Juízes recorrem de sentença que admitiu a indicação de filho de Napoleão ao CNJ

A Associação Nacional para a Defesa da Magistratura (ADM) entende que foi omissa a sentença do juiz federal Renato Coelho Borelli, ao indeferir pedido para anular a indicação do advogado Mário Henrique Aguiar Goulart Ribeiro Nunes Maia ao cargo de conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Em ação popular, a associação alegou “falta do notável saber jurídico” do candidato e nepotismo administrativo, “ferindo os princípios da moralidade e da impessoalidade”. O advogado é filho de Napoleão Nunes Maia, ministro recém-aposentado do Superior Tribunal de Justiça.

Em recurso (embargos de declaração), a ADM afirma que o magistrado considerou a indicação um ato discricionário da Câmara dos Deputados e do Senado, sem atentar para os limites que o administrador público deve respeitar. (*)

“A partir do momento em que a casa legislativa aprovou a indicação de um advogado com apenas um ano de inscrição na OAB, sem títulos acadêmicos, sem experiência jurídica a lhe confirmar a aptidão, e cujo único reconhecimento provém do pai dele (então ministro), o ato já se perdeu, já deixou de ser discricionário”, dizem os requerentes.

“Chega a ser constrangedor a despreocupação de um maior aprofundamento, principalmente do Senado. Não se preocuparam nem de documentar com o currículo ou qualquer documento que justifique o notório saber jurídico do indicado”, afirma Luiz Gomes da Rocha Neto, juiz do Tribunal de Justiça de Pernambuco e presidente da ADM. A associação é representada pelo advogado Paulo Henrique Cremoneze, de São Paulo.

Tradição patrimonialista

“Um Poder não pode, sob a escusa de suposta liberdade da indicação, fazer uso de suas prerrogativas para solapar as bases da República, reavivando, em prejuízo dos interesses do povo, a tradição patrimonialista, essa eterna confusão entre o público e o privado, em um país que não mais a tolera, e uma sociedade que já o repugna”, afirmam os membros da ADM nos embargos de declaração.

“Quando a aprovação para ocupar um cargo de extrema relevância, como o de conselheiro do CNJ, simplesmente ultrapassa essa fronteira tênue do inconveniente e do inoportuno, morre a liberdade discricionária.” Por isso, segundo a ADM, “pode-se analisar o mérito mesmo da escolha feita, sem risco de violar o princípio da separação dos poderes”.

“O ‘notável saber jurídico’ não é um conceito em que caiba toda e qualquer escolha que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal porventura façam. Sobretudo quando à revelia clara dos princípios constitucionais e administrativos, com evidências consideráveis de atentado à moralidade administrativa, dela resultar a prática do nepotismo — no órgão que mais o combate.”

Os juízes também questionam o entendimento de Borelli de que “o ato combatido envolve a indicação livre de qualquer cidadão por parte do Senado Federal e da Câmara dos Deputados.”

“Não se trata de indicação livre, isenta de parâmetros sujeitos a confirmação, pois se trata de uma escolha tão relevante para o país, incumbido o indicado de zelar pela autonomia do Poder Judiciário e de sobre ele exercer uma espécie de tutela administrativa.”

Os autores citam jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para afirmar que “a imoralidade do ato não requer prova de articulação pessoal do ministro cujo filho se aprovou ao cargo no Conselho Nacional de Justiça”.

O recurso cita reclamação apresentada ao STF, na qual o ministro Luís Roberto Barroso decidiu que “a análise da ocorrência ou não de nepotismo é objetiva, sendo desnecessária a comprovação de efetiva influência familiar na nomeação de ocupante de cargo ou função”.

Julgar-lhe a pertinência, do ponto de vista da aprovação do nome do terceiro réu, já requeria um exame vertical nos fatos, que a sentença não fez, pois não considerou o começo e o fim da discricionariedade no ato administrativo.

“Havendo margem para discussão dos limites da discricionariedade — a respeito dos quais a sentença foi omissa —, o caso está sujeito à apreciação do Judiciário e, consequentemente, à anulação que essa ação popular pretende”, sustentaram o reclamantes.

“É preciso por isso suprir essa omissão e, com os efeitos jurídicos que disso se espera, proceder à análise plena do caso.”

Na peça inicial, os requerentes argumentaram que “sem respeito estrito às exigências constitucionais, ninguém pode habilitar-se à posição de conselheiro do CNJ, e por ela fiscalizar e exercer controle interno sobre toda a magistratura do país”.

Manifestação da Câmara

Por meio da assessoria jurídica da Câmara Federal, o presidente Rodrigo Maia apresentou ao juiz da 9ª Vara da Justiça Federal do DF, entre outros, os seguintes argumentos:

Verifica-se que a petição inicial é pautada em suposições e avaliação própria dos autores populares acerca da insuficiência do curriculum vitae do candidato eleito pela Câmara dos Deputados.

Sucede que a avaliação do saber jurídico do candidato no caso concreto é da Câmara dos Deputados, que elege democraticamente o seu representante no Conselho, não da Associação dos Servidores do CNJ ou dos autores populares.

 A propositura, tal como posta, veicula pretensão atentatória da separação de poderes (art. 2º da Constituição da República), porque visa nulificar, com base em apreciação carregada de subjetividade dos autores populares sobre os conhecimentos jurídicos do corréu, a escolha legítima da Câmara dos Deputados, realizada em sessão pública, com a participação de todas as correntes políticas representadas na Casa, sendo importante enfatizar que o eleito obteve mais de dois terços dos votos da Câmara dos Deputados.

 Remanesce a hipótese de indeferimento, por incidir a demanda sobre ato político da Câmara dos Deputados, mostrando-se incabível a via da ação popular, carecendo os autores de interesse processual, nos termos do inciso III do citado artigo do CPC.

Manifestação do Senado

Por meio da Advocacia do Senado, o presidente da Casa, David Alcolumbre, apresentou, entre outros, os seguintes argumentos ao juiz da 9ª Vara da Justiça Federal do DF:

– A Constituição Federal, em seu art. 52, III, dispõe de competência privativa do Senado Federal para aprovar, por voto secreto, após arguição pública, a escolha destes titulares, que deverão ser remetidos para sanção da Presidência da República (art. 84, XIV, CF).

– Seguindo os trâmites formais para nomeação de conselheiros do CNJ, após a aprovação prévia e sabatina realizada pela CCJ – onde o indicado logrou a quantidade expressiva de 16 votos favoráveis a sua indicação-, faz-se necessária a votação em Plenário com quórum de aprovação por maioria absoluta (41 votos), para que assim seja levado o indicado para sanção da Presidência da República.

– Até o momento reputa-se juridicamente impossível o pedido de ‘suspensão da aprovação de indicação e envio de comunicação à Presidência da República do ato”, por não compor ato ou fato existente no mundo jurídico. A indicação [de Mário Henrique] não foi apreciada pelo Plenário do Senado Federal.

– Nota-se então, prejudicada a probabilidade do direito nos autos, por ausência de verossimilhança entre os fatos alegados e inexistência de provas que comprovam que houve efetivo envio de nomeação à Presidência da República, por ainda estar em fase de aprovação a nomeação do indicado, ainda subsistindo a possibilidade de não alcançar o quórum mínimo para que ocorra.

Manifestação do advogado

Em 16 de dezembro de 2020, o Blog publicou a seguinte manifestação da defesa do advogado:

NOTA DE ESCLARECIMENTO

O advogado Mário Nunes Maia preenche todos os requisitos estabelecidos na Constituição Federal para ocupar o cargo de conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na vaga destinada à indicação da Câmara dos Deputados. Ele recebeu significativos 364 votos de representantes de diversos partidos, entre os quais, DEM, PSDB, PT, MDB, PDT, Rede, PCdoB, PSD, PP, Solidariedade, Republicanos e Avante, comprovando a confiança da maioria dos parlamentares na capacidade técnica do indicado para exercer a função.

Na sabatina, realizada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, Mário Maia respondeu a todos os questionamentos dos senadores e foi devidamente aprovado. Importante ressaltar que o advogado tem formação em direito, especialização em filosofia e cursa mestrado em Portugal. Nos últimos anos se dedicou, quase integralmente, às pesquisas acadêmicas e à produção de obras jurídicas. É autor de cinco livros jurídicos. A dedicação aos estudos foi um dos motivos que o levou a optar em adiar o seu ingresso na advocacia.

Depois de se dedicar à produção literária técnica na primeira etapa de sua vida profissional, Mário Maia se voltou plenamente para a advocacia e, desde então, tem participado de diversos fóruns de debates e seminários. Portanto, Mário Nunes Maia possui todos os predicados acadêmicos e requisitos legais para exercer a função de Conselheiro do CNJ com ética, qualidade e eficiência.

O indicado Mário Nunes Maia tem um profundo respeito por opiniões divergentes e apreço pela magistratura nacional, o que se reflete em seus artigos e livros, frutos da dedicação em estudos da jurisprudência, da doutrina, dos julgados e da teoria jurídica brasileira. Os seus conhecimentos estão em plena sintonia com os anseios da Câmara dos Deputados com sua representação perante o CNJ.

(*) Processo nº 1070666-28.2020.4.01.3400

P.S. – Com acréscimo de informações às 6h53