Carnavais de Olinda
A pandemia retirou o Carnaval das ladeiras de Olinda, transferindo-o –provisoriamente, torço– para a internet.
“Olinda consegue esperar mais um ano”, foi a mensagem que recebi do advogado Dyrceu Cintra, acompanhada de um clipe do cantor e compositor pernambucano PC Silva. (*)
Natural de Serra Talhada e residente no Recife, PC Silva compôs nas vésperas do Carnaval deste ano a canção “Um Frevo Feito pra Pular Fevereiro”. O belo vídeo mostra a expectativa de artistas pernambucanos de cantarem um frevo-canção de amor no Carnaval do ano que vem.
Ele gravou a composição com a participação da cantora Flaira Ferro e produção musical e arranjos de Rafael Marques, da Orquestra Malassombro.
Gosto muito do texto abaixo, que publiquei na Folha em 6 de outubro de 1997, a convite do querido Silvio Cioffi, então editor do caderno Turismo. Já transcrevi o ensaio neste espaço em outros Carnavais.
Ao reler agora a crônica, conferi como as casas da infância permanecem entre as nossas lembranças mais caras. Essa sensação foi renovada quando identifiquei a casa de meus pais no vídeo dos músicos pernambucanos. Ela surge, no alto, destacada na cidade vazia em contraste com a agitada folia registrada pelas lentes do colega Eduardo Knapp.
Abro alas para a saudade com o aval de Zé Keti: “Não me leve a mal, hoje é carnaval”.
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“Olinda é só para os olhos. Não se apalpa, é só desejo. Ninguém diz: é lá que eu moro. Diz somente: é lá que eu vejo.” (Carlos Pena Filho)
A primeira aproximação de Olinda deveria ser, sempre, pelo mar. Roteiro sentimental é escolha de foro íntimo, mas é a partir do mar que a cidade surge mais bela.
É só conferir nas gravuras de Franz Post ou nas vistas que Rugendas eternizou.
Receio que essa visão seja desperdiçada pelas novas gerações bem-sucedidas que passam velozes em suas lanchas, ansiosas para chegar a Itamaracá, ponto de exibição de jet skis, buggies e ultraleves -bons tempos aqueles quando a praia do forte Orange ainda era uma região deserta…
Há quem prefira a Olinda agitada dos Carnavais. Folião aposentado, hoje gosto mais da cidade tranquila dos dias de semana. Mas tenho boas lembranças dos desfiles de rua e da rivalidade -ainda presente- entre a Pitombeira dos Quatro Cantos e o bloco dos Elefantes (era adepto do primeiro, mas gostava do hino do rival, que ouvi, pela primeira vez, executado pelo autor, Clídio Nigro, no velho piano alemão da minha casa).
O desafio era “tirar” o bloco na sede, “pedir passagem”, pulando nas ruas estreitas e íngremes, e aguentar o repuxo até o “regressar”. Era preciso fôlego redobrado, ativado pela mistura prévia de “bate-bate com doce” (batida de frutas, açúcar e muita cachaça). É quando a população está com a “goitanga” (com o diabo no corpo, em bom “pernambuquês”).
Na minha imaginação, prevejo o dia em que aquela massa humana, pulando ao mesmo tempo, abrirá uma grande cratera, descobrindo os túneis e subterrâneos secretos que cortam Olinda. Ou as botijas cheias de riquezas, enterradas nos tempos de saques e incêndios dos holandeses.
Conhecer Olinda não carece da companhia de guias ou de roteiros. É só fazer a ligação entre as igrejas e confirmar como eram espertos os primeiros ocupantes: jesuítas, beneditinos, franciscanos e carmelitas, todos souberam conquistar os espaços mais belos, no alto. É das celas dos mosteiros e conventos que se descortina a melhor paisagem litorânea.
Olinda pode ser dividida a partir das áreas de ocupação pelas várias ordens religiosas. Nasci numa casa na rua de São Bento, próxima ao mosteiro dos beneditinos. A rua é definida por historiadores como um referencial do núcleo urbano (a casa da primeira infância, na travessa do Fortim, o mar levou).
Graças à planta de Olinda de Gaspar Barleus (1674), descubro que a casa da minha juventude, na rua 27 de Janeiro, ficava exatamente na fronteira entre duas ordens religiosas. A frente da casa estava nos limites dos beneditinos. O quintal ficava em terreno pertencente aos frades carmelitas.
Referência maior, o “sobrado mourisco”, hoje um famoso restaurante na mesma rua, já na praça de São Pedro, era no passado um armazém de secos e molhados, de propriedade do então prefeito. Na parte superior, residencial, minha mãe morou durante 20 anos.
Nos anos 70, já morando em São Paulo, voltei a Olinda acompanhado de um grupo de jornalistas. No alto da Sé, alguém pediu-me informações sobre o local onde haveria uma festa. Ofereci-me para servir de guia. A festa acontecia na rua da minha juventude e exatamente na mesma casa em que morei. Foi uma noite inesquecível.
São circunstâncias como essa que alimentam, mesmo à distância, a mania besta de todo olindense de achar que somos parte daquele patrimônio da humanidade.
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https://youtu.be/WVRNYsoLGyE
Vivenda.Art, Olinda/Fevereiro 2021. Agradecimentos a PC Silva, Flaira Ferro, Rafael Marques, Alexandre Rodrigues, Filipe Novais, André Oliveira, Rafael Moura, Halline Siqueira, Amanda Dias, Lucas Torres, Estúdio Muzak.
Erramos: o texto foi alterado
Diferentemente do informado, o vídeo atribuído a artistas olindenses é um clipe do cantor e compositor pernambucano PC Silva, natural de Serra Talhada e residente no Recife.