Juiz absolvido pelo CNJ não quer retornar à área criminal

Absolvido pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) da acusação de julgar com “viés ideológico”, o juiz Roberto Corcioli Filho, do Tribunal de Justiça de São Paulo, não deseja voltar a atuar na Justiça Criminal.

“O julgamento pelo CNJ em nada mudou minha convicção de que é um grande perigo exercer a jurisdição nas Justiças criminal e infracional. Não pretendo deixar de ser juiz. E não pretendo nunca mais atuar nessas áreas”, diz.

Na última terça-feira (23), o CNJ anulou –por 12 votos a 2— censura que havia sido aplicada pelo TJ-SP em 2018.

Levantamento realizado pelo Blog –tema de três posts— (*) sugere que a polêmica vai além de um confronto entre magistrados “garantistas” e  “punitivistas”.

A discussão no CNJ tratou principalmente da independência dos magistrados e dos limites para punir na esfera disciplinar juízes cujas decisões destoem do texto legal.

O julgamento expôs o TJ-SP, que censurou o juiz, e trouxe à tona sentenças heterodoxas de Corcioli, consideradas pelo CNJ decisões que estão “dentro da liberdade interpretativa” do magistrado.

“Considero-me um juiz ‘legalista’, o que significa, em nosso sistema jurídico, que olho em primeiro lugar para a Constituição Federal. A partir dela devo respeitar os tratados internacionais de Direitos Humanos e, olhando para os níveis inferiores, as demais normas jurídicas”, Corcioli afirmou ao Blog.

Segundo ele, “não existe neutralidade na vida individual ou social, não há juiz neutro. O que deve haver é juiz imparcial, que não se incline a decidir olhando para as partes de um litígio.”

Os atos infracionais imputados ao juiz ocorreram na comarca de Itapevi, município da microrregião de Osasco (SP). Atualmente, Corcioli é titular da 1ª Vara da Família e Sucessões em São Miguel Paulista, município da zona leste de São Paulo.

No pedido de revisão ao CNJ, a defesa de Corcioli sustentou que o TJ-SP promoveu “inaceitável perseguição ideológica contra um magistrado digno”. (Revisão disciplinar 0004729-35.2019.2.00.0000)

Ausência de dolo ou má-fé

Corcioli foi acusado de “infração funcional decorrente da prolação de reiteradas decisões determinando a liberdade de criminosos e menores infratores, mediante uso de teses jurídicas construídas sem atenção às circunstâncias dos casos concretos – por vezes, de enorme gravidade -, e, apartadas da legislação penal e infracional”.

O conselheiro relator, ministro Emmanoel Pereira, julgou totalmente procedente a revisão disciplinar para absolver Corcioli da pena de censura. Considerou não haver infração funcional passível de qualquer penalidade em relação a doze decisões judiciais impugnadas -a maior parte sobre tráfico de drogas.

O relator entendeu que “o regular exercício de atividade jurisdicional, mesmo diante de eventual expressão de convicção pessoal ou de supostas decisões teratológicas, não enseja aplicação de penalidade administrativa, quando ausente prova de dolo, má-fé, abuso de poder ou defesa de favorecimento extra processual por parte do magistrado”.

O conselheiro do CNJ Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, advogado indicado pela OAB, divergiu. Afirmou que “a independência da magistratura não pode ser confundida com a possibilidade de o juiz não respeitar a lei ou impedir a realização do controle disciplinar”.

Segundo o conselheiro, o CNJ “tem o entendimento firmado que o livre convencimento motivado não pode servir de escudo para prolação de reiteradas decisões teratológicas”.

Para Rodrigues, a revisão disciplinar não comprovou a contrariedade ao texto da lei e tampouco a ocorrência de fato novo capaz de modificar a decisão do TJ-SP.

Críticas ao tribunal paulista

O conselheiro Mário Guerreiro, juiz de direito do TJ-RS, indicado ao CNJ pelo Supremo, pediu para antecipar o voto. Leu notícias sobre o “reiterado descumprimento”, pelo tribunal paulista, de decisões das Cortes Superiores, gerando o aumento exponencial do “encastelamento de pessoas” cumprindo penas e que deveriam estar soltas.

“É um tribunal de Justiça que simplesmente não aplica a lei, não quer aplicar, e nós vamos punir um juiz?”, questionou. “Então, vamos abrir PAD (Processo Administrativo Disciplinar) contra todos os desembargadores do Estado de São Paulo. Por coerência, se o CNJ decidir punir esse juiz, que puna também os desembargadores. Não vejo nenhuma diferença”, disse.

Em agosto de 2020, em nota sob o título “Ainda há juízes em São Paulo“, o desembargador Guilherme Strenger, presidente da Seção de Direito Criminal do TJ-SP, rebateu as críticas de ministros do STJ, que acusam o TJ-SP de afrontar a jurisprudência das cortes superiores ao agir com rigor excessivo em decisões na área criminal.

Strenger disse que o TJ-SP “jamais se curvará a pressões ou permitirá que membros de quaisquer Poderes da República venham atacar a independência funcional de seus magistrados”.

O desembargador sustentou que “não obstante a existência de perigosas facções criminosas e do crime organizado instalado em seu território, São Paulo desponta como um dos Estados com os melhores índices de segurança do país, resultado que, em grande parte, deve-se a atuação firme e obstinada de seus magistrados, sobretudo na área criminal”.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) estabelece que, “salvo os casos de improbidade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.”

Os defensores de Corcioli, advogados Igor Sant’Anna Tamasauskas, Débora Cunha Rodrigues e Luís Weichert afirmam que levaram o caso ao CNJ porque o juiz foi punido exclusivamente por aplicar posições jurídicas minoritárias no tribunal –ainda que respaldadas por jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

“Trata-se de estranho cenário, em que respeitado Juiz de Direito é prejudicado, por exemplo, ao seguir a orientação jurisprudencial de Tribunais Superiores no âmbito penal, sabidamente ignorada pela Corte de que faz parte e que o condenou”, afirmou a defesa no pedido de revisão.

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