Os 364 votos que blindariam o filhotismo no Poder Judiciário
Quando a Câmara Federal aprovou a indicação para o Conselho Nacional de Justiça do inexperiente advogado Mário Henrique Nunes Maia, filho do recém-aposentado ministro do STJ Napoleão Nunes Maia, a assessoria do candidato informou que ele “recebeu significativos 364 votos de representantes de diversos partidos (…) comprovando a confiança da maioria dos parlamentares na capacidade técnica do indicado para exercer a função”. [grifo nosso]
Segundo revela Fabio Serapião, da revista Crusoé, a Câmara aprovou no final do ano legislativo requerimento de urgência para projeto de lei que pretende blindar de investigações criminais escritórios de advocacia e filhos de magistrados.
“A sessão tinha 364 deputados conectados pelo aplicativo de sessões remotas da Câmara [grifo nosso]. Ao menos, era o que indicava o painel eletrônico da Casa, quando, na verdade, poucos líderes estavam de fato presentes em plenário”, diz a revista.
“Optou-se, então, pela votação simbólica do requerimento de urgência, apenas com a orientação dos partidos, quase que unânimes no sentido de apressar o debate do projeto.”
Coincidência?
Entre os citados na reportagem estão o advogado Eduardo Martins, filho do ministro Humberto Martins, presidente do STJ; o advogado Caio Rocha, filho do ex-presidente do STJ Cesar Asfor Rocha –e Napoleão Nunes Maia.
Humberto Martins e Napoleão Nunes Maia são tidos como os ministros do STJ mais próximos de Asfor Rocha –que ainda é prestigiado no Tribunal da Cidadania.
Em outubro, o corregedor-geral da Justiça Federal, ministro Jorge Mussi, atual vice-presidente do STJ, incluiu Asfor Rocha entre os membros do Conselho Editorial do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal.
Um mês antes, a Polícia Federal cumprira ordens de busca e apreensão, entre outros, nos escritórios de Asfor Rocha e de seu filho Caio Rocha.
As medidas foram autorizadas pelo juiz Marcelo Bretas, responsável pela Operação Lava Jato no Rio de Janeiro. A origem da apuração foi a delação premiada do ex-presidente da Fecomércio, Sesc Rio e Senac Rio, Orlando Diniz –fato tratado na reportagem da Crusoé.
Na ocasião, Asfor Rocha disse, em nota, que “as suposições feitas pelo Ministério Público em relação a nosso escritório não têm conexão com a realidade”.
Nepotismo e inexperiência
Juízes membros da Associação Nacional para a Defesa da Magistratura (ADM) pediram liminar, em caráter de urgência, para suspender a aprovação do filho de Napoleão Nunes Maia, impedindo sua nomeação para o órgão de controle externo do Judiciário.
Alegam “falta do notável saber jurídico” e nepotismo administrativo, “ferindo os princípios da moralidade e da impessoalidade”.
O juiz federal Renato Coelho Borelli, do Distrito Federal, determinou a intimação de Mário Henrique, do deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do senador David Alcolumbre (DEM-AP), presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente, para se manifestarem sobre a ação popular.
O magistrado vai apreciar o pedido de liminar após ouvir os intimados.
A Associação dos Servidores do Conselho Nacional de Justiça (Asconj), por sua vez, impetrou mandado de segurança com pedido de liminar para suspender a sabatina de Mário Henrique. O relator, ministro Marco Aurélio, indeferiu a liminar. Julgou incabível a atuação prematura do Supremo.
A entidade também requereu a anulação do processo administrativo, que considera viciado, e a repetição de todas as etapas do procedimento de indicação do advogado pela Câmara Federal por ausência de notável saber jurídico.
Marco Aurélio determinou que fosse ouvido o presidente da Câmara Federal, dada ciência à Advocacia-Geral da União e colhido parecer da Procuradoria Geral da República.
Os dois episódios –o lobby para a aprovação de Mário Henrique no CNJ e o projeto para brecar a investigação de suspeitos de corrupção– têm em comum o “esforço concentrado” da Câmara antes do final do mandato do atual presidente, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), em fevereiro.
“Se dentro do Congresso os apoiadores da medida são aqueles mesmos que, encalacrados com a Justiça, se valem do ofício de legislar para impor travas ao combate à corrupção, do lado de fora do Legislativo os interessados na aprovação do projeto vão desde renomados escritórios de advocacia –muitos deles enredados em escândalos de desvios de dinheiro público praticados em conluio com seus próprios clientes– a magistrados, entre os quais ministros de cortes superiores cujos filhos causídicos foram flagrados em supostas transações nada republicanas”, diz a Crusoé.