Suspender sabatina de filho de Napoleão seria atuação prematura, diz relator

“Uma vez submetida, a essa Casa Legislativa [Câmara Federal], a indicação, para, por meio de sabatina, avaliar o atendimento dos requisitos estabelecidos pela Lei Maior, surge incabível a atuação prematura do Supremo.”

Foi esse o entendimento do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, para indeferir o pedido de liminar em mandado de segurança impetrado pela Associação dos Servidores do Conselho Nacional de Justiça – Asconj. (*)

A entidade questionou ato do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que indicou Mário Henrique Aguiar Goulart Nunes Maia para o cargo de conselheiro do CNJ. O indicado é filho do ministro do STJ Napoleão Nunes Maia.

A associação vê nepotismo administrativo e falta de notório saber jurídico do candidato. Por entender que a indicação é inconstitucional, pediu também a anulação do procedimento administrativo e a repetição de todas as etapas.

A Asconj requereu “a abertura de novo prazo para os líderes de partido encaminharem os nomes de cidadãos e cidadãs de notável saber jurídico, devidamente instruídos com o currículo dos mesmos, e que a candidatura não esteja eivada de nepotismo”.

Marco Aurélio determinou que fosse ouvido o presidente da Câmara Federal, dada ciência à Advocacia-Geral da União e colhido parecer da Procuradoria Geral da República.

A seguir, a decisão do relator e, em seguida, os memoriais escritos juntados pela associação.

DECISÃO

  1. A assessora Isabela Leão Monteiro assim retratou o mandado de segurança:

Associação dos Servidores do Conselho Nacional de Justiça – Asconj insurge-se contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados por meio do qual indicado Mário Henrique Aguiar Goulart Nunes Maia, filho do ministro do Superior Tribunal de Justiça Napoleão Nunes Maia Filho, para o cargo de Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça.

Afirma a legitimidade ativa, aludindo ao interesse, por parte dos representados, na regularidade do funcionamento do Órgão.

Realça o curto prazo do procedimento de escolha, no que noticiada, pelo impetrado, em 20 de outubro de 2020, a realização da eleição, a qual ocorreu em 27 imediato.

Frisa a data do surgimento da vaga – 25 de junho de 2021. Sustenta contrariados os princípios da eficiência, da impessoalidade e da moralidade.

Ressalta que o candidato não tem notável saber jurídico, enfatizando possuir único título, de graduação em Direito pela Faculdade Farias Brito, do Ceará, concluída em 2012.

Salienta o tempo de atividade jurídica, destacando aprovação, em 2019, no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Evoca o verbete vinculante no 13 da Súmula, a versar nepotismo, mencionando a natureza administrativa do cargo.

Sob o ângulo do risco, aponta a realização de sabatina, no Senado Federal, em 15 de dezembro próximo.

Requer, no campo precário e efêmero, a suspensão do ato de indicação, determinando-se a não realização da sabatina. No mérito, busca a anulação do procedimento administrativo e a repetição de todas as etapas.

  1. A teor do artigo 103-B, inciso XIII, da Constituição Federal, integra o Conselho Nacional de Justiça um cidadão, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicado pela Câmara dos Deputados.

O § 2o do dispositivo prevê a nomeação pelo Presidente da República depois de a maioria absoluta do Senado Federal ter aprovado a escolha.

Uma vez submetida, a essa Casa Legislativa, a indicação, para, por meio de sabatina, avaliar o atendimento dos requisitos estabelecidos pela Lei Maior, surge incabível a atuação prematura do Supremo.

  1. Indefiro o pedido de implemento de medida acauteladora.
  1. Ouçam o impetrado e deem ciência à Advocacia-Geral da União – artigo 7º, incisos I e II, da Lei nº 12.016/2009.
  1. Após, colham parecer da Procuradoria-Geral da República – artigo 12 do mesmo diploma legal.
  1. Publiquem.

Brasília, 14 de dezembro de 2020.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

***

A seguir, os memoriais escritos apresentados pela Asconj:

MEMORIAIS

A ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – ASCONJ, já qualificada na inicial, impetrante da presente Ação de Mandado de Segurança, vem, respeitosamente, apresentar MEMORIAIS ESCRITOS, que sintetizam toda a matéria de forma e de fundo discutida nos presentes autos, a fim de ressaltar a relevância e a procedência do pedido deduzido na inicial.

