Gravações da Lava Jato e impunidade
Sob o título “As gravações”, o artigo a seguir é de autoria do advogado José Paulo Cavalcanti Filho. (*)
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A Segunda Turma do Supremo, por maioria de três votos (Gilmar, Lewandowski, Nunes Marques) a dois (Cármen Lúcia, Fachin), vai anular a condenação de Lula no caso Triplex. E o deixará, como na sentença de Millôr, “livre como um taxi”. Com fundamento em supostas conversas gravadas, por hackers da The IntercePT Brasil, entre o procurador Deltan Dallagnol e o juiz Sergio Moro.
Em nosso escritório, tivemos acesso ao Caso Mari Ferrer, em que perícia judicial demonstrou terem sido fraudadas transcrições feitas pela mesma IntercePT.
Não tenho como saber se alguma perícia ocorreu, agora. E é sempre possível que mais uma fraude tenha novamente acontecido. O uso do cachimbo faz a boca torta. Sendo bom lembrar que o voto decisivo, nesse julgamento, vai ser do ministro indicado, recentemente, pelo Presidente da República. O mesmo que, quando candidato, tinha um discurso de moralização do país. E que jamais poderia ter levado, ao Supremo, alguém que é contra prisão em segunda instância e contra a própria Lava Jato.
Seus eleitores foram traídos, senhor Presidente. Não esqueça disso, por favor, quando se sentir tentado a repetir a promessa em alguma eleição próxima.
Gravações valem como prova, para acusar, quando autorizadas pela Justiça. Assim diz a Lei 9.296/1996. E clandestinas (assim está no texto), como as da IntercePT, só para defesa.
Ocorre que desde 1996, com voto condutor do ministro Carlos Velloso (AP nº 307), o Supremo já definiu que gravação clandestina “é a realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro”.
Nada sequer remotamente assemelhado a essas gravações. Não havendo, juridicamente, como beneficiar acusados (Lula, empreiteiros) a partir de gravações fora dessa regra. E, bom lembrar, o art. 10, da Lei diz assim: “Constitui crime realizar interceptações… de informática ou telefônica…”. O que ocorreu, claro, e dá cadeia.
Só que o senador Renan Calheiros, em 10/2/2021, apresentou projeto para anistiar os hackers da IntercePT. Só o nome do autor do projeto já representa uma condenação, para essa gente. E é até coerente. Os iguais se atraem, imitando um imã.
É como se estivesse em curso uma articulação para anular tudo que foi feito, até aqui. E absolver uma tropa enorme de condenados por corrupção, que vão de políticos famosos a grandes empresários.
Tanto que o ministro Gilmar fala, premonitoriamente, em “desdobramentos”. Reproduzindo o que aconteceu, antes (1993), no caso Odebrecht/Lei do Orçamento. Ou (2009) na Operação Castelo de Areia, encerrada por canetada do ministro Asfor Rocha. Depois denunciado, por Antônio Palocci, de ter recebido alta remuneração (não declarada no Imposto de Renda) por esta sentença.
Aqueles três ministros da Segunda Turma preparam, na verdade, uma tese mais ampla, de que a suspeição de Moro contamina tudo. Sem nenhum receio do que possamos pensar deles. É preciso coragem, digamos assim.
Em um Carnaval fora de hora, com todos os condenados longe das grades. Sem tornozeleira. E comemorando, com uísque envelhecido e vinho caro. Que, então se verá, o crime compensa.
Mais grave é que a decisão de Moro, como juiz de primeira instância, foi depois confirmada, por 3 x 0, no TRF-4, de Porto Alegre. E também, por 5 x 0, pela 5ª Turma do STJ.
Esses julgadores poderiam ter alterado a decisão inicial, caso a considerassem viciada. E não o fizeram. Por ser correta. Sem nenhuma indicação de que três desembargadores federais, mais cinco ministros, sejam também suspeitos.
Em resumo, para o indeterminado cidadão comum do povo, resta somente a indignação represada por ver, novamente, o triunfo da impunidade. E, longe, o sonho de um país limpo.
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(*) Ex-ministro da Justiça interino no governo José Sarney (1985) e membro da Academia Pernambucana de Letras, o autor escreve no Jornal do Commercio, do Recife.