Corregedora vai ouvir juíza que desafia CNJ e critica uso de máscara anti-Covid
A corregedora nacional de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura, determinou que a juíza Ludmila Lins Grilo preste informações sobre manifestações nas redes sociais contra medidas de prevenção à Covid-19, estimulando as aglomerações. (*)
O advogado José Belga Assis Trad, de Campo Grande (MS), ofereceu reclamação disciplinar contra a titular da vara criminal da Infância e Juventude em Unaí, Minas Gerais.
Segundo Trad, no final do ano a juíza defendeu “aberta e entusiasticamente, na sua conta do Twitter, que possui um número expressivo de seguidores (mais de 130 mil), a aglomeração de pessoas nas praias e festas do litoral brasileiro”.
“Agora desaforando não só as autoridades sanitárias que recomendam, senão o isolamento, ao menos o distanciamento social, a reclamada [Ludmila] resolveu desafiar a autoridade do Conselho Nacional de Justiça”, afirma o advogado.
A decisão da corregedora nacional foi tomada depois que o conselheiro do CNJ Marcos Vinícius Jardim Rodrigues requereu liminar “para obstar a magistrada de novas condutas da espécie”.
Rodrigues é advogado indicado ao CNJ pelo Conselho Federal da OAB.
No relatório, Maria Thereza de Assis Moura registrou que as alegações do conselheiro “são as mesmas já trazidas pelo advogado José Belga Assis Trad, com duas questões adicionais”.
1) De acordo com o conselheiro, a juíza teria publicado manifestação “grosseira e desequilibrada a respeito das audiências de custódia” na plataforma Twitter.
2) Além de disseminar em redes sociais atos e comportamentos manifestamente contrários à prevenção e combate à pandemia, a magistrada teria ignorado determinações do CNJ e feito, no Youtube, “graves afirmações” contra o conselho, o Supremo Tribunal Federal e o próprio Poder Judiciário.
A juíza divulgou em vídeo um “passo a passo para andar sem máscara no shopping de forma legítima, sem ser admoestado e ainda posar de bondoso”.
Ela aparece tomando um sorvete, sugerindo como caminhar num shopping sem o uso da proteção: “O vírus não gosta de sorvete”, ironizou.
A corregedora entendeu não ser o caso de acatar o pedido de liminar, por considerar que “a imposição de restrição de tal ordem à liberdade de expressão da representada [Ludmila] poderia caracterizar censura prévia incompatível com o regime democrático vigente”.
Determinou à Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Minas Gerais que notifique a juíza, a fim de que, em 15 dias, preste informações sobre os fatos apresentados pelos reclamantes. E mandou que o processo fosse reautuado, com a inclusão do CNJ no polo ativo.
A juíza mineira registrou nas redes sociais que a corregedora nacional negou o pedido de liminar, reproduzindo a afirmação de que “a imposição de restrição de tal ordem à liberdade de expressão da representada poderia caracterizar censura prévia incompatível com o regime democrático vigente”.
Ludmila Grilo comentou ainda a intervenção do conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, afirmando: “Isso significa, portanto, que existe no Brasil, neste exato momento, um conselheiro do CNJ tentando interditar o debate em prol do ‘pensamento único permitido’. Isso não é novidade no mundo. Na União Soviética também era assim”.
Precedente arquivado
Em maio de 2020, o Blog revelou que o então corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, instaurou procedimento prévio de apuração contra a juíza Ludmila Lins Grilo.
Em ato de ofício, Martins determinou igualmente que a magistrada prestasse informações sobre imagem publicada, originalmente, no perfil do Movimento Avança Brasil, vinculada a ela, e que foi amplamente divulgada e compartilhada na rede mundial de computadores.
Segundo registrou o CNJ, trata-se de foto da juíza, “acompanhada de outras mulheres, com dizeres inseridos digitalmente, que sugere apoio e convocação do público às manifestações de cunho político que ocorreram em todo o Brasil a favor do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, no dia 15 de março”.
Em julho de 2020, Martins arquivou o pedido de providências.
Após os esclarecimentos prestados pela magistrada, entendeu que não havia justa causa suficiente para instauração de reclamação ou processo administrativo disciplinar (PAD).
Ao prestar as informações, a juíza afirmou que seus perfis em redes sociais são públicos e extremamente populares, “contando com milhares de notificações diárias entre menções, marcações, curtidas, comentários e mensagens privadas”.
Ainda segundo o CNJ, a magistrada alegou: “como […] não possuo funcionários para operar minhas redes fazendo moderação, desabilitei a configuração de ‘marcação automática’, de forma a poder, a partir de agora, me responsabilizar por marcações públicas no Instagram”.
A juíza mineira foi personagem de uma reportagem publicada em março de 2020 pelo site The Intercept Brasil, onde aparece em foto ao lado de Olavo de Carvalho, considerado o guru dos Bolsonaro.
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(*) Processo: 0000004-32.2021.2.00.0000