Augusto Aras antecipa em 14 meses disputa por vaga no colegiado do CNJ
Com mais de um ano de antecedência, o procurador-geral da República, Augusto Aras, deflagrou em agosto o processo para escolher quem vai suceder a conselheira Ivana Farina Navarrete Pena no CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Ex-procuradora-geral de Justiça de Goiás, ela ocupa a vaga do Ministério Público dos Estados no CNJ. Seu mandato só terminará no dia 22 de outubro de 2021.
A iniciativa de Aras foi vista no CNJ como um recado para Ivana Farina, de que ela não seria reconduzida, por pertencer ao grupo da ex-PGR Raquel Dodge, que a nomeou. Ela poderia concorrer a um novo mandato, mas não se inscreveu para disputar as eleições do MP-GO, no último dia 15.
Consultadas, Raquel Dodge e Ivana Farina não quiseram se manifestar.
Augusto Aras diz que “os prazos são antecipados para que haja tempo da sabatina e, em tempos de COVID-19, não seja necessário esperar até um ano para a apreciação pelo plenário do Senado –a exemplo da indicação do CNMP que há um ano está desfalcado de três membros”.
Segundo Aras, “o procurador regional da República Sidney Madruga e os demais que esperam há um ano, no melhor dos cenários, serão aprovados em abril para assumirem no Conselho Nacional de Justiça e no Conselho Nacional do Ministério Público”.
“Enquanto isso, os colégios ficam sem completar as vagas, prejudicando o quórum dos julgamentos mormente dos processos disciplinares”, conclui o PGR.
Aliados de Aras
Dois dos candidatos já eleitos em seus estados são aliados de Aras e citados como favoritos na disputa para suceder a Ivana Farina: o promotor Carlos Vinícius Alves Ribeiro, de Goiás, e o promotor João Paulo Santos Schoucair, da Bahia.
Carlos Vinícius obteve 201 votos na disputa que reuniu 321 votantes. Ele disputou a vaga de representante dos MPs estaduais no CNJ quando Raquel Dodge indicou Ivana –ela sucedeu a Arnaldo Hossepian, do MP paulista.
Em março deste ano, Carlos Vinicius tomou posse como coordenador de Relações Institucionais da Escola do Ministério Público. Em junho, Aras nomeou o promotor goiano membro auxiliar da presidência do CNMP.
Em novembro, o MP da Bahia elegeu o promotor Schoucair, que obteve 88% dos votos válidos. Na campanha eleitoral, ele divulgou cartaz apresentando-se como coordenador do GAECO do MP-BA e Membro Auxiliar da PGR.
Ele é um dos auxiliares da Assessoria Jurídica Criminal da PGR no Superior Tribunal de Justiça. A assessoria é coordenada pela subprocuradora-geral Lindora Araújo. Segundo a imprensa local, Schoucair participa das investigações envolvendo desembargadores e juízes do Tribunal de Justiça da Bahia.
Professor de Direito Processual Penal, pós-graduado em Ciências Criminais, ele é associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e ao Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).
O nome de Ivana Farina foi anunciado por Raquel Dodge em março de 2019 e aprovado pelo Senado seis meses depois. Quando divulgou a escolha, a então PGR citou como fatores determinantes da escolha o “inabalável compromisso [da conterrânea] com as liberdades e a democracia, por sua atuação incessante, incisiva, resolutiva, entusiasmada e profunda no enfrentamento do crime e na promoção de direitos; por um histórico de lealdade à sua missão constitucional e demonstração de caráter no exercício de suas funções”.
Ela foi a mais votada no MP-GO e no Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça (CNPG).
Ivana Farina foi responsável pela Secretaria de Direitos Humanos e Defesa Coletiva do CNMP; presidiu o Conselho Nacional de Direitos Humanos; foi a primeira mulher a presidir o CNPG. No CNMP, atuou na Comissão de Controle Externo da Atividade Policial, no controle do sistema carcerário e de medidas socioeducativas aplicadas a menores.
Semelhanças e antecedentes
De certa forma, a escolha para a vaga de Ivana Farina repete o que houve na indicação do advogado Mário Henrique Nunes Maia –filho do recém-aposentado ministro do STJ Napoleão Nunes Maia– para a vaga da Câmara Federal.
