiros –a ponto de uma revista ter falado em “duelo” entre juiz e réu, em famoso processo. Como, de forma igualmente constrangedora, tentou fazer com os julgadores italianos que condenaram o jogador Robinho.
Insolitamente, os magistrados foram tratados como partes e os advogados como entes imparciais. Até que, finalmente, um repórter se deu ao trabalho de ler os documentos e desmascarar os “esclarecimentos” dos causídicos do réu.
Também chama a atenção como este enfoque ocorre usualmente com integrantes da primeira instância –talvez porque, normalmente, seja um único sentenciador. Quando o sarrafo sobe, ficam mais cuidadosos e explicativos.
É pedir demais que todo magistrado receba o mesmo tratamento? Fica o convite para que a imprensa reflita. Não apenas sobre isso, mas também na hora de explicar a decisão aos leitores e telespectadores.
Procurei decidir da forma mais didática possível para que partes (de verdade) e público entendam aquilo com o que estão concordando e discordando. Não é muito agradável ler, no dia seguinte, conclusões que nem de longe foram tomadas.
Ler as decisões, tirando dúvidas com alguma forma de consultoria jurídica, seria um ótimo aprimoramento.
Saudações e votos de melhores dias para todos.