Procuradores criticam condução de inquérito pelo presidente do STJ
A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) divulgou nota em que critica a decisão do presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de abrir e conduzir inquérito sigiloso para apurar a tentativa de intimidação de ministros daquela corte.
Segundo a entidade, a iniciativa de Martins “afronta a titularidade de apuração do Ministério Público e solapa, também, a própria garantia de imparcialidade do Poder Judiciário”.
Ao noticiar a decisão, o STJ informou que, segundo informações publicadas pela imprensa, “membros do Ministério Público teriam sugerido pedir à Receita Federal uma análise patrimonial dos ministros que integram as turmas criminais do STJ, sem que houvesse, para tanto, autorização do STF”.
A ANPR sustenta que “vigora no país e nas demais democracias modernas o sistema acusatório, conquista civilizatória que separa os atores do sistema judicial que possuem as missões de investigar-acusar e julgar”.
O STJ, por sua vez, afirma que a instauração do inquérito por Martins foi baseada no Regimento Interno, que considera atribuição do presidente “velar pelas prerrogativas do tribunal” e prevê a instauração de inquérito.
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Eis a manifestação da ANPR:
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) recebeu com incredulidade a notícia de abertura, no dia de hoje, pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, de inquérito, em total desrespeito à Constituição e às leis brasileiras, para apurar fatos criminosos que supostamente teriam sido praticados em detrimento de ministros daquela Corte.
A iniciativa afronta a titularidade de apuração do Ministério Público e solapa, também, a própria garantia de imparcialidade do Poder Judiciário. Para tanto, vigora no país e nas demais democracias modernas o sistema acusatório, conquista civilizatória que separa os atores do sistema judicial que possuem as missões de investigar-acusar e julgar.
Se a intenção é apurar a atuação de procuradores da República, a investigação desrespeita, ainda, frontalmente, a Lei Complementar 75/1993 e usurpa função do procurador-geral da República. Segundo o disposto no artigo 18 da referida lei, é prerrogativa do PGR conduzir a apuração de práticas de infração penal por parte de membros do Ministério Público da União.
Nesse sentido, a própria autoridade que instaurou a apuração no âmbito do STJ reconhece que já encaminhou ao procurador-geral da República e ao Conselho Nacional do Ministério Público representação para a investigação das referidas irregularidades.
Também importa destacar que os elementos de prova utilizados como base para a abertura da investigação em tela se constituem em provas manifestamente ilícitas, obtidas por meios criminosos, por meio de hackers já identificados e processados, as quais se encontram desprovidas, ainda, de perícia que ateste a sua integridade-autenticidade e da indispensável cadeia de custódia.
Ao adotar o referido procedimento de investigação, acaba-se por buscar legitimar um sistema jurídico de exceção no ordenamento jurídico brasileiro.
Os limites para a atuação do Poder Judiciário são essenciais para a harmonia entre os Poderes e a estabilidade das instituições. Desrespeitar esses limites significa contribuir para o enfraquecimento do Estado Democrático de Direito, dos órgãos de controle e da própria Justiça brasileira.
O Ministério Público, conforme disposição constitucional, é instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado. Vulnerar as garantias dos seus membros aniquila a Constituição e, por consequência, deixa sem proteção a própria sociedade brasileira.
Diretoria da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)
Eis o noticiário do STJ:
Presidente do STJ instaura inquérito para apurar tentativa de intimidação na independência jurisdicional dos ministros da corte
O ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), instaurou inquérito nesta sexta-feira (19) para apurar a suposta tentativa de intimidação e investigação ilegal de ministros da corte, bem como de violação da independência jurisdicional dos magistrados – hipóteses levantadas após a divulgação de mensagens trocadas entre procuradores ligados à Operação Lava Jato e apreendidas no âmbito da Operação Spoofing.
O inquérito será conduzido pelo ministro Humberto Martins e tramitará em sigilo.
No dia 5 deste mês, o presidente do STJ já havia solicitado à Procuradoria-Geral da República (PGR) a apuração na esfera criminal, e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a apuração no nível administrativo, da conduta dos procuradores.
As mensagens apreendidas no âmbito da Operação Spoofing tiveram o sigilo levantado pelo relator da ação no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski.
Segundo informações publicadas pela imprensa com base nas mensagens, os membros do Ministério Público teriam sugerido pedir à Receita Federal uma análise patrimonial dos ministros que integram as turmas criminais do STJ, sem que houvesse, para tanto, autorização do STF.
Prerrogativa
A instauração do inquérito pelo ministro Humberto Martins foi baseada no artigo 21, inciso II, do Regimento Interno do STJ (atribuição do presidente para velar pelas prerrogativas do tribunal) e no artigo 58, parágrafo 1º, do normativo (instauração de inquérito).
O artigo 58 do Regimento do STJ tem redação idêntica ao artigo 43 do Regimento Interno do STF, cujo conteúdo foi declarado constitucional pela Suprema Corte ao julgar a ADPF 572/DF, de relatoria do ministro Edson Fachin.