A articulação política do então ministro para emplacar o filho como conselheiro do CNJ começou em julho de 2020. Ou seja, um ano antes do término do mandato da conselheira indicada pela Câmara, Maria Tereza Uille Gomes, em junho de 2021.
Despreparado, o candidato ainda enfrenta resistências devido à falta do notório saber jurídico exigido para o cargo, e por causa do nepotismo explícito.
Ele foi aprovado em sabatina com uma votação apertada: 16 votos favoráveis e 10 contrários. Por intermédio de sua assessoria, afirmou que o mandado de segurança movido por associação de servidores, pedindo a suspensão da sabatina, era um ato de má-fé.
A confirmação de Mário Henrique ocorreu em prazo curto. Os entendimentos no Legislativo foram conduzidos internamente, sem transparência, por lideranças de partidos e bancadas. A escolha foi noticiada em 20 de outubro, a eleição aconteceu sete dias depois.
Aparentemente, quando os interesses políticos exigem, o procedimentos são rápidos. Mesmo em tempos de Covid-19.
Mário Henrique foi eleito antes do final do mandato de Rodrigo Maia na presidência da Câmara (em fevereiro); antes da aposentadoria do pai-ministro (em dezembro), o que reduziria seu cacife. O mandato de Aras termina em setembro de 2021, um mês antes da abertura da vaga de Ivana Farina.
Para os candidatos que aspiram chegar ao colegiado, é longa a caminhada do Ministério Público estadual ao órgão de controle do Judiciário. Quem indica o nome para a vaga do Ministério Público dos Estados no CNJ é o PGR. O processo começa com a eleição de candidatos nos MPs estaduais.
Forma-se uma lista tríplice apresentada ao PGJ, que escolhe o representante do estado e encaminha o nome ao presidente do CNPG (Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça). É feita uma lista tríplice, remetida ao PGR, que escolhe um nome, envia ao Supremo Tribunal Federal, que, por sua vez, encaminha ao Senado. O candidato é submetido a sabatina e sua nomeação depende de aprovação do plenário.
Autor da costura
Em mensagem que enviou aos PGJs, Aras solicitou a “deflagração do início do procedimento para a indicação” do promotor escolhido em cada Estado. Ele informou que tomou a providência “em atendimento a ofício subscrito pelo presidente do CNJ” [o então presidente Dias Toffoli].
Aras não mencionou que a mensagem de Toffoli foi uma resposta a ofício que ele, Aras, enviara ao presidente do CNJ, em 19 de agosto, reiterando a “solicitação de que o procedimento de escolha da representante do Ministério Público estadual para compor o CNJ seja iniciado”.
Disse Aras naquela consulta: “Em que pese a vigência do atual mandato da referida vaga encerrar-se em outubro de 2021, considerando que o atual contexto da pandemia do coronavírus enseja dificuldades na promoção de debates e reuniões entre os quase trinta chefes de unidades ministeriais e pode prejudicar o processo de escolha do(a) indicado(a), solicito os bons préstimos de que o procedimento junto ao mencionado colegiado seja iniciado com maior antecedência do que a praticada em anteriores situações de normalidade”.
Toffoli respondeu: “Informo que o mandato da Excelentíssima Conselheira Ivana Farina Navarrete Pena tem data de vigência até 22 de outubro de 2021 e, diante dos respeitáveis argumentos descritos no documento, solicito a Vossa Excelência que adote os procedimentos cabíveis para que se inicie, com antecedência necessária, o procedimento de escolha de representante do Ministério Público Estadual para compor este Conselho”.
Toffoli respondeu a consulta de Aras em 4 de setembro. Quatro dias antes de encerrar o mandato como presidente do CNJ.
N.R. –
- Os documentos citados neste post foram obtidos junto às assessorias de imprensa da Procuradoria-Geral da República e do Conselho Nacional de Justiça.
- O Blog solicitou ao Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça (CNPG), uma semana atrás, informações sobre o processo de eleição nos vários MPs estaduais. Ainda aguarda os dados.
- Em nota enviada ao Blog, a assessoria de imprensa de Mário Henrique Nunes Maia afirma que o advogado “tem um profundo respeito por opiniões divergentes e apreço pela magistratura nacional, o que se reflete em seus artigos e livros, frutos da dedicação em estudos da jurisprudência, da doutrina, dos julgados e da teoria jurídica brasileira”.