Folha abriu o Judiciário ao cidadão
A maior contribuição da Folha na área jurídica foi inovar ao fazer uma cobertura permanente do Judiciário como instituição, jogando luz sobre um Poder ainda muito fechado.
No final dos anos 1990, o jornal tomou a iniciativa de colocar a corrupção no Judiciário como prioridade na pauta de reportagens.
Dos 100 anos de vida que o jornal comemora nesta sexta-feira (19), participei de 36, sem interrupção. Nos últimos 14 anos, elaborei reportagens especiais e mantive contato mais próximo com os leitores através deste Blog. Semanalmente, escrevo uma coluna de análise na newsletter FolhaJus.
O Blog “Interesse Público” foi criado em 2007 para estimular o diálogo entre operadores do direito e abrir espaço para manifestações da magistratura, numa época em que a imprensa e o Judiciário eram instituições que mal se conheciam.
A ideia foi estender à blogosfera as mesmas práticas adotadas no jornal impresso: a busca da informação relevante, exclusiva, com exatidão, pluralismo e respeito ao contraditório, sempre com a correção destacada de eventuais erros.
Como digo no meu livro “Juízes no Banco dos Réus” (Publifolha, 2005), repórter não é policial, redator não é promotor e editor não é juiz.
Atas, balanços e furos
Convidado, em 1985, a editar o “Painel Econômico” nos moldes do Painel político da página 4, aprendi na Folha o valor do planejamento e da organização numa atividade em que se trabalha contra o tempo: a seção só veio a ganhar local fixo e destacado seis meses depois de experiências, erros e acertos.
A leitura diária de editais e atas de conselhos de administração e a análise de balanços das empresas, hábito que adotei quando trabalhei na “Gazeta Mercantil”, permitiram à coluna antecipar fatos relevantes. O faro do repórter era apenas o passo inicial. O essencial sempre foi a manutenção de fontes confiáveis para checar informações.
Foram notas curtas do “Painel Econômico”, por exemplo, que obrigaram o Banco do Brasil a republicar um balanço. Sempre com consulta a advogados e auditores, o jornal revelou em 1999 que mais da metade das punições aplicadas pelo Banco Central a dirigentes de empresas, bancos e instituições financeiras eram suavizadas ou arquivadas.
O exame detido da perícia criminal nos balanços maquiados do Banco Nacional trouxe à tona, em 1998, os detalhes da fraude contábil –praticada com a promiscuidade de auditores internos e externos–, esquema que beneficiava sócios e diretores do banco.
Em 1996, a Folha expôs os efeitos da globalização que abalou as “ilhas de eficiência” da indústria brasileira. Mais da metade das empresas-modelo dos anos 1980 encerrou o exercício anterior com prejuízo. “Milhares de pessoas foram dispensadas, muitas unidades foram fechadas”. A reportagem envolvia vários anunciantes e confirmava a independência editorial do jornal.
Investigação jornalística
Como afirmo no livro “Juízes no Banco dos Réus“, “por uma coincidência -feliz apenas sob o aspecto jornalístico- nos anos 1980 e 1990 este jornalista esteve à frente de duas investigações sobre processos judiciais que tiveram desfechos controvertidos –e favoráveis aos acusados– graças à caneta do então juiz federal João Carlos da Rocha Mattos: o Caso Cobrasma, operação suspeita na Bolsa de Valores envolvendo a empresa do então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Luis Eulálio de Bueno Vidigal Filho, e o caso das importações superfaturadas de equipamentos de Israel no governo Orestes Quércia, em São Paulo (1987-91)”.
Essa ligação entre duas investigações distantes no tempo está registrada na foto que ilustra este post. Em 2003, a Operação Anaconda reuniu entre os vários suspeitos o ex-juiz e o então procurador da República que atuou no Caso Cobrasma .
Participaram de meu trabalho, ao longo dos anos, vários colegas da Redação. Foi e é fundamental dispor da retaguarda jurídica dos advogados da Folha Luís Francisco de Carvalho Filho e Taís Gasparian, entre outros. Foram valiosos os conselhos dos advogados Walter Ceneviva e Orlando Molina, à época, respectivamente, colunista e diretor jurídico.
Sempre contei com o apoio do então publisher, Octávio Frias de Oliveira, e com o estímulo do então diretor editorial, Otavio Frias Filho. Ambos garantiram a independência editorial e o interesse do leitor, princípios mantidos pelo atual publisher, Luiz Frias, como ele afirma em entrevista na Folha nesta sexta-feira:
“A maior prioridade foi, é e continuará a ser a Redação. Meu pai, meu irmão e eu sempre acreditamos que antes da independência editorial vem a financeira. Não existe independência editorial sem a financeira. Este, ao lado do criticismo, do pluralismo e do apartidarismo, é um dos pilares do Projeto Folha —obra do meu irmão Otavio—, longamente discutidos pelos três no início dos anos 1980”.