CNJ julga pedido de juiz censurado por ‘soltar demais’
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) deve julgar nesta terça-feira (23) processo que envolve a independência dos magistrados e coloca em confronto as teses sobre o garantismo penal e o punitivismo.
Trata-se de pedido de revisão para reverter a condenação de censura aplicada em agosto de 2018 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo ao juiz Roberto Corcioli Filho por proferir decisões “com viés ideológico” e por “soltar muito”.
O processo administrativo começou com uma representação em que 17 promotores acusavam Corcioli Filho de promover, nos plantões judiciais, a “soltura maciça de indivíduos cujo encarceramento é imprescindível”.
No pedido de revisão ao CNJ, os advogados do juiz –Igor Sant’Anna Tamasauskas e Débora Cunha Rodrigues–, sustentam que o TJ-SP promoveu “inaceitável perseguição ideológica contra um magistrado digno”.
“Trata-se de estranho cenário, em que respeitado Juiz de Direito é prejudicado, por exemplo, ao seguir a orientação jurisprudencial de Tribunais Superiores no âmbito penal, sabidamente ignorada pela Corte de que faz parte e que o condenou”, afirma a defesa.
O relator é o ministro Emmanoel Pereira.
Nesta segunda-feira, a AJD (Associação Juízes para a Democracia) divulgou nota pública reforçando sua decisão.
“A AJD vem a público exortar seja observada a independência judicial, salientando que garanti-la é, em última análise, garantir a liberdade de atuação de magistradas e magistrados, essencial para que os processos sejam conduzidos sem o perigo de pressões internas ou externas”, afirma a entidade.
Ainda segundo a manifestação, “a AJD tem denunciado as perseguições e pressões sobre magistradas e magistrados que exercem, com independência, seu dever de garantir os direitos constitucionais, dando início, inclusive, a campanhas públicas de conscientização acerca da importância que a independência e o garantismo judicial têm para a consolidação de uma sociedade realmente democrática”.
Eis a íntegra da nota.
– NOTA PÚBLICA –
Conforme ofício remetido ano passado à(o)s Conselheira(o)s do CNJ, a Associação Juízes para a Democracia (AJD), REITERA publicamente sua manifestação em favor da independência judicial do Juiz Roberto Luiz Corcioli Filho, em razão dos autos da Revisão Disciplinar nº 0004729-35.2019.2.00.0000. Trata-se de revisão proposta em razão da decisão proferida pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por maioria de votos, julgou parcialmente procedente o processo administrativo disciplinar instaurado sob o nº 95.822/2016, aplicando ao Juiz Roberto Luiz Corcioli Filho a pena de CENSURA com base em suposta “atuação pautada por viés ideológico”, ou seja pelos fundamentos de suas decisões, todos eles alinhados com a ordem constitucional vigente.
É mister ressaltar o perigo, para a ordem democrática, de as Corregedorias ou Órgãos Colegiados no âmbito de nossos Tribunais, arvorarem-se a punir juízas e juízes, cujo teor de seus atos jurisdicionais devidamente fundamentados envolvam a solução a indagações postas em face do direito aplicável – sejam normas de ordem material ou processual -, e que se sujeitam exclusivamente à revisão jurisdicional, por meio das vias disponíveis no ordenamento – embargos, recursos, mandado de segurança.
As decisões que foram objeto de escrutínio e que estão referidas na condenação imposta ao Juiz Roberto Corcioli estão fundadas em posicionamentos já adotados pelas cortes superiores e em ampla jurisprudência nacional. A inconformidade da Corte com posição estritamente jurisdicional, como retrata a literalidade da decisão, fala por si:
“Em resumo, os elementos de convicção trazidos aos autos conduzem à conclusão de que as decisões do Dr. Corcioli, maculadas por vícios já amplamente mencionados e movidas por razões de ordem ideológica – curiosamente vinculadas à ideia de ‘garantismo’ –, acarretaram cenário de aumento da insegurança social e descrédito das instituições no Município de Itapevi. Evidente que isso se deu em prejuízo da população honesta, trabalhadora e humilde da região, a qual, por força da atuação do requerido, viu-se obrigada a assistir ao arrefecimento do combate a criminosos e menores delinquentes” (p. 40 do acórdão, g.n.).
A AJD vem a público EXORTAR seja observada a independência judicial, salientando que garanti-la é, em última análise, garantir a liberdade de atuação de magistradas e magistrados, essencial para que os processos sejam conduzidos sem o perigo de pressões internas ou externas. A AJD tem denunciado as perseguições e pressões sobre magistradas e magistrados que exercem, com independência, seu dever de garantir os direitos constitucionais, dando início, inclusive, a campanhas públicas de conscientização acerca da importância que a independência e o garantismo judicial têm para a consolidação de uma sociedade realmente democrática.
A independência judicial se concretiza quando um(a) magistrada(o) é livre para analisara demanda de acordo com seu entendimento das normas existentes, fundamentando evidentemente sua decisão. O que é inadmissível, é sujeitá-la(o) a qualquer tipo de influência, pressão, ameaça ou interferência, incluindo as advindas do próprio sistema judicial, mesmo aquelas que se perfectibilizam na tentativa de obrigá-la(o) a agir em conformidade com determinado pensamento, evidentemente não unânime, de parte do Poder Judiciário.
A consolidar-se tal entendimento, restará fatalmente prejudicada a independência no ato de julgar. Por consequência, estará irremediavelmente comprometida a impessoalidade e a própria função do Poder Judiciário, que se qualifica justamente como o poder de Estado capaz de garantir a ordem jurídica, mesmo que isso contrarie interesses de grupos específicos.
Temos uma Constituição vigente em nosso país.
Respeitar e fazer cumprir seus preceitos é exatamente o que as juízas e juízes prometem ao assumir a magistratura. Admitir que sejam punidos disciplinarmente por fazê-lo é ferir de morte a Constituição da República e a democracia já tão combalida no Brasil.
Esperamos, portanto, que o CNJ, neste caso concreto, restitua a ordem e a garantia à independência judicial e reafirmamos nosso apoio integral ao Juiz Roberto Luiz Corcioli Filho.
São Paulo, 22 de fevereiro de 2021.
Associação Juízes para a Democracia (AJD)