Bancos ditam regras e fragilizam os clientes na pandemia, diz advogado

Sob o título “Autonomia do Banco Central num país sob domínio dos banqueiros“, o artigo a seguir é de autoria de Arton Florentino de Barros, advogado, professor de Direito Empresarial, fundador e ex-presidente do MPDemocrático.

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Trata-se aqui de uma ficção, estória de um país imaginário.

Suas autoridades são eleitas para darem ao povo a ilusão de comandarem um Estado democrático por legítima representação popular e, por isso, determinadas a sempre defender os mais relevantes interesses sociais.

Seria bom se assim fosse.

Na verdade, todavia, são eleitas com o propósito de manter tudo como antes, a riqueza e a miséria nas mãos ou nas costas de quem sempre estiveram. Mais do que isso. Não passam de testas-de-ferro dos verdadeiros governantes, os banqueiros.

Eles é que de fato têm o real poder nessa fictícia nação. Ditam regras de conduta e impõem a existência, em todo o país, de duas moedas.

Uma, corrigida com índices de inflação, comissão de permanência e altas taxas de juros, para exigir de seus devedores. Outra, frágil e cada dia mais desvalorizada, para pagar a seus mortais credores. Com a atualização do ativo e congelamento do passivo, mesmo eventualmente falidos continuam eles com o mesmo padrão de vida, quando não se tornam mais ricos ainda.

Financiadores da campanha eleitoral de seus fantoches, têm o poder de obrigá-los a, depois de eleitos, conceder-lhes carta-patente, não só para a livre exploração da privilegiada atividade, cada vez mais concentrada nas mãos de poucos, mas ainda para não se submeterem a qualquer lei.

Nunca são investigados e, se casualmente suspeitos, raramente são acionados judicialmente. Mesmo quando excepcionalmente condenados, nunca são presos.

Tanto que, para citar recente exemplo, apesar de incontáveis infrações penais apuradas pela força tarefa da chamada Lava Jato terem sido praticadas por meio de operações bancárias, nenhuma de suas investigações envolveu diretamente agentes de instituições financeiras.

Cobram taxas de juros acima do limite imposto pela lei sem a polícia no seu encalço e sem que alguém tenha o direito de tachá-los de agiotas.

Instalam agências sem suficientes recursos materiais e humanos para atender à demanda, submetendo o povo à humilhação de horas de espera para atendimento.

Parece absurdo, mas cobram tarifas até sobre os empréstimos que lhes concedem os depositantes, justificando-se com a falsa necessidade de cobrir os custos de manutenção da conta-corrente.

Cada vez mais reduzem o horário de atendimento. 

Há 40 anos, eram obrigados a funcionar das 8:30 às 17:30h, período compatível com as exigências de segurança do comércio. 

De um bom tempo para cá, todavia, foram autorizados a atender à comunidade das 11:00 às 15:00h ou, como agora, das 10h00 às 14h00. Com isso, forçam o comerciante a manter na empresa as receitas da tarde, com todos os riscos da ação de delinquentes.

Aproveitam-se da omissão do Estado na definição de séria e eficiente política de pleno emprego e, sem qualquer restrição, ampliam com exagero a automação de seus serviços, demitindo, em consequência, continuamente e cada vez mais seus funcionários.

Com isso, além de condenarem a população a suportar maior massa de desempregados, ainda obrigam correntistas e não correntistas a substituírem seus funcionários demitidos e, assim, sem remuneração, fazerem sozinhos e sem qualquer orientação o autoatendimentos através dos denominados caixas-eletrônicos.

Já em relação aos serviços de atendimento pessoal, sujeita pagadores de tributos a perderem tempo, sem indenização, numa fila interminável, em agências com oito ou dez guichês, mas apenas um ou dois caixas presentes.

E sob o pretexto de buscar a proteção de seus clientes defendem com unhas e dentes o sigilo bancário que, na verdade, não passa de conveniente instrumento para, além de ocultar o próprio balanço, esconder da polícia e dos órgãos de controle operações criminosas próprias, de terceiros e dos agentes públicos que, também por isso, garantem a sua posição de acima de qualquer suspeita.

Ademais, não cumprem a função de financiar a produção nacional, razão principal da forte redução da atividade industrial no país nas últimas décadas. O consumidor é que, arriscando seu próprio patrimônio, financia a produção, pagando integralmente os bens que pretende adquirir antes mesmo de recebê-los, através dos chamados consórcios.

A propósito, ao provocarem com a fuga de crédito e financiamento a desindustrialização do país, reduzem a produção nacional à condição permanentemente secundária no mercado mundial.

Não custa mencionar que ainda inflacionam o mercado imobiliário, cobrando pela casa do trabalhador duas ou mais vezes o preço real. E, além disso, deixam de socorrer quem mais precisa e, assim, os microempresários e prestadores de serviços.

E não é só. Enriquecendo-os ainda mais, autorizam os governantes, seus títeres, a incidência de elevadíssima taxa de juros também sobre a dívida pública, fazendo do povo o maior devedor dos banqueiros, com desvio de recursos que poderiam ser utilizados para o emprego e o bem estar social.

O certo é que o pequeno grupo de grandes bancos autorizados a funcionar no país converteram o Estado em refém de uma ação patentemente cartelizada em prejuízo dos interesses populares

Por conta de tudo isso, os bancos conseguem lucrar num ano mais do que o tráfico de drogas e armas, juntos, e os fiscais do sistema financeiro, apesar de todo esse abuso, agem como se fossem empregados dos banqueiros que, de tão à vontade, ainda chegam enfim ao descaramento de acionar o Judiciário na tentativa de ficarem livres de tributação, de obrigações trabalhistas e também das normas de proteção ao consumidor.

A partir desse modelo, pode-se chegar à conclusão de que a verdadeira organização criminosa é a que, através de uma cadeia de corrupção, consegue fazer com que sua conduta, apesar das constantes e inúmeras infrações legais e morais, seja sempre considerada lícita.

Nem é preciso dizer por que os banqueiros defenderam tanto (e sabe-se lá a que ponto chegaram) a última reforma legislativa reguladora do Sistema Financeiro Nacional, no sentido de assegurar ampla e irrestrita autonomia ao Banco Central.

Ainda bem que, como se anotou no início, tudo não passa de fruto da imaginação.