BREVE SÍNTESE DA DEMANDA

Tratam os autos de Mandado de Segurança, com pedido liminar, cujo objetivo é impugnar a eleição da Câmara dos Deputados que, proclamou eleito o senhor Mário Henrique Aguiar Goulart Ribeiro Nunes Maia, filho do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do Superior Tribunal de Justiça – STJ, para o cargo de Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, na vaga constitucionalmente reservada à indicação da Câmara dos Deputados e também suspender a Sabatina no Senado Federal, que acontecerá amanhã, dia 15 de dezembro de 2020.

Como é demonstrado no processo, todo o procedimento que levou à indicação do mencionado candidato deverá ser anulado já que não observou o devido processo legal administrativo e os princípios da impessoalidade, eficiência e moralidade administrativas, dispostos no art. 37, caput, da CF/1988, além do fato de o cargo de Conselheiro do CNJ ser na espécie administrativo, o que assim, de acordo com a súmula vinculante de número 13, trata-se de nepotismo.

A inobservância desses princípios levou Deputados e Deputadas Federais a erro na avaliação do mencionado candidato que, conforme demonstrado no MS, não possui notável saber jurídico, requisito constitucional constante do art. 103-B, XIII da Constituição Federal.

A escolha de pessoa sem notável saber jurídico para o cargo de Conselheiro na vaga reservada à cidadania impede que a sociedade esteja adequadamente representada no CNJ, o que fere o princípio da cidadania e do pluralismo político (CF, art. 1º, II e V). O ato também afronta a divisão funcional de Poderes, na medida em que enfraquece a correção jurídica das decisões do CNJ (CF, art. 2º) e menospreza o verdadeiro sentido do Poder Judiciário: a garantia de acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV), para a qual é indispensável o conhecimento da ciência do Direito.

E, ainda que o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho não tenha concorrido para qualquer êxito na indicação de seu filho, a indicação do advogado Mário Maia configura-se como nepotismo, por se tratar de presunção estabelecida pela jurisprudência do STF, independentemente das circunstâncias fáticas que a envolvam, funcionando como uma hipótese de ilícito per se do direito antitruste.

AUSÊNCIA DE NOTÁVEL SABER JURÍDICO

O indicado ao cargo de Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, órgão que tem entre suas atribuições fiscalizar todos os órgãos do Poder Judiciário, notadamente controlar condutas funcionais de Juízes e Desembargadores, possui, unicamente, a seguinte titulação:

  • Graduação em Direito Faculdade Farias Brito/CE (2008 – 2012)

No procedimento (docs. 3 em anexo) que acompanha o ofício “S”, Mário Maia indicou que cursa, atualmente e de forma concomitante, três especializações no Brasil e um mestrado em Portugal.

São esses:

  • Especialização em Direito Público PUC Minas Gerais (2020) Matrícula nº 1109046-4
  • Especialização em Direito Processual PUC Minas Gerais (2020) Matrícula nº 1110225-0
  • Especialização em Filosofia e Teoria do Direito PUC Minas Gerais (2020) Matrícula nº 1109055
  • Mestrado em andamento em Gestão e Políticas Públicas Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade de Lisboa, UL, Portugal (2016 – 2021) Matrícula nº 222636

Portanto, o Sr. Mário Henrique Maia, não apresenta, nesta data, qualquer título acadêmico além da graduação em Direito concluída apenas em 2012.

Em termos profissionais, segundo informações públicas, o indicado, graduado em 2012, não foi aprovado nas provas para ingresso na Ordem dos Advogados do Brasil nos anos de 2016, 2017 e 2018, conseguindo sua aprovação apenas em 2019. Após, portanto, inúmeras inscrições nas provas para o ingresso nos quadros da OAB.

Ademais, ao referenciar sua trajetória na advocacia, Mário Maia lista tão-somente 5 ações em curso, 4 ações são do TJCE e 1 ação do TRT7.

