Dallari previu que o processo contra Corcioli afetaria a imagem do Judiciário

Em maio de 2017, o jurista Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, examinou toda a documentação sobre a proposta do Órgão Especial do TJ-SP de instaurar processo disciplinar para punir o juiz Roberto Luiz Corcioli Filho.

Em parecer que elaborou, ele previu que o processo poderia “afetar com muita gravidade a carreira do magistrado e transmitir para a opinião pública uma imagem desfavorável de toda a magistratura e do próprio Poder Judiciário.”

Alegava-se no tribunal que decisões proferidas pelo juiz “foram influenciadas pelo garantismo penal”.

Segundo sustentaram os solicitantes da instauração do processo disciplinar, “tais atitudes demonstram falta de imparcialidade e prudência no exercício da atividade jurisdicional, configurando-se por isso uma violação dos deveres funcionais”.

Dallari concluiu que a proposta de punição de Corcioli “não tinha a mínima consistência jurídica”.

“As decisões invocadas na proposta de punição não configuram parcialidade ou desvio politicamente influenciado, estando rigorosamente enquadradas nas normas éticas e jurídicas que devem ser obrigatoriamente respeitadas pelos magistrados de todos os níveis”, afirmou.

No último dia 23 de fevereiro, o CNJ (Conselho Nacional do Justiça) anulou, por 12 votos a 2, a censura aplicada pelo TJ-SP a Corcioli.

Uma curiosidade: nos argumentos dos acusadores, foram feitas referências ao livro “O Poder dos Juízes”, de Dallari. Segundo diz o autor, “verifiquei ser equivocada a referência a advertências que ali eu teria feito”.

Associações de magistrados e entidades de defesa dos direitos humanos criticaram o TJ-SP, ao qual atribuíram a prática de “censura ideológica” e perseguição ao juiz Roberto Corcioli Filho.

Eis trechos do parecer de Dallari:

“A punição de um magistrado é, em qualquer circunstância, um fato muito grave pelas consequências que isso pode acarretar, uma vez que além de afetar com muita gravidade a carreira do magistrado diretamente visado irá, inevitavelmente, transmitir para a opinião pública uma imagem desfavorável de toda a Magistratura e do próprio Poder Judiciário.”

(…)

“Começo por manifestar minha surpresa e minha discordância relativamente à acusação de indisciplina e descumprimento dos deveres funcionais pelo simples fato de manifestar simpatia pela orientação doutrinária e jurisprudencial do garantismo jurídico.”

(…)

“Em casos isolados o juiz em questão teria deixado evidente estar influenciado pelo garantismo, o que, segundo os autores da proposta, não configura qualquer ilegalidade, mas, concluem os proponentes, a reiteração dessa atitude é que leva à caracterização de uma ilegalidade. Isso é completamente absurdo (…) não havendo qualquer fundamento para que se conclua que a simples reiteração configura uma ilegalidade.”

(…)

Obviamente, fiquei feliz e me senti muito honrado por ter conhecimento de que meu livro mereceu a atenção de ilustres magistrados, mas verifiquei ser equivocada a referência a advertências que ali eu teria feito.

(…)

“Eu assinalo que ‘os juízes exercem atividade política em dois sentidos: por serem integrantes do aparato de poder do Estado, que é uma sociedade política, e por aplicarem normas de direito, que são necessariamente políticas’”.

(…)

“O juiz é cidadão e nessa condição exerce o direito de votar, acrescentando que não há como pretender que o juiz, fazendo uma escolha política no momento de votar, fique indiferente ao resultado da votação. E, como é óbvio, isso se aplica aos magistrados de todos os níveis, inclusive aos Desembargadores e aos Ministros de Tribunais Superiores.”

(…)

“O juiz deve ser apartidário, não bastando que ele não tenha ligações formais com algum partido político.

(…)

“É absolutamente desprovida de fundamento jurídico a proposta de punição do juiz Roberto Corcioli pelos pretensos fundamentos invocados, pois além de não ter sido apontada uma única ilegalidade em suas decisões, existe apenas a estranha referência ao fato da reiteração de decisões semelhantes, o que tornaria ilegal o procedimento do magistrado.”

(…)

“Na realidade, nenhum preceito legal dá fundamento a essa conclusão, merecendo destaque o fato de que os próprios acusadores reconhecem que nenhuma das decisões, isoladamente, contém qualquer ilegalidade, que, fantasiosamente, decorreria simplesmente da reiteração.”

(…)

“Por tudo quanto foi aqui exposto não tenho qualquer dúvida em afirmar que a proposta de punição do Juiz Roberto Corcioli, aqui examinada, não tem a mínima consistência jurídica.

A orientação adotada pelo preclaro magistrado, ainda que influenciada pela teoria do garantismo penal, condiz estritamente com os princípios e as normas da Constituição vigente que regem o direito penal, o direito penal juvenil e o processo penal no Brasil.”