‘Primeira Turma do STF contribui para gerar a impunidade dos feminicídios’

Estamos em sofrimento, estamos em reflexão e nos perguntando o que poderíamos ter feito para que esta brasileira Viviane não fosse morta.

Precisamos que esse silêncio se transforme em ações positivas para que nossas mulheres e meninas estejam a salvo, para que nosso país se desenvolva de forma saudável.”

 (Nota do STF e do CNJ sobre o feminicídio da juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi. Veja a íntegra da manifestação no final do post.)

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Sob o título “Sugestão ao ministro Luiz Fux”, o texto a seguir é de autoria de Luiz Antonio Guimarães Marrey, procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo.

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Na véspera do Natal, uma juíza do Rio de Janeiro foi vítima de feminicídio, praticado na frente de suas três filhas. O crime foi vil, horroroso e teve destaque também pela profissão da vítima.

Muitos feminicídios ocorrem no país, com menos repercussão, em que mulheres são mortas por maridos, companheiros, ex-namorados.

A impunidade é grande fator criminógeno nesse caso. Julgado pelo Tribunal do Júri, no passado a tese de defesa que era aceita com alguma frequência era a da legítima defesa da honra e levava a inaceitáveis absolvições.

Casos tristemente famosos nos lembram que mesmo após uma condenação, poucos anos depois ressurgem em liberdade Doca Street ou Pimenta Neves, autores de crimes de feminicídio, que são crimes de arrogância e poder.

No caso Doca Street, que matou Ângela Diniz, ele ainda foi absolvido no primeiro julgamento e o absurdo foi corrigido pelo Tribunal de Justiça que determinou a realização de outro, tal como previsto no Código de Processo Penal, quando então o criminoso foi condenado.

Pimenta Neves passou muitos anos em liberdade interpondo recursos procrastinatórios até que ao final teve que cumprir a pena, dando exemplo de impunidade pela demora.

Com o terrível crime sofrido pela juíza, o presidente do STF disse que o tribunal se compromete a erradicar a violência contra as mulheres.

É objetivo nada fácil, que envolve educação, prevenção e punição. Mas o Colendo STF pode começar levando a julgamento no plenário e cassando decisão da sua Primeira Turma, que em caso de feminicídio tentado, decidiu que o Ministério Público não pode recorrer de decisão absolutória absurda.

Essa triste  decisão, tomada recentemente, alterou décadas  de jurisprudência de  aplicação de dispositivo do Código de Processo Penal, que permite que as partes apelem quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos.

Ora, ao contrário da sincera e indignada intenção manifestada pelo presidente da mais alta Corte do país, a decisão referida ignora as suas  consequências na vida real das pessoas, contribuindo para gerar impunidade dos feminicídios, dos crimes praticados por gente poderosa, das execuções sumárias praticadas por agentes públicos ou por grupos de extermínio.

A mudança de orientação da decisão da Primeira Turma, com todo respeito, tem fundamento jurídico totalmente equivocado pois mesmo a soberania das decisões do Tribunal popular não é absoluta, como está em vigor no país há décadas.

Fica portanto minha sugestão ao eminente ministro Fux para combater os feminicídios no sentido de colocar em pauta no plenário, o quanto antes, o recurso interposto pelo Ministério Público para cassar a decisão da Primeira Turma que arromba a porta para a impunidade dos referidos crimes.

Não é medida  suficiente para enfrentar a violência mas seria um bom e efetivo começo!

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Eis a manifestação emitida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Luiz Fux:

Nota do STF e do CNJ em razão do feminicídio da juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi

Enquanto nos preparávamos para nos reunir com nossos familiares próximos e para agradecer pela vida, veio o silêncio ensurdecedor. A tragédia da violência contra a mulher, as agressões na presença dos filhos, a impossibilidade de reação e o ataque covarde entraram na nossa casa, na véspera do Natal, com a notícia do feminicídio da juíza de Direito Viviane Vieira do Amaral Arronenzi.

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do seu presidente e do Grupo de Trabalho instituído para o enfrentamento da violência doméstica contra a mulher, consternados e enlutados, unem-se à dor da sociedade fluminense e brasileira e à dos familiares da Drª Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, magistrada exemplar, comprometendo-se, nessa nota pública, com o desenvolvimento de ações que identifiquem a melhor forma de prevenir e de erradicar a violência doméstica contra as mulheres no Brasil.

Tal forma brutal de violência assola mulheres de todas as faixas etárias, níveis e classes sociais, uma triste realidade que precisa ser enfrentada como estabelece a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, Convenção de Belém do Pará, ratificada pelo Brasil em 1995.

Deve ser redobrada, multiplicada e fortalecida a reflexão sobre quais medidas são necessárias para que essa tragédia não destrua outros lares, não nos envergonhe, não nos faça questionar sobre a efetividade da lei e das ações de enfrentamento à violência contra as mulheres. O esforço integrado entre os Poderes constituídos e a sensibilização da sociedade civil, no cumprimento das leis e da Constituição da República, com atenção aos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, são indispensáveis e urgentes para que uma nova era se inicie e a morte dessa grande juíza, mãe, filha, irmã, amiga, não ocorra em vão.

Estamos em sofrimento, estamos em reflexão e nos perguntando o que poderíamos ter feito para que esta brasileira Viviane não fosse morta. Precisamos que esse silêncio se transforme em ações positivas para que nossas mulheres e meninas estejam a salvo, para que nosso país se desenvolva de forma saudável.

Lamentamos mais essa morte e a de tantas outras mulheres que se tornam vítimas da violência doméstica, do ódio exacerbado e da desconsideração da vida humana. A morte da juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, no último dia 24 de dezembro de 2020, demonstra o quão premente é o debate do tema e a adoção de ações conjuntas e articuladas para o êxito na mudança desse doloroso enredo. Pela magistrada Viviane Vieira do Amaral Arronenzi. Por suas filhas. Pelas mulheres e meninas do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça