Corregedor vê indícios de crime ao juíza estimular aglomerações na pandemia

O corregedor-geral de Justiça de Minas Gerais, desembargador Agostinho Gomes de Azevedo, propôs ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais a instauração de processo administrativo disciplinar contra a juíza Ludmila Lins Grilo, da Comarca de Unaí (MG).

A juíza é acusada de estimular em vídeos, fotos e em redes sociais as aglomerações e o descumprimento do uso de máscaras anti-Covid, violando a Loman e o Código de Ética da Magistratura.

No início de janeiro, Ludmila Grilo tinha 163 mil seguidores no Twitter.

“A conduta da juíza ao promover tais ações, ainda que ocorridas na esfera particular, mostra-se, no mínimo, repreensível sob o ponto de vista ético-funcional, e gravíssima no contexto atual decorrente da pandemia, com a confirmação de mais de duzentos mil óbitos por Covid-19 no Brasil, segundo informações oficiais disponibilizadas pelo Ministério da Saúde”, registrou o corregedor-geral em sua decisão.

Azevedo acolheu integralmente o parecer do juiz Eduardo Henrique de Oliveira, auxiliar da corregedoria, que sugeriu informar ao Ministério Público Estadual os fatos apurados no procedimento, com prévia autorização do Órgão Especial, considerando os indícios da prática de crime previsto no artigo 268 do Código Penal [infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa].

O corregedor também vislumbrou a prática, em tese, do delito previsto no artigo 286 (incitar, publicamente, a prática de crime). No primeiro caso, o Código Penal prevê a pena de um mês a um ano de detenção e multa. No segundo, detenção de três a seis meses ou multa.

Azevedo determinou a intimação da juíza para apresentar defesa prévia.

Ludmila Grilo ratificou todas as publicações em suas redes sociais e informou nos autos que não fará defesa prévia, sob os seguintes argumentos:

“Considerando que a necessidade de explicação de uma crítica irônica ao indiscriminado uso de máscaras, feita a partir de uma fiel descrição da realidade (restaurantes e shoppings abertos para consumo de alimentos no local), avilta e rebaixa a inteligência nacional – estado histérico de coisas com a qual esta magistrada não pretende contribuir – deixo de oferecer defesa no procedimento em questão, ratificando todas as publicações contidas em minhas redes pessoais.

Ressalto ainda que, enquanto não decretado estado de defesa ou estado de sítio (arts. 136 e 137 da Constituição Federal) – únicas hipóteses possíveis para restrição do direito de reunião (vulgo “aglomeração”, palavra-gatilho utilizada com sucesso para a interdição do debate) – continuarei sustentando a inviabilidade jurídica do lockdown e das restrições de liberdades via decretos municipais.”

Segundo o corregedor, “é indiscutível que a imagem do juiz alcança maior repercussão social, em razão do cargo que exerce, de sorte que não há como assegurar efetivo controle sobre o potencial de alcance de tais publicações lançadas na internet”.

“Ainda que a liberdade de expressão não é absoluta ao ponto de se sobrepor aos demais direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição, de forma que a liberdade de expressão pode sofrer limitações, desde que razoáveis, proporcionais e visem a prestigiar outros direitos e garantias de mesmo status constitucional.

Nesse sentido, há que se ter em conta que o posicionamento adotado pela juíza, ratificado por suas razões de defesa, esbarra, a meu ver, em questão de ordem ética, porquanto, além de desconsiderar a normatização vigente, como já pontuado, ignora o contexto social que assola o mundo e já vitimou, até o momento, mais de 2 milhões de pessoas”.

Ainda segundo o corregedor, “o exercício abusivo do direito de expressão na forma defendida pela magistrada, resvala, inclusive, para a seara penal e conflita, de forma flagrante, com a supremacia do interesse da Administração Pública”.

“Os elementos probatórios existentes nos autos demonstram fortes indícios de descumprimento de dever legal por parte da magistrada, tornando-se desnecessária a realização de sindicância, devendo ser os fatos imputados à juíza melhor apurados em expediente próprio, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa”, concluiu.