Em síntese, notável saber jurídico é uma garantia de acesso à Justiça. Juízes e juízas que desconhecem o Direito como disciplina, ou que o conhecem de forma precária, ameaçam a qualidade das decisões e, portanto, o acesso à Justiça. Todos e todas têm o direito fundamental a decisões corretas.

Assim, resta claro o direito da impetrante de garantir que seus associados e associadas exerçam suas funções públicas em órgão composto por Conselheiros e Conselheiras detentores de notável saber jurídico, aptos a exercer a função de magistrados e capazes de representar a cidadania no CNJ.

DO DESRESPEITO À SÚMULA VINCULANTE 13 E À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A indicação para função de Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, pelo Sr. Mário Maia, cargo de grande prestígio e complexidade do sistema jurídico brasileiro, configura flagrante violação à Súmula Vinculante nº 13, portanto se trata de claro nepotismo, por ser filho de um Ministro do STJ.

Pois o cargo de conselheiro do CNJ é eminentemente administrativo, semelhante aos cargos do Tribunal de Contas. E para isso, mostra-se necessário trazer à baila o seguinte precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal: a Rcl 6702 MC-AgR, relator ministro Ricardo Lewandowski, que assentou, na aludida decisão colegiada, que a indicação e a nomeação de parente para vaga de conselheiro do Tribunal de Contas não é viável, uma vez que tal cargo, por dizer respeito à atividade de controle da Administração Pública, sem qualquer formulação de política pública, deve ser reputado como eminentemente administrativo para fins de nepotismo.

A Súmula Vinculante nº 13, portanto, não pode ser desconsiderada, de modo que a sua interpretação e aplicação devam ocorrer sem quaisquer reservas, por não se tratar o cargo de conselheiro do CNJ como político, mas sim administrativo. Para tanto, importante trazer à baila a literalidade da Súmula Vinculante nº 13, e pela sua redação textual, verifica-se que o simples fato de o indicado ser parente em linha reta de primeiro grau de servidor — no caso, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho — da mesma pessoa jurídica (União) para o exercício de cargo em comissão é razão suficiente para a configuração de nepotismo, o que torna nula a indicação, pela Câmara dos Deputados, de Mário Maia ao cargo de conselheiro do CNJ.

Diante do exposto, é inequívoco que a indicação do Sr. Mário Maia, para o cargo de Conselheiro do CN, está eivada de inconstitucionalidade e desrespeita de forma irrefutável a SV 13, por seu flagrante caráter personalista, razão pela qual se impõe a concessão da segurança preventiva, para que o ato não se materialize.

DO PEDIDO LIMINAR

Para a concessão do pedido liminar se faz necessária a presença simultânea dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora.

O fumus boni iuris está fartamente demonstrado nos fundamentos jurídicos que antecedem este memorial e na petição inicial do Mandado de Segurança.

Já o periculum in mora reside no fato de que segundo Ofício “S” n° 7, de 2020, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal realizará a sabatina amanhã, 15 de dezembro, de 2020.

A argumentação deduzida acima demonstra plausibilidade das ilegalidades suscitadas. O periculum in mora decorre do caráter irreparável ou de difícil reparação dos efeitos que podem decorrer da conclusão do procedimento administrativo de indicação de um Conselheiro para o CNJ que não atendeu aos princípios constitucionais que regulam o processo administrativo e a Administração Pública.

Diante do exposto, conclui-se que única solução juridicamente possível a este Mandado de Segurança é a procedência total do pleito apresentado na inicial, determinando que se anule definitivamente o procedimento administrativo viciado e se determine a repetição de todas as etapas do procedimento de indicação ao cargo de Conselheiro do CNJ, com abertura de novo prazo para os líderes de partido encaminharem os nomes de cidadãos e cidadãs de notável saber jurídico, devidamente instruídos com o currículo dos mesmos, e que a candidatura não esteja eivada de nepotismo, bem como definição de data para nova votação e a suspensão e comunicação ao Senado Federal para fins de suspensão da sabatina, marcada para amanhã, 15 de dezembro de 2020.

Brasília-DF, 14 de dezembro de 2020.

ADJÂNYO DA COSTA SANTOS

OAB/DF 57.921

(*) MS 37.591