A árvore dos eleitos e seus jabutis
O artigo a seguir é de autoria de Gustavo Sauaia Romero Fernandes, juiz de direito do TJ-SP.
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A decisão do ministro Nunes Marques provocou a ida de alguns eleitos inelegíveis ao Tribunal Superior Eleitoral, requerendo a diplomação para fins de posse. Vamos focar este ponto: eleitos inelegíveis, por força de condenação definitiva pela prática de crimes. Crimes cujos autores, pela incompatibilidade óbvia com função pública, não teriam condições de ser representantes populares. Ainda assim, eleitores os consagraram nas urnas, como já fizeram antes. E farão de novo.
Pessoalmente, este magistrado considera que a Lei da Ficha Limpa não foi um avanço, mas uma confissão de atraso social.
A necessidade de sua existência constitui reconhecimento oficial de que o “rouba, mas faz” é argumento decisivo num pleito, porque muitos eleitores acham que “roubar” é um erro qualquer. Detalhe: com mais de um século de República e a poucas décadas do centenário da Justiça Eleitoral.
Parte considerável do eleitorado brasileiro simplesmente não entendeu o conceito de coisa pública. Ou entendeu, mas é tão desenganada que se contenta com quem lhe prestar favores –mesmo que com seu próprio dinheiro.
Não é por menos que, em tempos de bonança nacional (ou não), discussões de certos temas são recebidas com olhares irritados, como que transmitindo a mensagem “tremenda coisa chata esse papo de ética”. Neste contexto, como tentativa de atenuar os efeitos nocivos desta visão, pensou-se no que usualmente o brasileiro pensa nestas horas: “e se fizéssemos uma Lei?”.
No caso, uma Lei para conter, na eleição de governantes e parlamentares, os males do nosso sistema processual repleto de Vitórias de Pirro. Foi esta a razão da Lei da Ficha Limpa: servir de babá para marmanjos que já deveriam saber votar sozinhos.
Ocorre que esta meta nunca chegou perto da plenitude. As vitórias sem pódio na Justiça seguem assolando o país. Seja por brechas, seja pela estrutura sobrecarregada.
Não são poucos os processos em que o candidato irregular completa o mandato, candidata-se a outro e, quando finalmente se confirma a sentença, nem mesmo a inelegibilidade existe mais. Isso porque o intento foi dar eficácia imediata a decisões não transitadas em Julgado. Sendo que até as transitadas, como nos casos atingidos pela suprema decisão, podem ser inutilizadas.
A Lei da Ficha Limpa não é enganosa como cloroquina, mas tampouco foi o remédio potente contra candidaturas escusas.
A vacina seria o eleitor responsável, que por si rejeitaria histórias mal contadas. Se quem vota não fizer sua parte, o curso deste rio seguirá insolitamente rumo ao esgoto. Começar rejeitando criminosos condenados já seria uma colaboração gigantesca. Afinal, tartaruga segue não subindo em árvore.